Revista Exame

Dono da F1 corre para que 2017 seja divisor de águas na categoria

Pilotos ouvidos por EXAME estão animados com as mudanças; dizem que elas vão privilegiar os mais hábeis tecnicamente

GP dos estados unidos: o Liberty quer corridas com 
cara de Super Bowl (braverabbit/Thinkstock)

GP dos estados unidos: o Liberty quer corridas com cara de Super Bowl (braverabbit/Thinkstock)

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Raphaela Sereno

Publicado em 25 de março de 2017 às 05h55.

Última atualização em 27 de março de 2017 às 10h38.

Barcelona — Às 2 horas da madrugada de 26 de março, horário de Brasília, quando os carros largarem para o Grande Prêmio da Austrália de 2017, a Fórmula 1 dará início a uma das mais agitadas temporadas de sua história. Quando os motores roncarem pelo asfalto que contorna o lago Albert Park, em Melbourne, pilotos como o inglês Lewis Hamilton e o brasileiro Felipe Massa guiarão máquinas maiores, mais rápidas e desafiadoras. Graças a pneus 25% mais largos e aerodinâmica ainda mais apurada, os carros terão mais aderência ao asfalto.

Pilotos ouvidos por EXAME nos testes de pré-temporada, no circuito da Catalunha, nos arredores de Barcelona, estão animados com as mudanças. Dizem que elas vão privilegiar os mais hábeis tecnicamente, que gostam de exigir o máximo de sua máquina. “Será melhor para quem dirige com um estilo mais agressivo, gosta de acelerar e frear mais tarde nas curvas, sem risco de danificar os pneus, como acontecia antes”, disse o espanhol Fernando Alonso, bicampeão mundial, que correrá em 2017 pela inglesa McLaren.

Novos pneus foram desenvolvidos pela italiana Pirelli, fornecedora oficial, com o objetivo de resistir a mais voltas e, por consequência, reduzir o número de pit stops. “A julgar pelos primeiros testes, o espetáculo na pista deste ano será melhor”, diz o italiano Mario Isolla, executivo da Pirelli. Nos testes no circuito da Catalunha, a telemetria mostrou que os pilotos pisaram fundo no acelerador durante 70% do percurso da curva 3 do autódromo — e ganharam 30 quilômetros por hora na comparação com o registrado no ano passado (quando a marca era de 50%).

Isso explica por que o tempo da melhor volta, cravado pelo finlandês Kimi Raikkonen, foi 3,3 segundos menor do que o do poleposition do GP da Espanha, disputado em 2016, naquela mesma pista. Para quem não acompanha o esporte, vale dizer que esse tempo em Fórmula 1 é uma eternidade, capaz de separar o primeiro do 20o colocado no grid de largada. “Carros maiores ocuparão mais lugar no asfalto, e isso, inevitavelmente, provocará mais contato e mais acidentes, principalmente em locais onde ultrapassar é sempre mais complicado, como as ruas de Mônaco ou Hungaroring, em Budapeste, na Hungria”, diz o brasileiro Felipe Massa.

Corridas mais emocionantes serão essenciais para que dê certo o plano dos novos donos da categoria, o grupo americano Liberty Media, que em janeiro pagou cerca de 8 bilhões de dólares para poder dar as cartas na Fórmula 1. Nos últimos oito anos, a audiência global da categoria mais nobre do automobilismo caiu de 600 milhões de espectadores por corrida para 400 milhões. Com a queda, a receita dos patrocínios também despencou. Em quatro anos, a redução foi de cerca de 25%. É essa tendência que os executivos do Liberty lutam para reverter. Para isso, contam com uma estratégia que tem três pilares.

O primeiro é emoção. Os novos donos estão estudando outras medidas, além do tamanho das máquinas e dos pneus, para enterrar uma impressão que se cristalizou nos campeonatos dos últimos anos: que os engenheiros das equipes são mais decisivos do que os pilotos. Uma das propostas sobre a mesa é tentar nivelar o poder das equipes para que mais pilotos tenham a chance de vitória.

Nos últimos três anos, as Mercedes prateadas ganharam 51 das 59 corridas disputadas. Essa é uma conversa que deve demorar. Regras que facilitem as ultrapassagens têm chance de ser divulgadas antes. Outro ponto que já está na pauta é mais cosmético, mas igualmente importante para os aficionados. O Liberty vai rever o ronco dos carros, considerado fraco demais pelos puristas desde que a nova geração de motores rodou pela primeira vez em 2014.

