Luciano Tavares: a Magnetis criou um software online de assessoria financeira (Leandro Fonseca/Exame)
Da Redação
Publicado em 30 de outubro de 2015 às 04h56.
São Paulo — Os serviços mais comuns dos bancos podem ser acessados por meio de celulares, tablets, computadores ou caixas eletrônicos, sem nenhum contato humano. Mas, quando o cliente se vê diante da dúvida de como investir seu dinheiro, o caminho tradicional ainda é procurar o conselho de uma pessoa em carne e osso.
As opções vão desde falar com o gerente da agência (que, obviamente, vai oferecer algum produto do banco) até contratar um assessor financeiro independente. Mas empresas de tecnologia no exterior começam a oferecer uma alternativa: sistemas de autoatendimento, pela internet, que buscam determinar qual é a opção de investimento mais adequada a cada tipo de cliente.
Lá fora, as startups ganharam o apelido de robo-advisors (“consultores-robôs”) e fazem parte de uma tendência de automação crescente no setor de serviços. Essas empresas têm atraído principalmente pequenos investidores de 25 a 35 anos que buscam facilidade para gerenciar seu patrimônio financeiro. Existem pelo menos 23 startups nessa área, a maior parte nos Estados Unidos e na Europa.
A pioneira é a americana Betterment, criada por dois sócios que tinham trabalhado no mercado financeiro. A empresa começou a operar em 2010. Hoje, tem 115 000 clientes e gerencia 2,8 bilhões de dólares. A principal concorrente é a também americana Wealthfront, que surgiu no fim de 2011 e possui 2,7 bilhões de ativos sob gestão e 41 000 clientes.
O serviço oferecido pelas startups é totalmente automatizado. O cliente responde a algumas perguntas que ajudam a traçar seu perfil de risco e objetivo financeiro (guardar dinheiro para a aposentadoria, pagar a faculdade dos filhos e assim por diante). Com os dados, o algoritmo sugere os investimentos mais adequados.
Em geral, a carteira é bastante simples: divide-se entre fundos de renda fixa e ETFs (fundos de ações que seguem o desempenho de índices de mercado). Para concorrer com as companhias tradicionais e atrair o investidor que deixa o dinheiro no banco, as startups cobram taxas de administração geralmente mais baixas, que variam de 0,15% a 0,5% por ano (as assessorias tradicionais costumam cobrar de 0,5% a 1% por ano).
Além disso, as startups têm investimentos iniciais reduzidos. No caso da Betterment, o valor inicial é livre. Não existem dados para comparar se os algoritmos trazem resultados melhores ou piores do que uma assessoria olho no olho — o que coloca uma grande interrogação sobre o serviço —, mas a facilidade tem atraído clientes.
Em 12 meses, o valor gerenciado pelas 11 maiores startups cresceu 34%, somando 21 bilhões de dólares, de acordo com a consultoria americana Corporate Insight, especializada no setor financeiro.
O número ainda é insignificante se comparado ao total de 25 trilhões de dólares aplicados no mercado financeiro americano, mas um relatório do banco Citi, publicado em julho, estima que o valor pode atingir 3,4 trilhões de dólares em dez anos. O movimento não se restringe a startups. Grandes grupos financeiros já abraçaram essa tecnologia.
Em agosto, a maior gestora de fundos do mundo, a americana BlackRock, comprou a FutureAdvisor, outro “consultor-robô” dos Estados Unidos. E as gestoras tradicionais Vanguard e Charles Schwab lançaram os próprios serviços automatizados há menos de um ano.
No Brasil, a mudança ainda é tímida. A primeira startup do setor é a Magnetis, de São Paulo, criada pelo administrador Luciano Tavares, que foi sócio da gestora Nest Investimentos durante dez anos. A empresa começou a operar em março e recebeu um investimento de 3 milhões de reais dos fundos brasileiros Monashees e Redpoint e.Ventures e do americano 500Startups.
A Magnetis não divulga a quantidade de recursos gerenciada nem a de consumidores. “Os clientes de startups como a nossa costumam ser profissionais que acumularam patrimônio mas não têm tempo para investir no mercado financeiro”, diz Tavares. Apesar do interesse sobre os “consultores-robôs”, o modelo carrega dúvidas.
O relatório do Citi aponta uma série de pontos negativos: a concorrência com empresas estabelecidas; a possibilidade de os ETFs apresentarem desempenho pior do que os fundos de ações com metas superiores; e a barreira para ganhar a confiança de clientes acima de 50 anos, que, em geral, são os maiores investidores.
Além disso, como surgiram no começo da década, as startups ainda não passaram por uma crise financeira e não se sabe a efetividade dos sistemas nesse cenário.
“Temos de ver como esse segmento se comporta em uma desaceleração global”, diz Rajesh Kandaswamy, diretor de pesquisa no setor financeiro da consultoria americana Gartner. O passado mostra que nem o melhor modelo matemático é capaz de prever uma grande crise.