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Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h30.
Coloque-se por um minuto na situação do empresário paulista Jorge Simeira Jacob. Aos 67 anos, ele é o fundador e principal acionista da Lojas Arapuã, uma das maiores redes de varejo de eletroeletrônicos do país. Ficou meio vago, não é? Vamos tentar novamente. Coloque-se, agora, na pele de Simeira Jacob, controlador de uma empresa que, nos últimos meses, transformou-se numa espécie de máquina de lucros, capaz de atrair investidores de todo o mundo. Analise os números:
Em 1996, a Lojas Arapuã alcançou um faturamento de 2,2 bilhões de reais. Trata-se de um crescimento de mais de 50% sobre o ano anterior.
A rentabilidade em relação ao patrimônio ficou em 53%. Sua principal concorrente, a rede carioca Ponto Frio, não passou dos 26%.
O lucro líquido atingiu 119 milhões de reais, um crescimento de 250% em relação a 1995. Redes americanas de varejo de eletroeletrônicos como a Circuit City e a Radio Shack lucram algo como 2% sobre suas vendas. A Arapuã lucrou 6,8% em 1996.
Em 15 meses, as ações da Lojas Arapuã em bolsa tiveram uma valorização de quase 140%.
A participação nas vendas nacionais de eletroeletrônicos subiu de 11% para 16% no ano passado.
A Arapuã tem se mantido firme num mercado balançado por transformações. A Casa Centro acaba de falir, carregando uma dívida de 300 milhões de dólares. A Casas Bahia, de Samuel Klein, recentemente foi abalada por uma onda de boatos sobre sua saúde financeira. A Lojas Americanas (antes um modelo de eficiência) fechou 1996 com um prejuízo de mais de 24 milhões de reais.
O.k. Mas a questão é: como a Arapuã conseguiu obter resultados tão excepcionais num cenário como esse?
MUDANÇA NO TIME - Talvez a melhor resposta seja: assumindo riscos. "O que levou a Arapuã ao topo foi a coragem de quebrar paradigmas e desafiar o sucesso", diz Eugenio Foganholo, da Mixxer, consultoria paulista especializada em varejo. "Podia dar tudo errado. Mas funcionou. Isso é visão estratégica."
Vamos olhar para trás. No final da década de 80, Simeira Jacob partiu com um grupo de executivos para os Estados Unidos. Queria conhecer a operação de redes como a Radio Shack, a Best Buy e a Circuit City, donas de faturamentos de cerca de 7 bilhões de dólares anuais. Dias depois, voltou convencido de que era preciso mudar o foco dos negócios. À época, a Arapuã era líder nacional nas vendas de móveis e eletroeletrônicos. O faturamento chegava a 800 milhões de dólares e os lucros apareciam nos balanços. As ineficiências eram ocultadas pela inflação. Quantas empresas mudariam alguma coisa numa situação dessas?
A Arapuã mudou. "Estávamos num momento excelente", diz Caio Simeira Jacob, irmão de Jorge e atual presidente da Lojas Arapuã. "Mas percebemos que se não transformássemos nosso negócio não teríamos competitividade internacional. Seríamos uma empresa sem futuro." A Arapuã optou, então, por um recuo estratégico.
De uma só tacada, fechou 120 lojas. A linha de produtos foi reduzida de 7 500 para 700 itens. A empresa, que chegou a ter em seus estoques de televisores a tapetes e cristais, concentrou suas vendas em eletroeletrônicos. Resultado: em apenas três anos, o faturamento caiu de 800 milhões de dólares para 430 milhões. "O mercado achou que estávamos malucos", diz Massaru Kashiwagi, diretor financeiro da Arapuã. "Ninguém entendia por que estávamos mexendo num time que estava ganhando."
Havia uma lógica poderosa por trás da mudança tática: a especialização trouxe aumento de escala para a Arapuã. "Poder de compra é algo que está se tornando fundamental no varejo mundial", diz Roger Ingold, diretor da Andersen Consulting, uma das maiores empresas mundiais de consultoria. "Quem não for grande o suficiente para negociar com os fornecedores perde competitividade e acaba sendo engolido pela concorrência." Segundo um estudo do banco de investimentos Lehman Brothers, atualmente as grandes redes de varejo dominam cerca de 90% das vendas nos Estados Unidos. "No Brasil, a mesma coisa vai acontecer", diz Ingold.
CÉREBRO E BRAÇOS - Ao mesmo tempo em que se especializava, a Arapuã partiu para a informatização total de suas operações. Desde o início da década, foram investidos mais de 100 milhões de dólares em tecnologia. "Criamos o conceito da loja sem papel", diz Caio Jacob. "O cliente reserva o produto, escolhe a forma de pagamento e faz o crediário por computador." Com a informatização, o giro dos estoques caiu de 90 para 20 dias. O número de depósitos de mercadoria passou de 16 para apenas seis. Uma das maiores rivais da Arapuã, a Casas Bahia, atualmente gira seus estoques em 45 dias.
Por trás da mudança de rota da Arapuã há a mão de Ricardo Pieroni Jacob, sobrinho de Jorge Simeira Jacob. Aos 37 anos, Ricardo vem sendo considerado um dos principais representantes da nova geração de varejistas brasileiros. "Ele é genial", diz Luiz Ernesto Godinho, analista de varejo do banco de investimentos britânico HSBC James Capel. "Tem visão estratégica e varejo nas veias." Ricardo, que ocupa o cargo de vice-presidente de operações, raramente é encontrado nos escritórios do grupo Fenícia, controlador da Arapuã e de outras empresas da família como o Banco Fenícia, a Etti, fabricante de conservas e molhos, e a construtora Lotus.