O segundo pilar da estratégia do Liberty, controlado pelo bilionário americano John Malone, é transformar os GPs em eventos que lembrem o Super Bowl, a final do campeonato de futebol americano. O Super Bowl reúne multidões nas cidades onde a partida acontece, com a organização de shows e atrações durante dias. “Uma corrida de Fórmula 1 deverá ser uma experiência bem mais intensa para os fãs do que apenas 2 horas de corrida”, diz Sean Bratches, diretor de marketing recentemente contratado.

Essas duas novas estratégias — mais emoção e eventos maiores nas corridas — têm como meta reverter uma aberração que ficou clara na Alemanha. Mesmo com ídolos como Sebastian Vettel e a escuderia Mercedes na melhor fase de sua história, neste ano o GP da Alemanha ficará de fora do calendário. Segundo Georg Seiler, diretor do autódromo de Hockenheim, a negociação, feita ainda com o inglês Bernie Ecclestone, antigo dono da Fórmula 1, emperrou por causa do preço.

Os 15 milhões de euros pedidos por Ecclestone, famoso tanto pela posição dura nas negociações como pelo penteado no estilo de Andy Warhol, eram uma pechincha se comparados aos 60 milhões de euros pagos pelos organizadores da prova do Azerbaijão, mas caros quando os alemães lembravam das arquibancadas vazias no GP de 2016, mesmo com ingressos vendidos a preços de liquidação. “Diante da crise econômica, não dá para bancar uma prova de Fórmula 1 a qualquer custo”, diz o alemão Mirko Markfort, administrador de Nürburgring, outro tradicional circuito.

Há mais telas além da TV

O terceiro pilar da estratégia é explorar o potencial das ferramentas digitais. Isso quer dizer mais interação entre pilotos e seus seguidores no período de tempo entre uma corrida e outra. Para conquistar novos fãs e atingir novos mercados, como os Estados Unidos, uma das primeiras providências foi liberar a atividade dos pilotos e dirigentes das escuderias nas redes sociais. Pela primeira vez, eles puderam postar conteúdo — e até mesmo pequenos vídeos — em sua página de dentro dos autódromos.

“Redes sociais são um meio incrível para se comunicar com milhões de pessoas e é ótimo que a F1 tenha, finalmente, entendido isso”, diz Lewis Hamilton, da Mercedes. O piloto inglês tem 3,8 milhões de seguidores no Instagram e outros 4,1 milhões no -Twitter. Para desenvolver a presença da Fórmula 1 nas redes sociais, o Liberty contratou o inglês Norman Howell, ex-vice-presidente de comunicação da franquia de lutas marciais UFC. “Queremos que a F1 ofereça aos fãs uma visão mais próxima da ação”, diz Howell.

A postura do Liberty não poderia ser mais distante da adotada por Ecclestone, que costumava dizer que era velho demais para tuitar ou entrar no Facebook. A partir da década de 70, o ex-manda-chuva Ecclestone transformou a Fórmula 1 num esporte globalizado. Pelas suas mãos, a categoria se espalhou por todo o mundo, de Singapura ao Azerbaijão. A crítica que se faz — a explicação para a queda de audiência e de receita dos últimos anos — é que ele ficou preso à fórmula de sucesso que inventou.

Para Ecclestone, a televisão era o melhor canal de distribuição — e os novos donos não discutem isso. Em torno de 630 milhões de dólares (30% da receita) são obtidos com direitos de transmissão. Mas a posição do Liberty é que existem outras opções de exibição, além da telinha. “O modelo baseado majoritariamente na televisão já não faz tanto sentido”, diz o americano Gene Haas, dono da escuderia Haas, que entrou na Fórmula 1 em 2015 e que também tem uma equipe na americana Nascar. “Hoje em dia, as pessoas estão assistindo cada vez menos às corridas de automóvel pela TV. Isso vale para canais abertos e por assinatura. Não há tempo para consumir todo o conteúdo que é oferecido. Para ele, o caminho é o desenvolvimento de aplicativos. “Hoje, eu posso assistir às corridas da Nascar em streaming, pelo meu smartphone. Esse será o jogo daqui por diante”, diz.

É fato que a audiência de toda a programação da televisão está caindo, principalmente entre os mais jovens, que já nasceram com a internet e os dispositivos móveis. Segundo um estudo da consultoria americana Nielsen, realizado nos Estados Unidos desde 2011, a audiência da TV encolheu 42% no grupo de pessoas de 18 a 24 anos. Por isso, o Liberty quer ampliar os canais de distribuição e, mais adiante, explorar novas ferramentas, como as transmissões em realidade aumentada. “Os novos gestores parecem interessados em mostrar o esporte de forma mais acessível e divertida. E isso é muito promissor”, afirma o alemão Christian Horner, chefe da equipe Red Bull. Por ora, nenhuma grande mudança foi anunciada. Mas pelo barulho feito desde que fechou o negócio com Ecclestone, Malone não está disposto a perder tempo.

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