Revista Exame

Como as empresas campeãs investem na formação de pessoas

Conheça as práticas mais valiosas para desenvolver pessoas nas empresas em momentos de instabilidade


	Marta e Ronaldo Art, da J&J: reuniões a ajudaram a ser promovida em menos de dois anos
 (Leandro Fonseca/Exame)

Marta e Ronaldo Art, da J&J: reuniões a ajudaram a ser promovida em menos de dois anos (Leandro Fonseca/Exame)

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Da Redação

Publicado em 31 de março de 2016 às 09h50.

São Paulo — Veja as lições das empresas que brilham na formação de pessoas e conheça suas práticas mais valiosas em momentos de instabilidade:

1- Deixar a avaliação menos burocrática e mais frequente 

Por quê? As pessoas gastam menos tempo com papéis e podem se dedicar ao que importa algumas das empresas mais bem-sucedidas na formação de liderança têm levado a busca pela produtividade em processos de recursos humanos às últimas consequências.

A ruptura mais radical aconteceu em meados do ano passado, quando a multinacional GE anunciou que abandonaria as avaliações de desempenho, as quais ajudou a celebrizar mundo afora há quase 50 anos. Consideradas burocráticas e lentas, elas eram baseadas em longos questionários e aconteciam, por definição, uma vez ao ano.

Questionários engessados deram lugar a uma rede social interna, em que todos podem fazer livremente comentários a respeito de qualquer colega, chefe ou subordinado. Atualmente, 40% de seus mais de 13 000 funcionários no Brasil já seguem o modelo. Até o fim deste ano, todos farão o mesmo.

“Ainda estamos descobrindo o que vai funcionar ou não”, afirma Ana Lúcia Caltabiano, diretora de RH da GE para América Latina. Em julho passado, o presidente mundial da consultoria Accenture, o francês Pierre Nanterme, declarou que em setembro ele deixaria para trás a reunião anual de avaliação.

Deu adeus também à curva forçada, que colocava todos os 373 000 funcionários no mundo em três grupos: os 30% melhores, os 65% considerados intermediários e os 5% piores — um mecanismo que outras empresas listadas entre as melhores, como GE, Ambev e Dow, já abandonaram há muito tempo.

“O tempo que gastávamos preenchendo papel e fazendo a curva forçada era absurdo e incompatível com o benefício que proporcionava”, diz o carioca Leonardo Framil, que está na Accenture há mais de 20 anos e se tornou presidente da consultoria para a América Latina no fim de janeiro. A consultoria americana de recursos humanos CEB tem números que dimensionam a trabalheira a que Framil se refere.

Sua estimativa é que um gerente de uma empresa de 10 000 funcionários gaste, em média, 200 horas por ano em atividades relacionadas às avaliações de desempenho. Somados os custos das tecnologias usadas na gestão das informações, o cálculo é que todo esse processo pode custar a uma companhia desse porte algo como 35 milhões de dólares ao ano.

“Daqui para a frente, vamos nos concentrar no que é realmente importante, sobretudo num momento de crise: dialogar com os profissionais”, afirma Framil. Outras empresas, menos dispostas a mudanças drásticas nessa área, também têm se esforçado em desburocratizar a avaliação. Há dois anos, a cervejaria Ambev cortou pela metade o questionário de avaliação dos executivos.

Na multinacional Johnson & Johnson, a lógica do diálogo constante está expressa numa política que vale há cerca de uma década: todos os funcionários, independentemente do nível hierárquico, devem ter no mínimo cinco reuniões por ano para discutir com o chefe direto seu desempenho e o desenvolvimento da carreira.

A publicitária Marta Wermelinger, de 32 anos, entrou na divisão de produtos de consumo da J&J há quase dois anos como gerente de marketing. Desde o início, ela manifestou ao chefe, o gerente de mercado de marketing Ronaldo Art, de 36 anos, o desejo de ser promovida a gerente sênior e de integrar a área do marketing global, responsável por novos produtos.

Em diversas conversas — bem mais de cinco por ano —, Art discutiu o cumprimento das metas e o caminho que ela deveria trilhar. Para aprimorar suas habilidades na área de finanças, Art a escalou para comandar o lançamento de um produto e a inscreveu num curso interno.

Neste ano, Marta chegou lá: foi promovida a gerente sênior de produto global para a marca de absorventes Sempre Livre. “As cinco conversas servem de ponto de partida para estimular uma cultura em que a carreira é discutida abertamente”, diz Duda Kertész, presidente da divisão de consumo da J&J.

2- Saber em quem investir 

Por quê? Em tempos de recursos escassos, é preciso garantir que o investimento vai chegar aos melhores um aspecto fundamental para a eficiência de qualquer programa de formação de líderes: investir nos melhores para não correr o risco de desperdiçar tempo e dinheiro. Para isso, o primeiro passo é saber identificá-los.

