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Eles compraram, mas não levaram

Primeiro foi a onda de fusões e aquisições. Em meio à crise, surge uma nova onda, a dos negócios desfeitos — saiba por que isso acontece e quais as conseqüências

Anúncio da Anheuser-Busch: os termos da aquisição da InBev podem mudar (Getty Images)

Anúncio da Anheuser-Busch: os termos da aquisição da InBev podem mudar (Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 29 de março de 2011 às 11h02.

O mundo das fusões e aquisições é cercado de rituais. Isso acontece porque, para um empresário, apenas uma decisão é mais difícil que comprar um concorrente — vender sua companhia para um rival. É daí que nascem a obsessão pelo sigilo e, principalmente, a preocupação em arquitetar um negócio que não deixe fios soltos. Contratos de milhares de páginas são cuidadosamente negociados por meses para garantir que a transação não corra risco de ser desfeita após o anúncio. Tem-se, finalmente, um princípio escrito na pedra: uma vez assinado o contrato de compra e venda, não há volta. Para aqueles habituados a regras como essas, o mercado brasileiro tem dado nas últimas semanas motivos para estupefação. Três aquisições anunciadas em 2008 foram canceladas em meio à crise financeira que abala o mundo desde setembro. A primeira a voltar atrás foi a Cyrela, maior construtora do país. Seu controlador, o empresário Elie Horn, desistiu de comprar a rival Agra no início de outubro, três meses após o anúncio da aquisição. Em seguida, foi a vez de a Votorantim adiar o aumento de sua participação no controle da fabricante de celulose Aracruz, anunciada dois meses antes. Ainda no mês de outubro, sete meses após a divulgação para o mercado, a varejista Renner desistiu de adquirir a rede carioca Leader. Há ainda a expectativa de que algumas empresas renegociem contratos de aquisição, sem necessariamente rasgá-los. Segundo analistas, essa pode ser uma alternativa para a InBev. A cervejaria adiou a emissão de ações no valor de 9,8 bilhões de dólares que serviria para financiar parte da compra da Anheuser-Busch, que totaliza 52 bilhões de dólares.

Os dois principais motivos para esse repentino surto de negócios desfeitos são ligados à crise financeira mundial. O primeiro deles é a abrupta queda no valor das ações das empresas envolvidas. Quando a Cyrela divulgou a compra da Agra, em junho, as ações da construtora adquirida valiam 9 reais. Nos meses seguintes, começaram a cair, até atingir 5,80 reais em outubro — ou seja, Elie Horn comprou algo que perdeu valor dia a dia desde a data do anúncio da transação. Em vez de aceitar o prejuízo, Horn decidiu cancelar o negócio. O outro motivo das compras desfeitas é o temor de uma freada econômica causada pela crise financeira. A desaceleração da economia atingiria em cheio o varejo, e esse cenário fez com que a Renner abandonasse a carioca Leader. O valor do negócio, 670 milhões de reais, passou a ser considerado alto demais em razão do novo cenário surgido com a crise. Alguns acionistas questionaram abertamente a estrutura do negócio — em meados de outubro, a gestora de fundos Investidor Profissional (IP), um dos maiores acionistas da Renner, chegou a informar em anúncio pago nos jornais que votaria contra a proposta de compra da Leader na assembléia de acionistas. Não foi necessário. O presidente da Renner, José Galló, anunciou dias depois que não haveria negócio.

