Revista Exame

É possível regular os preços dos combustíveis?

Países como Estados Unidos, Canadá e Chile adotam mecanismos para atenuar a volatilidade dos preços dos combustíveis. Mas a regra é evitar os subsídios

Ivan Monteiro, novo presidente da Petrobras: um alívio para os investidores (Ricardo Moraes/Reuters)

Ivan Monteiro, novo presidente da Petrobras: um alívio para os investidores (Ricardo Moraes/Reuters)

FF

Flávia Furlan

Publicado em 7 de junho de 2018 às 05h00.

Última atualização em 7 de junho de 2018 às 17h02.

A greve dos caminhoneiros inseriu mais uma questão polêmica no debate político e econômico do país: afinal, é preciso regular os preços dos combustíveis?  Ou eles devem variar livremente, como o preço dos alimentos, dos carros, dos celulares? O Brasil já adotou os dois modelos. A Petrobras foi proibida de reajustar os combustíveis quando o preço de seu insumo, o petróleo, subia no exterior, e perdeu estimados 100 bilhões de reais com isso de 2011 a 2014. Há um ano, a empresa optou pela segunda alternativa. E, quando os preços subiram demais, os caminhoneiros se revoltaram. O governo, então, prometeu rever a política. Seria um desastre se uma nova política gerasse mais prejuízos para a Petrobras, e esse é o temor dos investidores, razão de as ações da companhia terem caído 35% em pouco mais de duas semanas. Mas experiências internacionais mostram que é possível manter algum controle sobre os preços dos combustíveis sem que isso prejudique empresas ou sobrecarregue as contas públicas (ainda que algum gasto extra seja quase inevitável). Para muitos especialistas, esse tipo de modelo, inclusive, é desejável. “É importante ter uma política de preços pró-mercado, mas a cotação do petróleo pode oscilar muito fortemente no exterior e o repasse para a população não precisa ser diário”, afirma John Forman, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo.

Fila para abastecer em Caracas, na Venezuela: lá o combustível é barato, mas às vezes falta | Marco Bello/Reuters

Países como Canadá, Estados Unidos, Colômbia e Peru adotam mecanismos para atenuar as flutuações dos preços dos combustíveis. Nesses países, não há controle estatal, como ocorreu no Brasil, mas o governo pode atuar quando as variações de preços passam de um ponto preestabelecido. Os modelos de atuação são diferentes. Nos Estados Unidos e no Canadá, o governo mantém estoques de combustíveis ou exige que as empresas do setor de petróleo o façam. O objetivo é poder vender essas reservas em caso de choque inesperado no preço do óleo. A chamada Reserva Estratégica de Petróleo dos Estados Unidos tem mais de 700 milhões de barris, o suficiente para abastecer o país por alguns meses. Ela foi criada após o embargo da Organização dos Países Exportadores de Petróleo aos Estados Unidos em 1973. Essa medida foi uma retaliação ao apoio dos americanos a Israel. Durou cinco meses e, como consequência, filas imensas se formaram nos postos, e o preço da gasolina disparou até 400%. De lá para cá, a reserva americana foi usada poucas vezes nos últimos 40 anos — por exemplo, durante a Guerra do Golfo, no início dos anos 90, e após o Furacão Katrina, em 2005.

Tributação

Na Colômbia e no Peru, existe um imposto regulatório e um fundo de subsídios. Quando os preços do petróleo caem abaixo de um nível definido pelo governo, os valores dos combustíveis são elevados e os recursos arrecadados formam uma reserva. Quando os preços do petróleo aumentam, a reserva pode ser usada como subsídio para diminuir mais os valores dos combustíveis no mercado interno. Na teoria, funciona perfeitamente. Na prática, depende da flutua-ção do petróleo. Entre 2005 e meados de 2008, por exemplo, os preços estiveram muito mais tempo em alta e obrigaram o governo do Peru a injetar dinheiro no fundo, que entrou no vermelho. Durante cinco anos, ele recebeu um total de 2,2 bilhões de dólares e, mesmo assim, hoje o fundo tem um déficit de 230 milhões de dólares. Na Colômbia, o fundo também é deficitário. “A ideia é interessante, mas é difícil que esse tipo de modelo seja sustentável”, diz Masami Kojima, especialista em petróleo, gás e mineração do Banco Mundial. O Brasil já adotou esse modelo entre 1998 e 2001, com um tributo que variava a cada início de mês. Em 2002, passou a incidir sobre os combustíveis a contribuição de intervenção do domínio econômico (Cide), que era alterada por atos do Poder Executivo conforme a necessidade de arrecadação. A Cide chegou a ser zerada em 2012. Mas voltou em 2015 com uma alíquota fixa.