Uma das tendências mais interessantes nessa seara tem sido a criação de novas maneiras de seleção para programas de trainee, a principal porta de entrada para a formação de executivos das melhores empresas, e que pode chegar a custar mais de 200 000 reais por participante. No caso da Ambev, os egressos do programa de trainee ocupam impressionantes 100% dos dez cargos de vice-presidente.

Para aumentar as chances de recrutar as pessoas certas, os executivos da empresa criaram recentemente uma nova via de acesso ao programa. Um terço dos participantes hoje vem de um novo programa de estágio, batizado de Next.

Nele, durante dois anos, os universitários são responsáveis por decidir boa parte de suas atividades — como o projeto a que vão se dedicar e a frequência dos encontros com os principais executivos mentores da turma, que tem 16 integrantes em sua edição atual.

“Assim é possível identificar rapidamente se o profissional tem espírito de dono ou não, uma das caracterís­ticas que mais valorizamos na Ambev”, diz Fábio Kapitanovas, vice-presi­dente de gente e gestão da Ambev.

Há dois anos, a empresa contratou um profissional exclusivamente dedicado a ser uma espécie de olheiro nas universidades para recrutar candidatos ao programa de estágio, que está em sua terceira edição, em vez de apenas aguardar inscrições.

No caso da empresa de energia EDP, quem sai do período de estágio já pleiteia iniciar uma carreira executiva na companhia — cerca de 40% dos executivos vieram desse programa. Para testar o jovem em diversas situações antes da contratação, o programa foi adaptado ao longo do tempo — hoje dura dois anos.

“Cada participante fica responsável por um projeto e tem de apresentá-lo aos principais executivos na conclusão do programa”, diz Vanderlei Ferreira, diretor de gestão de pessoas da EDP. Outras empresas têm fortalecido seus programas de estágio como algo estratégico.

Segundo a consultoria Cia de Talentos, em 2015 houve aumento de 22% no volume de vagas desse tipo de programa no país. “É um jeito de recrutar jovens que já conhecem a cultura da organização e estão engajados”, diz Maira Habimorad, presidente da Cia de Talentos.

3- “Emprestar” executivos para outros times 

Por quê? Para aumentar a produtividade e acelerar a formação da equipe No grupo das melhores formadoras de líderes, 89% oferecem aos funcionários a oportunidade de participar de projetos em áreas diferentes das que já trabalham. Apenas 40% das demais fazem o mesmo. Na multinacional GE, uma prática tradicional ganhou função extra na crise.

De tempos em tempos, os profissionais de todas as áreas podem se candidatar ao que se chama internamente de bubble assignment — ou missão temporária. São experiências que duram de um a seis meses e permitem que profissionais trabalhem por um tempo em outra área ou no mesmo departamento em outro país. Funciona como uma imersão com o objetivo de acelerar o aprendizado dos profissionais.

Nesse momento, vale como incentivo adicional para profissionais que trabalham em áreas que estão desaquecidas, como a de óleo e gás. É o caso da carioca Rina Cunha, gerente da área de óleo e gás que acaba de concluir sua imersão na subsidiária russa. “Foi importante para adquirir uma visão global da área em que trabalho”, diz Rina. 

Outras empresas começaram a oferecer esse tipo de experiência mais recentemente para seus executivos. Uma delas é a Unilever. Até julho de 2014, a executiva paulista Ana Paula Guelli, de 42 anos, trabalhava como diretora de marketing para a categoria de produtos de uso doméstico como o Omo.

Foi quando a direção da companhia fez a ela o convite para acumular, por seis meses, a posição de diretora regional de marketing para a marca Brilhante no lugar de outra profissional que acabara de entrar em licença-maternidade. Até então esse tipo de situação seria resolvido com a redistribuição do trabalho da funcionária ausente entre os membros de sua equipe ou executivos que já conhecessem bem o negócio.

Ana Paula não estava familiarizada com o trabalho da colega, mas aceitou a proposta.

E a Unilever inaugurou com ela uma política diferente, que vinha sendo pensada pela liderança da companhia como uma arma para enfrentar a crise que já se desenhava no país: escalar profissionais que já executam seu trabalho com relativa facilidade para desenvolver novas habilidades ao acumular por um período determinado uma posição numa seara diferente.

Na sua função original, Ana Paula implementava campanhas de marketing para produtos com base em estratégias que recebia prontas. Durante os seis meses que agregou seu trabalho ao da colega, ela teve de elaborar, do zero, na companhia de profissionais da empresa no exterior, uma estratégia de marketing para o detergente em pó Brilhante.

