São Paulo no início de abril: o coronavírus reaqueceu debates em banho-maria, como a renda mínima, e deve acelerar um capitalismo mais colaborativo (Eduardo Frazão / 06/04/2020/Exame)
Da Redação
Publicado em 9 de abril de 2020 às 05h00.
Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 14h54.
Em uma das tantas lives que tomaram conta das redes sociais nas últimas semanas, o ex-presidente uruguaio José Mujica refletiu sobre o que a pandemia da covid-19 revela da organização econômica e política vigente. “O capitalismo é a afirmação do indivíduo, e não da sociedade”, disse. Mujica, como se sabe, é um crítico ferrenho (e exagerado) do capitalismo há décadas.
Mas a pandemia do coronavírus escancarou as falhas de um modo de organização social que produz riqueza e desenvolvimento, mas não tem incentivado a cooperação. Ao mesmo tempo que grandes companhias chegaram a valores de mercado trilionários nos últimos anos, a economia global já dava mostras de caminhar para mais uma crise. O crescimento das barreiras comerciais, os debates sobre a taxação de grandes fortunas e sobre os dividendos em níveis históricos eram sinais de que uma revisão se fazia necessária. No início do ano, o fórum econômico de Davos se debruçou sobre a necessidade premente de grandes empresas elegerem a sustentabilidade e o impacto social como foco principal de seus negócios. Não era, claro, uma negação do capitalismo, mas um chamamento à sua transformação.
A pandemia do coronavírus, como mostra esta edição da EXAME, acelera esse passo e obriga empresas a assumir a linha de frente das mudanças sociais. Ao mesmo tempo que devem sobreviver à travessia, as empresas vêm sendo cobradas a doar a hospitais e instituições de saúde, a assinar pactos pela não demissão de funcionários, a se engajar em cadeias de produção de insumos que atenuem os efeitos da crise. Como diz Luiza Helena Trajano, presidente do conselho de administração da varejista Magazine Luiza, para muitas companhias a pandemia é a oportunidade de evoluir 20 anos em 20 dias. Para empresas como a fintech Nubank, os últimos dias são uma chance de reafirmar práticas modernas de gestão de equipe e de fornecedores. Para os governos, o coronavírus reaqueceu debates em banho-maria, como o da renda mínima adotada nos últimos dias por países como o Brasil e o da importância de reforçar os sistemas públicos de saúde.
Para a sociedade, a pandemia levará à criação de um novo normal, como aponta o publicitário Nizan Guanaes em reportagem na página 69. “A economia pode se recuperar em um ano ou dois, mas as mudanças de comportamento e de consumo serão duradouras”, diz Nizan. Além dele, a EXAME ouviu outros 21 especialistas para apontar como será o futuro das relações pessoais, da comida, das empresas, da globalização. Em outra reportagem mais sombria, na página 52, mostramos como o monitoramento social para brecar o avanço do coronavírus antecipa um futuro de vigilância que pode colocar em xeque as liberdades individuais. As últimas semanas, e as duras semanas ou meses por vir, marcarão mudanças profundas no capitalismo — que deve, sim, ficar mais colaborativo. Seria uma boa notícia após o caos.