Plataforma de petróleo na Noruega: as receitas do setor abastecem um fundo de pensão que já tem 1 trilhão de dólares | Carina Johansen/Getty Images

O Chile tentou fazer o modelo do fundo compensatório funcionar por quase duas décadas, até que desistiu e criou um sistema alternativo, implementando um novo tipo de imposto em 2014. Esse tributo é composto de uma alíquota fixa e outra variável — esta muda para garantir que a oscilação do preço por litro nos postos não ultrapasse 5 pesos chilenos (o equivalente a 3 centavos de real). Ou seja, quando a cotação internacional do petróleo sobe, o imposto cai, e vice-versa. Os reajustes são semanais. A medida atende pequenos e médios consumidores (carros, furgões e caminhões pequenos). Para os demais consumidores, que compram combustíveis de grandes fornecedores, a flutuação é livre. A metodologia de cálculo está prevista em lei e pode ser consultada por qualquer pessoa. Antes da mudança, o fundo de combustíveis do governo era deficitário. Hoje, a lei prevê limites para o déficit, que pode ser acumulado com sucessivas baixas na parte variável do imposto — e as contas estão equilibradas.

Toque para ampliar.

Ainda existem países em que o governo define totalmente os preços dos combustíveis, como Arábia Saudita, África do Sul e Venezuela. Na Venezuela, uma paralisação contra a alta dos combustíveis no fim da década de 90 levou a um grande protesto, duramente reprimido, que resultou na morte de 400 pessoas. Hugo Chávez, na época na oposição ao governo, venceu a eleição presidencial em 1998 prometendo gasolina barata. No poder, estatizou empresas de petróleo e passou a controlar os preços. Hoje, o litro da gasolina por lá custa cerca de 4 centavos de dólar. Mas, vira e mexe, falta combustível. A produção da -PDVSA,  estatal de petróleo do país e que já foi uma das maiores do mundo, está em 1,5 milhão de barris por dia, 60% menos do que produzia antes de 1998 e 42% abaixo do volume da Petrobras. A Arábia Saudita é uma das maiores produtoras do planeta e usa parte das receitas obtidas com sua exportação para subsidiar os preços no mercado interno.

Subsídios

Mas a  tendência mundial é a redução dos subsídios. A China fez isso, e o governo da Arábia Saudita informou em 2017 que pretende reduzir as subvenções para diminuir o déficit público. Nações europeias, como Islândia e Holanda, não interferem nos preços, que acompanham a cotação internacional do petróleo. É a mesma política adotada pela Noruega, outro grande exportador de petróleo. Na década de 90, o governo norueguês decidiu que as receitas com impostos e royalties do petróleo seriam transferidas para um fundo de pensão — no fim de 2017, esse fundo tinha mais de 1 trilhão de dólares. Pelas regras fiscais do país, o rendimento do fundo, estimado recentemente em 3% ao ano, pode ser usado pelo governo para os gastos do orçamento, que aumentam em épocas de crise, mas são reduzidos quando a economia vai bem. Além disso, Islândia, Holanda e Noruega aumentaram os impostos sobre os combustíveis fósseis com o objetivo de reduzir seu consumo e ampliar o uso de alternativas menos nocivas ao meio ambiente. “É isso que o Brasil deveria estar fazendo, debatendo como usar mais fontes limpas de energia, e não de onde vão sair os recursos para subsidiar os combustíveis ou se a produção de petróleo deve ser pública ou privada”, diz Adriano Pires, fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura, especializado no setor de energia.