“Num momento de crise as palavras de ordem não são eficiência e produtividade?”, diz Eduardo Reis, vice-presidente de recursos humanos da Unilever. “Estamos levando isso ao pé da letra também na gestão das pessoas e ainda dando a alguns de nossos profissionais uma chance de se desenvolverem mais rapidamente.” No caso de Ana Paula, a premissa de Reis se provou verdadeira.

Impulsionada por seu bom desempenho na função temporária, no início de dezembro a executiva foi promovida a líder de alimentos e bebidas da Unilever no Brasil e passou a responder ao argentino Fernando Fernandez, presidente da operação brasileira. A nova política, batizada de “alocação dinâmica de recursos”, também foi testada com uma coordenadora e um gerente da categoria de produtos domésticos.

E, segundo Reis, mostrou-se tão bem-sucedida que a Unilever planeja agora adotá-la em outras áreas da companhia. Na Ambev, os executivos têm uma prática diferente com um propósito parecido. Eles falam da importância de tirar os profissionais da zona de conforto. Na matemática da empresa, o número ideal de permanência num mesmo cargo gira em torno de três anos.

O atual­ presidente, Bernardo Paiva, tem 25 anos de carreira na Ambev e já passou por 13 cargos na companhia — numa média de menos de dois anos de permanência em cada um. “Não existe uma regra, mas entendemos que é importante aprender coisas novas o tempo todo e para isso é preciso mudar”, afirma Paiva, que até pouco mais de um ano atrás era diretor global de vendas da AB InBev, nos Estados Unidos.

4- Transformar executivos em professores 

Por quê? É um jeito eficiente (e pouco dispendioso) de formar profissionais mais jovens para colocar de pé um programa inédito de formação de jovens lideranças, iniciado em setembro e a ser concluído em maio, a empresa química Dow não precisou desembolsar nenhum centavo. Isso porque toda a carga de treinamentos formal está sendo ministrada por profissionais da própria companhia.

As aulas abrangem de técnicas para tornar reuniões mais eficientes a outras de cunho mais subjetivo, como aprender a lidar com a diversidade e a inclusão no ambiente de trabalho. Na unidade carioca da tradicional universidade corporativa da GE, a Crotonville Rio, inaugurada há cerca de dois anos, 24 dos 30 professores são executivos da empresa.

A fórmula também é usada na universidade corporativa da Ambev, que tem metade do quadro de professores composta de gerentes e diretores que passaram por treinamentos para dar aulas. Mas não é só para os cursos internos que as empresas que se destacaram na pesquisa da FIA usam e abusam da prata da casa.

Todas elas promovem, sistematicamente, programas de mentoria — prática que tem o objetivo de acelerar o desenvolvimento dos mais novos ao fazê-los se relacionar e buscar aconselhamento com profissionais mais vividos da empresa. No caso da siderúrgica Gerdau, a prática ganhou força nos últimos dois anos, quando ocorreu a queda nas vendas de aço no país.

A empresa precisou tirar o pé dos investimentos em programas caros, como o de MBAs internacionais. Hoje, 40 diretores e vice-presidentes da siderúrgica, por recomendação da área de RH, dedicam cerca de 30% do tempo na empresa a orientar algum funcionário menos graduado.

É o caso do engenheiro Gustavo Werneck, diretor de tecnologia da informação, que tem como mentor André Gerdau, presidente da companhia. A exemplo do que mostra a Gerdau, é sobretudo nas crises que os programas de mentoria se tornam ainda mais cruciais.

“Os riscos de errar aumentam muito e é preciso que os profissionais tenham com quem dividir os problemas sem medo”, diz Leonardo Framil, presidente da consultoria Accenture.

Ele também tem um mentor — o italiano Gianfranco Casati, líder global da Accenture para mercados emergentes — e, ao mesmo tempo, orienta 15 executivos da empresa. Ainda que por meio de um telefonema, Framil mantém contato com pelo menos um deles todos os dias.

5- Fazer projeções de longo prazo para a carreira

Por quê? Ajuda a manter a motivação e o foco no futuro todas as melhores empresas identificadas pela pesquisa da FIA se esmeram em ter planos de sucessão muito bem estruturados para seus funcionários. Isso porque o alto escalão dessas companhias sabe que dar a eles uma perspectiva sólida de futuro gera comprometimento com os resultados no presente.

Na média do levantamento, porém, apenas seis em cada dez companhias revelaram dar a devida atenção ao tema. Na siderúrgica Aperam, para cada cargo de liderança, três sucessores são listados. Eles são identificados pelo próprio executivo que ocupa o posto após as avaliações de desempenho.

