Revista Exame

Elas aprenderam com os emergentes

Por que multinacionais como Nestlé, Procter&Gamble e Walmart estão copiando em seu país de origem estratégias que conquistaram a classe C no Brasil e na China

Procter&Gamble: A bem-sucedida estratégia de contratar a modelo Gisele Bündchen para promover a marca Pantene encorajou a P&G a assinar com a atriz Eva Mendes, sucesso entre o público hispânico (Christopher Polk/Getty Images)

Procter&Gamble: A bem-sucedida estratégia de contratar a modelo Gisele Bündchen para promover a marca Pantene encorajou a P&G a assinar com a atriz Eva Mendes, sucesso entre o público hispânico (Christopher Polk/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 8 de dezembro de 2011 às 08h28.

São Paulo - Durante muito tempo, a tarefa de vender para a população de baixa renda em países periféricos assemelhava-se a uma espécie de aventura exótica para boa parte das multinacionais de bens de consumo.

Com mercados sofisticados e quase cativos em seu país de origem, não havia por que gastar tempo e dinheiro em mercados embrionários, nos quais a maioria da população tinha pouco acesso a produtos “de marca”, como xampus, fraldas descartáveis ou mesmo detergentes.

Mas, como se sabe, a recente ascensão de países como Brasil, Rússia, Índia e China — os chamados Brics — mudou essa lógica. Conquistar os novos consumidores que surgiam nesses países se tornou não apenas uma opção estratégica mas quase uma imposição na busca pelo crescimento.

Nos últimos meses, com o agravamento da crise na Europa e nos Estados Unidos, os mercados emergentes passaram a desempenhar um papel ainda mais relevante.

Devido ao empobrecimento da população nas economias desenvolvidas, alguns produtos e estratégias de negócios criados no mundo emergente por companhias como Walmart, Nestlé, Kraft Foods e Proc­ter&Gamble começam a ser adotados em mercados como o americano e o europeu.

“A turbulência financeira jogou muita gente para a base da pirâmide”, diz Felipe Monteiro, professor de administração da Universidade da Pensilvânia. “O aprendizado nos países emergentes está ajudando muitas multinacionais a criar soluções para a população que teve seu poder aquisitivo achatado nos Estados Unidos e na Europa.”

A suíça Nestlé foi uma das pioneiras desse movimento. Há cinco anos a empresa começou a colocar produtos criados por suas subsidiárias de países emergentes em algumas regiões da Europa — foi o que aconteceu com os produtos do tipo halal, para muçulmanos, desenvolvidos na Malásia.

Os produtos halal fazem parte de um grupo de 300 itens ou práticas de negócios empacotados sob a sigla PPP — ou produtos posicionados popularmente. Em 2006, os PPPs eram adotados em 37 subsidiárias da Nestlé. Hoje, estão em 70 delas. Há cerca de um ano, a empresa lançou na Espanha embalagens individuais do caldo Maggi, vendidas a menos de 1 euro cada uma.


Na França, passou a vender sachês com dose única do café em pó solúvel Nescafé pelo mesmo valor. Em ambos os casos, os produtos foram “importados” de sua operação russa.

“Foi a maneira que encontramos de fazer com que o consumidor continuasse comprando nossas marcas num momento de grande sensibilidade a preço”, diz José Neto, gerente de trade marketing da Nestlé no Brasil, que até janeiro deste ano participou do grupo global de executivos da companhia dedicados a estudar oportunidades ligadas aos PPPs. (Até agora, nenhuma ideia brasileira foi aproveitada em mercados desenvolvidos.)

Os resultados dessa estratégia começaram a aparecer neste ano com o aprofundamento da crise europeia. No primeiro semestre, a área de produtos populares da Nestlé na Espanha cresceu 20%. Na Europa toda, as vendas da empresa cresceram pouco mais de 4% no mesmo período.

Empobrecimento

Ao analisar o estrago causado pela crise nas economias desenvolvidas, fica fácil entender por que as multinacionais têm buscado disseminar soluções criadas para mercados emergentes. Entre 2007 e 2010, a renda média na Espanha e na Grécia, dois dos países mais afetados pela turbulência, caiu 6,5% e 11,5%, respectivamente, para cerca de 20 000 euros anuais, segundo dados da OCDE.

Os Estados Unidos também vivem um período de empobrecimento de sua população. No mesmo período, a renda média caiu 6,4%, para 49 400 dólares anuais. O índice de pobreza avançou 2,6%, atingindo 15% da população — a maior taxa desde 1993.

Para efeito de comparação, a renda média no Brasil cresceu 13% entre 2007 e 2009, para cerca de 5 000 dólares ao ano, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. 

“Com essa mudança no perfil dos consumidores, as empresas perceberam que, para crescer, precisam atuar de forma diferente da que estavam acostumadas”, diz o americano Alain Groenendaal, presidente da agência de publicidade Wing Latina, especializada no mercado hispânico e sediada em Nova York.


Com 42% de suas receitas concentradas nos Estados Unidos e no Canadá, a Proc­ter&Gamble buscou no Brasil uma forma de aumentar as vendas de xampus em seu país de origem — sobretudo entre o público latino, que gasta até três vezes mais que os americanos em produtos de beleza.

Desde maio, as campanhas de Pantene, principal marca de xampus da P&G, são protagonizadas pela atriz cubana Eva Mendes — até então, os filmes mostravam cientistas explicando tecnicamente os benefícios do produto.

A empresa abandonou a abordagem técnica depois de medir os resultados da contratação da modelo Gisele Bündchen como garota-propaganda da Pantene no Brasil — em agosto deste ano, a marca assumiu a vice-liderança do mercado nacional. 

Embora esteja se tornando cada vez mais comum, a “bricnização” dos mercados é algo tão arriscado quanto o movimento de globalização radical tentado anos atrás pelas multinacionais. Apesar da crise, países emergentes e desenvolvidos ainda têm realidades muito diferentes.

Uma típica família de classe C no Brasil conta com uma renda em torno de 16 000 dólares por ano. Nos Estados Unidos, a renda da baixa classe média é o dobro. “Quem está agora na base da pirâmide nos Estados Unidos ou na Europa sempre esteve muito exposto a marcas, e tem um nível de informação sobre empresas e produtos bem mais elevado que seus pares nos países emergentes”, diz Peter Findlay, da consultoria A.T. Kear­ney.

“Antes de replicar em larga escala as estratégias criadas para os emergentes, as empresas precisam testar os mercados.” Foi o que fez o Walmart, maior varejista do mundo. Nos próximos dois anos, a empresa vai inaugurar 385 lojas nos Estados Unidos — cerca de 25% delas no formato reduzido, que possui um quarto do tamanho de uma unidade tradicional.

A ideia, inspirada em bandeiras como Todo Dia, no Brasil, e Bodega, no México, é atender as populações de periferias ou zonas rurais — e continuar a vender para elas enquanto se espera que o pior da crise fique para trás.

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