Sede da Mossack Fonseca, no Panamá: entre os famosos que tiveram o nome revelado está Eduardo Cunha (AFP Photo)
Da Redação
Publicado em 23 de abril de 2016 às 05h56.
São Paulo – A confirmação deverá vir no dia 31 de outubro, mas, a contar pelo entra e sai nos maiores escritórios de advocacia de São Paulo nas últimas semanas, a repatriação de recursos mantidos no exterior e não declarados ao Fisco deverá ser recorde. A lei sancionada no começo deste ano estipulou que os interessados terão um prazo de cerca de sete meses a partir de abril para preencher os papéis necessários.
O governo espera arrecadar cerca de 35 bilhões de reais, mas os oito escritórios de advocacia especializados no assunto ouvidos por EXAME foram unânimes ao afirmar que o valor será bem superior. Como os paraísos fiscais sempre primaram pela discrição, ninguém sabe ao certo o total depositado nesses centros financeiros.
Pelos cálculos da Receita Federal, os brasileiros têm de 100 bilhões a 150 bilhões de reais não declarados no exterior. Já a organização Tax Justice Network, com sede no Reino Unido, estima que a poupança brasileira no exterior supere 500 bilhões de dólares, incluindo o que é legal e ilegal. Vale lembrar: a lei brasileira permite a qualquer cidadão ou empresa ter contas no exterior, desde que devidamente declaradas.
Independentemente de quanto realmente seja o montante, o certo é que a vida está mais difícil para quem mantém dinheiro não declarado fora do país. A sensação de vulnerabilidade só aumenta. O recente vazamento dos Panama Papers, que tornou público o nome de mais de 200 000 donos de offshore clientes do escritório panamenho Mossack Fonseca, envolveu políticos e celebridades de várias partes do mundo, incluindo Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados.
“Não é o primeiro vazamento de informações desse tipo e não será o último”, diz Sol Picciotto, professor na Universidade de Lancaster, na Inglaterra, e conselheiro da Tax Justice Network. Se a ameaça ao dinheiro ilegal depositado no exterior estivesse restrita aos vazamentos, talvez a maioria dos correntistas de offshores não parasse para pensar. Mais preocupante é a cooperação internacional que está aumentando o cerco aos sonegadores.
Preocupados com o financiamento de organizações terroristas, os Estados Unidos começaram em 2001 a exigir mais transparência dos paraísos fiscais. Desde 2008, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, o clube dos países ricos, entrou nessa campanha com força.
Afetados pela desaceleração econômica, governos de diferentes países sentiram a necessidade de aumentar a arrecadação, e achar dinheiro escondido no exterior passou a ser uma boa opção.
Esse movimento culminou num acordo multilateral de troca de informações, que passará a valer em 2017 e reúne, até agora, 98 signatários, entre eles estão Suíça, Ilhas Virgens Britânicas, Cayman, Jersey, Guernsey, Uruguai, Irlanda, Reino Unido e Singapura. Juntos, eles somam estimados 10 trilhões de dólares, ou mais de 90% do que a consultoria BCG calcula estar nos paraísos fiscais.
A ideia é que nenhum governo precise mais requisitar as informações de um cidadão em específico, como acontece hoje. O Brasil, por exemplo, terá acesso automático a todas as informações de correntistas brasileiros na Suíça, ou em qualquer outro paraíso que faça parte do acordo.
“O modelo que prevaleceu até agora é um incentivo ao crime. Isso vai mudar com a troca de informações”, diz Ronen Palan, professor de relações internacionais na City University London e autor de diversos livros sobre o assunto. “Se uma pessoa quiser sonegar, terá de levar o dinheiro para países com menos segurança jurídica”, diz. Entre os que ainda não aceitaram fazer parte do acordo estão Panamá e Bahrein.
Com o cerco se fechando no exterior, a única dúvida dos advogados brasileiros sobre o sucesso da lei de repatriação é o medo que alguns correntistas ainda têm de que a lei sancionada no começo do ano seja julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O pedido da ação foi feito pelo PPS e não há prazo para que o STF decida sobre a questão. A vida nos paraísos fiscais está ruim, mas legalizar o dinheiro perante as autoridades brasileiras pode exigir um tempo maior no purgatório.