Funcionários da Petrobras parados: eles pediram a demissão de Pedro Parente | Mauro Pimentel/AFP Photo

Do lado da Petrobras, quem capitaneia agora a discussão sobre a política de preços é Ivan Monteiro, executivo que assumiu a presidência da empresa após a saída de Pedro Parente no começo de junho. Em sua carta de demissão, Parente afirma que sua “permanência na presidência da Petrobras deixou de ser positiva e de contribuir para a construção das alternativas que o governo tem pela frente”, referindo-se às discussões sobre novas políticas de preços. Os petroleiros em greve haviam pedido a demissão de Parente, e comemoraram sua saída. Monteiro chegou à Petrobras com Aldemir Bendine (eles trabalharam juntos no Banco do Brasil), que presidiu a estatal entre 2015 e 2016 e está preso desde julho do ano passado, condenado pela Operação Lava-Jato. Parente, ao suceder Bendine, preservou Monteiro no cargo de diretor financeiro e o fez seu braço direito. Por isso, analistas creem que Monteiro manterá o plano de reduzir o endividamento e aumentar a rentabilidade da empresa. Ou seja, consideram improvável que ele aceite perdas para controlar os preços dos combustíveis. Isso explica a alta das ações da Petrobras assim que Monteiro foi confirmado na presidência.

Toque para ampliar.

No auge da greve dos caminhoneiros, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica publicou sugestões para aprimorar o mercado de combustíveis. Havia itens como permitir que o próprio cliente abasteça o carro no posto sem a necessidade de um frentista (isso reduziria os custos e, por consequência, os preços), deixar que os produtores de álcool vendam diretamente aos postos, sem passar por distribuidores, e permitir que postos de combustíveis sejam instalados em supermercados, o que é bastante restrito. No entanto, ficou de fora um ponto considerado crucial pelos especialistas: o monopólio do refino. Empresas estrangeiras podem explorar campos de petróleo no Brasil, mas praticamente só a Petrobras faz o refino. Como funciona em qualquer mercado, uma maior competição poderia reduzir preços ou suavizar as oscilações. “Em países onde há concorrência, a alta do petróleo não é inteiramente repassada ao consumidor, porque algumas empresas podem aproveitar a ocasião para vender mais barato do que as concorrentes e ganhar participação de mercado”, afirma Marcelo Colomer Ferraro, professor no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Segundo ele, nesses locais, a correlação do preço dos combustíveis com o preço do petróleo costuma variar de 50% a 70% — ou seja, o repasse não é total. “Nos países desenvolvidos, o mercado de combustíveis é altamente competitivo, com centenas de empresas com modelos de negócios distintos, beneficiando o consumidor. O papel do governo é garantir que haja uma competição saudável”, diz François Santos, sócio especialista no setor de petróleo da consultoria A.T. Kearney. A concorrência no refino também seria importante para a eficiência da Petrobras. Hoje, ela é a única responsável pelos investimentos necessários para suprir o crescimento da demanda de combustíveis no Brasil. “O refino é um setor problemático porque tem uma margem apertada no mundo todo. Por isso, é importante ter uma previsibilidade nos preços”, diz Ferraro. Em abril, a Petrobras lançou o prospecto de venda de participações em quatro de suas refinarias, duas na Região Nordeste e duas na Região Sul. Juntas, elas respondem por 36% da capacidade de refino do país. Também nesse segmento, olhar a experiência internacional pode trazer lições valiosas.

Acompanhe tudo sobre:CombustíveisPetrobrasPreçosRegulamentação

Mais de Revista Exame

Melhores do ESG: os destaques do ano em energia

ESG na essência

Melhores do ESG: os destaques do ano em telecomunicações, tecnologia e mídia

O "zap" mundo afora: empresa que automatiza mensagens em apps avança com aquisições fora do Brasil

Mais na Exame