Hoje pode estar em São Paulo. Amanhã em Belém. Semana que vem em Porto Alegre. Ricardo conhece todas as 250 lojas da rede. Viaja tanto que, há alguns anos, tirou brevê para pilotar aviões de pequeno porte. Pelo menos uma vez por ano, abandona o jeans e coloca a gravata para participar de encontros com investidores em Nova York. Há alguns meses, esteve visitando a Electra, maior rede de varejo de eletroeletrônicos do México. Queria trocar idéias e fazer contatos. "O Ricardo é o cérebro e os braços da Arapu", diz o diretor Kashiwagi. "Hoje é ele quem está à frente da expansão da empresa."
Há três anos, Ricardo comandou uma das operações mais delicadas no processo de mudança da rede. Um a um, todos os 2 200 vendedores foram trocados por jovens de 18 a 25 anos, batizados de atendentes de loja. "Queríamos pessoas que pudessem trabalhar com o novo sistema, que pudessem tirar proveito da informatização", diz Kashiwagi. "Percebemos que os antigos vendedores eram muito resistentes às mudanças."
É, faz sentido. Mas havia um motivo ainda mais forte para que a medida fosse tomada. Como acontece na maioria dos varejistas, os vendedores da Arapuã ganhavam por comissão. Quanto mais vendiam, mais recebiam. "Sabíamos que o faturamento iria explodir com o Real", diz Kashiwagi. "Se os salários acompanhassem as vendas na mesma proporção, nossas margens seriam menores." Atualmente, os mais de 2 600 atendentes da empresa ganham um salário médio mensal de 700 reais. "A Arapuã derrubou um tabu do setor", diz o consultor Foganholo. "As empresas não mexem na comissão com medo de perder faturamento." Como a Arapuã evitou a síndrome do vendedor acomodado? Estabelecendo metas de vendas individuais. Cada vez que elas são atingidas, os vendedores ganham bônus. "Adotamos uma espécie de remuneração variável", diz Kashiwagi. Em 1994, a venda média mensal por funcionário foi de 37 000 dólares. No ano passado, ficou em 73 000 dólares.
A reviravolta na operação fez bem ao caixa e à imagem da Arapuã no mercado. Foi graças a ela que a empresa pôde abrir seu capital em outubro de 1995. O próximo passo pode ser a associação com uma grande rede internacional de varejo de eletroeletrônicos. Há alguns meses, circularam boatos dando conta de que a empresa estaria negociando com a americana Radio Shack. Controlada pelo grupo Tandy, a Radio Shack tentou entrar sozinha no Brasil com duas lojas. Não deu certo. "Não há nenhuma negociação acontecendo agora", diz Kashiwagi. "Mas não estamos com as portas fechadas."
Os acertos na operação são suficientes para explicar o bom desempenho da empresa? Bem, eles foram indispensáveis. Por erros de gestão, a Lojas Americanas foi do lucro ao prejuízo. Mas há um outro ponto em questão: o jogo financeiro. "A Arapuã é uma grande intermediária financeira", diz o analista de um banco de investimentos. No ano passado, a empresa foi ao mercado a fim de buscar recursos para financiar vendas de mais de 1,5 bilhão de reais. Tomou o dinheiro com uma taxa de juros média de 2% ao mês. E emprestou a seus clientes por 6%.
"Entre as empresas de varejo, a Arapuã é a que tem a melhor estrutura de concessão de crédito", diz Godinho, do HSBC James Capel. "Eles sabem como captar recursos e a quem emprestá-los." Trata-se de uma vantagem considerável. Atualmente, cerca de 75% das vendas da Arapuã são financiadas em até 36 meses. No ano passado, a Casas Bahia tentou fazer algo parecido. Mas teve de recuar quando, após uma onda de boatarias sobre a saúde da rede, alguns bancos cortaram as linhas de crédito. Os juros do crediário são hoje grandes aliados dos varejistas. Mas por quanto tempo ainda eles vão ficar nas alturas? "Daqui para a frente, a tendência é que ocorra um estreitamento nas margens", diz Ingold, da Andersen Consulting.
EM BUSCA DOS RICOS - Talvez por isso mesmo a Arapuã tenha retomado e acelerado sua expansão nos últimos meses. Em 1996, 36 novas lojas foram abertas. Este ano, outras 40 serão inauguradas. No final do ano passado, a empresa comprou a Zarty, uma pequena rede de seis lojas localizadas em shopping centers de São Paulo. Ao mesmo tempo, iniciou negociações para ficar com a então concordatária Casa Centro. A aquisição só não se concretizou porque a Arapuã se recusou a assumir a dívida de 300 milhões de dólares da família Cukier, dona da Casa Centro. Perdeu o negócio. E os Cukier foram à falência.
Com essas investidas, os Simeira Jacob não queriam apenas agregar pontos-de-venda e aumentar a escala de compras. A ordem é aumentar a rentabilidade das vendas. "A Zarty e a Casa Centro estão voltadas para as classes A e B", diz Caio Jacob. "São pessoas que podem pagar mais por um aparelho de som de última geração." Na prática, o que os controladores da Arapuã buscam é criar uma espécie de menu de varejo. Cada marca ficaria especializada no atendimento de um tipo de consumidor. Recentemente, as 42 lojas da Arapuã localizadas em shopping centers passaram por uma reformulação visual. A linha de produtos também foi incrementada. Há planos de criação de uma nova marca para batizar as unidades mais sofisticadas. "Continuamos de olho no futuro", diz Caio Jacob. "Não vamos parar por aqui."