Os nomes desses profissionais são então analisados por um comitê de carreira, criado em 2000 e composto de toda a diretoria executiva da Aperam. Se aprovados, eles são informados da situação e encaminhados para fazer treinamentos internos e MBAs, liderar projetos especiais e substituir colegas em funções de nível hierárquico superior durante períodos de férias ou licenças.

“Temos um contingente grande de executivos com mais de 30 anos de casa em via de se aposentar”, diz Frederico Ayres Lima, presidente da Aperam para a América do Sul. “Não podemos correr o risco de não ter líderes absolutamente prontos para ocupar essas posições.” Na Johnson & Johnson, o cenário não é diferente.

Para cada cargo há funcionários aptos a assumir o posto imediatamente, num prazo de um a três anos, de três a cinco anos e em mais de cinco anos. E eles são informados disso.

É fato que uma crise pode atrasar essa troca das cadeiras, mas ainda assim é um alento saber que uma almejada promoção está planejada para sair em algum momento se o bom desempenho prevalecer — mesmo que o contexto externo faça com que ela demore mais para chegar. 

Na Dow, mais do que zelar pelo mapeamento dos sucessores, a alta liderança tem se esforçado para fazer com que os funcionários usem menos o termo feedback no dia a dia do trabalho e adotem outro, também em inglês: o chamado feedforward.

Na prática, isso significa estimular chefes e subordinados a falar menos sobre o passado nas conversas de avaliação de desempenho e mais sobre o futuro — da própria carreira e da empresa. Dessa maneira, torna-se natural discutir os próximos passos da trajetória profissional e como chegar lá.

Não se trata de uma tarefa fácil num momento econômico como o atual, em que as más notícias tendem a deixar nebuloso qualquer horizonte mais distante. “Mas gostamos de reforçar a ideia de que as crises são passageiras e que pensar só no curto prazo é desastroso”, afirma Fabian Gil, presidente da Dow para a América Latina.

6- Deixar a hierarquia menos rígida 

Por quê? Agiliza as decisões e o desenvolvimento dos funcionários no esforço de deixar a hierarquia menos rígida, algumas das melhores empresas começam a simplesmente fazer com que executivos menos graduados “pulem” um ou mais níveis de reporte. É o que vem acontecendo em diversas áreas da GE no mundo e no Brasil.

A transformação mudou a lógica hierárquica de algumas áreas e começa a afetar a vida de jovens como o paulista Ciro Yamada, de 32 anos. Até meados de 2015, o profissional era subordinado ao diretor de desenvolvimento comercial para o Brasil.

Com a redução de camadas no time, mesmo sem uma promoção, Yamada passou a se reportar diretamente à diretora de desenvolvimento comercial da GE para a América Latina, a dinamarquesa naturalizada brasileira Viveka Kaitila, que estava três posições acima da sua.

“Desse jeito, os problemas da operação chegam mais rapidamente aos níveis mais altos da organização e as decisões estratégicas também chegam com mais velocidade à base”, afirma Ana Lúcia Caltabiano, diretora de RH da GE.

Yamada também é um dos 30 jovens escolhidos pela companhia no mundo para se encontrar uma vez a cada trimestre com o presidente global da GE, o americano Jeffrey Immelt, na lendária universidade da companhia em Crotonville, nas proximidades da cidade de Nova York. O objetivo do grupo é discutir negócios sob a perspectiva das novas gerações.

Para Immelt, essa rotina funciona como uma espécie de mentoria reversa. Para os mais jovens, representa a chance de ouvir diretamente o executivo número 1 da companhia, algo impensável décadas atrás. No jargão interno da GE, a tendência de achatar a hierarquia vem sendo chamada de “liderança horizontal”.

Na Unilever, atualmente dez profissionais também passaram a responder a executivos de níveis superiores ao que o organograma oficial da empresa determina. Um deles é o espanhol Andres Sanchez Vicens, de 30 anos, um gerente de gestão de negócios que tem como função coordenar e padronizar as iniciativas que envolvem mais de uma área ou categoria de produto na companhia.

Ele chegou ao Brasil em meados do ano passado e, desde novembro, responde a Fernandez, presidente da Unilever no Brasil. Até então Vicens, que estava baseado na Suíça, tinha como superior um diretor de estratégia e de operações da Unilever no Reino Unido.

“Com a mudança, ganhei uma visão privilegiada de todos os negócios da companhia e visibilidade aos olhos dos funcionários de diferentes níveis hierárquicos”, afirma Vicens. Do ponto de vista da empresa, o salto de gerentes como ele traz um benefício adicional. “Nós nos tornamos mais ágeis quando damos autonomia às pessoas”, afirma Eduar­do Reis, vice-presidente de recursos humanos da Unilever.

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