Em tempos normais, rasgar um contrato de compra pode arrasar a reputação de uma empresa — razão pela qual situações como essa são uma raridade. Em tempos de tormenta como o atual, porém, a leitura do mercado pode ser bastante diferente. Na definição dos especialistas em imagem, a turbulência deu às empresas uma espécie de licença para rever planos. Prova disso é a reação que o mercado teve ao anúncio das desistências. Os papéis da Renner dispararam 11% um dia após a companhia desfazer o negócio com a Leader. Ajudou muito o fato de não haver multas estipuladas para o caso de uma rescisão de contrato. O caso da Votorantim Celulose e Papel é bastante diferente. Em agosto, a empresa anunciou a compra da participação da família Lorentzen no bloco de controle da Aracruz. A história que se seguiu é conhecida. A Aracruz anunciou prejuízo de mais de 2 bilhões de dólares causado por operações com derivativos cambiais. E seu valor de mercado derreteu 70% em razão disso. A VCP logo comunicou que estava suspensa a compra da fatia dos Lorentzen, mas poderá pagar uma multa de 1 bilhão de reais se a aquisição não for concluída. Ou seja, a opção da VCP por rasgar o contrato trará um enorme prejuízo. Mesmo assim, o mercado gostou da desistência e as ações da VCP se valorizaram.


Se para as empresas compradoras o cancelamento ou a suspensão do negócio foram vistos pelo mercado como uma opção defensável em meio à crise, para as empresas que seriam compradas a atitude foi um baque. O mercado não só fica sabendo que elas estão à venda (o que geralmente é negado até a concretização do negócio) como ainda a que preço. “Essa exposição desvaloriza a companhia”, diz Alejandro Pinedo, consultor da Interbrand, empresa especializada em gestão e avaliação de marcas. “Se algo dá errado, cria-se a desconfiança de que algum problema a empresa deve ter.” Um exemplo foi o que aconteceu com a Agra. Após o cancelamento da compra pela Cyrela, o preço de suas ações caiu 81% — em um único dia. O motivo foi a justificativa nada convincente da Cyrela para o cancelamento da transação. Segundo a empresa, o processo de fusão não prosseguiria pela impossibilidade de compatibilizar os sócios das duas companhias. O mercado não engoliu as explicações, uma vez que a Cyrela já tinha 19% de participação na Agra e deveria conhecer bem os parceiros. Para analistas, a Cyrela não quis admitir seus reais motivos para não parecer uma empresa que muda de estratégia ao sabor dos ventos. Porém, acabou lançando no mercado desconfianças em relação à empresa que queria comprar.

Os negócios desfeitos no mercado brasileiro ilustram aquele que é o maior dilema enfrentado por quem compra ou vende uma empresa — encontrar o momento certo para fazê-lo. O maior inimigo de uma fusão é o excesso de otimismo em relação ao futuro. É essa a principal razão para aquisições fracassadas. A mineradora Anglo American, por exemplo, comprou a MMX, de Eike Batista, em meio à euforia das commodities, no fim de 2007. Hoje, as ações da MMX valem menos da metade do valor pago pela Anglo. Esse mesmo otimismo levou a brasileira Vale a fazer uma oferta de 76 bilhões de dólares pela anglo-suíça Xstrata, no início do ano. O negócio não vingou e atualmente, por causa da queda dos mercados, a Xstrata vale menos de 20 bilhões de dólares. Ou seja, caso a transação tivesse sido concluída, a mineradora brasileira teria jogado quase 60 bilhões de dólares na lata do lixo. O excesso de otimismo — e de ganância — também explica boa parte dos erros cometidos por empresas que são alvo de tentativas de aquisição. O presidente e fundador do Yahoo!, Jerry Yang, é fortíssimo candidato a trapalhão do ano nesse quesito. Numa investida para ganhar espaço no mercado online, a gigante Microsoft ofereceu em janeiro 47,5 bilhões de dólares pelo Yahoo! — ou 33 dólares por ação. Yang recusou a proposta por julgá-la baixa demais. Pois hoje as ações do Yahoo! valem cerca de 13 dólares. E, no início de novembro, o arrependido Yang decidiu tomar uma atitude bizarra: pedir à Microsoft que faça uma nova oferta por sua empresa, o que mostra seu desespero e, pior, deprecia o valor do Yahoo! numa eventual nova rodada de negociações. A crise pode estar atrapalhando os planos de quem fez aquisições — mas é motivo de pânico para quem não quis vender sua empresa antes dela.

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