Fiscalização em Rondônia: exploração ilegal de madeira na Floresta Nacional do Jamari (Henrique Donadio/Exame)
Renata Vieira
Publicado em 29 de junho de 2017 às 05h50.
Última atualização em 29 de junho de 2017 às 15h25.
Rondônia e Amazonas — Escondidos no meio da floresta amazônica, nove agentes de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) aguardam o momento certo para uma emboscada. É noite, e quem garante a segurança do grupo na escuridão da mata são dez policiais que levam a tiracolo fuzis do tipo 762. O objetivo é pegar em flagrante pessoas que exploram ilegalmente a madeira da região. Ainda sob a luz do dia, as provas do crime já haviam sido encontradas: um caminhão carregado de madeira de lei e um trator deixados às pressas para trás quando os criminosos perceberam a presença dos fiscais federais — que chegaram de helicóptero à área de difícil acesso por terra.
Depois de o grupo caminhar sem sucesso por mais de 4 horas na floresta à procura desses madeireiros, a estratégia foi esperar que a carga do caminhão — cinco toras de angelim, árvore utilizada na confecção de móveis e na construção civil — motivasse a volta dos infratores durante a noite. O raciocínio foi certeiro. Na madrugada do dia 29 de abril, três homens tentaram mover o caminhão de um atoleiro no meio da floresta.
O ronco do motor foi o sinal para os fiscais, acampados a 2 quilômetros dali, correrem até o local. A perseguição, porém, durou pouco. A bordo de uma moto e a pé, os madeireiros conseguiram novamente fugir. Antes, porém, sabotaram o caminhão e o trator para impedir sua retirada do local. Alguns dos fiscais tentaram durante horas ligar os veículos, mas não houve jeito. Diante dessa situação, os agentes do Ibama viram-se obrigados a seguir um ritual: em clima de catarse coletiva, incendiaram o caminhão e o trator para impedir a ação — pelo menos por um período — das quadrilhas de extração ilegal de madeira que vêm atuando em regiões virgens da Amazônia. As toras também viraram cinzas.
O episódio, acompanhado por EXAME durante uma operação de fiscalização, ocorreu na Floresta Nacional do Jamari, uma área no norte do estado de Rondônia cujos 220.000 hectares deveriam estar intocados ou sendo explorados de maneira sustentável. Explica-se: nessa mesma floresta fica a operação da empresa brasileira Amata. Ela ganhou do governo, em 2008, o direito de, numa área de 46.000 hectares, explorar a madeira seguindo à risca regras para quantidade e idade das árvores que podem ser derrubadas, de modo a favorecer a regeneração da floresta e sua perpetuidade.
Mas fazer valer o binômio exploração-conservação não está fácil. Isso porque, entre outras razões, a área da Floresta Jamari sob concessão da Amata também está sendo alvo de ataques dos madeireiros ilegais. “Como não temos poder de polícia, relatamos os roubos aos órgãos competentes e esperamos que façam algo”, diz Patrick Reydams, gerente de operações da Amata em Rondônia.
O Ibama está tentando controlar a situação, mas a tarefa tem se provado inglória. A Floresta Jamari não é um caso isolado. Hoje, 12% do desmatamento registrado na Amazônia ocorrem em áreas protegidas — fatia que dobrou desde 2008. Na terra indígena dos caxararis, às margens da BR-364, também em Rondônia, as clareiras de devastação em meio à mata fechada impressionam. Em pouco mais de 4 horas de uma difícil incursão em meio à lama deixada pela chuva do dia anterior, as equipes do Ibama apreenderam e queimaram um trator e dois caminhões carregados de madeira da área. “As árvores de valor comercial do entorno estão praticamente extintas. É aí que as áreas protegidas se tornam alvo”, afirma o coordenador da operação acompanhada por EXAME, cujo nome foi omitido na reportagem para sua proteção. Vítimas de ameaças frequentes, os fiscais envolvidos nessas operações tentam preservar a própria identidade.
Os últimos dados do Prodes, sistema do governo que monitora com satélites o desmatamento da Amazônia, mostram que o ritmo de destruição da floresta cresceu cerca de 30% de agosto de 2015 a julho de 2016. Foram quase 8.000 quilômetros quadrados eliminados em um ano — algo como derrubar 128 campos de futebol de floresta por hora, ou uma área equivalente à região metropolitana de São Paulo nesse período. É a maior extensão desmatada desde 2008 na Amazônia Legal. Boa parte do avanço concentrou-se nos estados de Pará, Mato Grosso, Rondônia e Amazonas.
Trata-se de um retrocesso histórico. Em 2004, o Brasil perdeu quase 28 000 quilômetros quadrados de floresta — uma área equivalente à do estado de Alagoas. Dali em diante, até 2014, o ritmo de desmatamento caiu 80%. Em 2015, os satélites voltaram a registrar alta — naquele ano, de 24%. Não foi algo episódico. Em 2016, o incremento de 29% tornou a curva de destruição ascendente. “Tivemos uma redução extraordinária de desmatamento na última década. Mas não podemos mais dizer que o desmatamento da região esteja sob controle”, afirma Adalberto Veríssimo, cofundador e pesquisador sênior do Imazon, instituto de pesquisas sobre a Amazônia.
A região já perdeu quase 20% da cobertura original — o que equivale à superfície de uma França e meia. Estudos apontam que mudanças profundas nos ciclos naturais do bioma, como variação de temperatura e a consequente ameaça à vida animal, podem ocorrer com a perda de 20% a 30% de floresta. Não falta muito para chegarmos lá.
A equação por trás dessa retomada não é simples. Para entender o problema, a reportagem de EXAME percorreu 1 418 quilômetros na floresta durante dez dias. E questionou mais de 40 especialistas no tema, entre empresários, políticos, acadêmicos e representantes de ONGs. Um fator preponderante desponta: o enfraquecimento das políticas públicas de comando e controle. Em outras palavras, faltou fiscalização e intimidação ao crime.
O Ibama perdeu 30% do orçamento de 2015 para 2016 e, desde então, vem fazendo malabarismos para diminuir o impacto desse aperto nas operações de campo. “Uma motosserra é capaz de desmatar quase 3 hectares de floresta por dia. Imagine o estrago que grupos inteiros de madeireiros ilegais conseguem fazer ao menor sinal de ausência de fiscalização”, afirma Luciano Evaristo, diretor de proteção ambiental do Ibama.
Em setembro do ano passado não houve um agente sequer em campo. Uma saída encontrada para contornar a situação foi apelar, em novembro, para os recursos do Fundo Amazônia. Administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o fundo capta dinheiro para projetos como pesquisa em universidades e planejamento de assentamentos sustentáveis. Mas acabou tendo de ajudar o Ibama a bancar, até o final deste ano, com 56 milhões de reais, algo básico: o aluguel de carros e helicópteros que monitoram a região.
No dia 22 de junho, uma decisão colocou em xeque a perenidade desses recursos. A Noruega, que já fez aportes no valor de 2,8 bilhões de reais no fundo, anunciou que vai cortar pela metade o montante repassado ao Brasil neste ano. Cerca de 200 milhões de reais foram suspensos. A razão: a incapacidade, pelo menos até agora, de o país conter o desmatamento. Hoje, 960 fiscais estão em campo no país, 351 a menos em relação a 2010. O Ibama pediu ao Ministério do Planejamento a criação de 1 500 vagas. Desde 2012, não há novos concursos para a autarquia.
A fiscalização também compete aos estados. Nesse caso, a situação — agravada pela crise — não é melhor. De acordo com a Associação Brasileira de Entidades Estaduais do Meio Ambiente, as secretarias perderam, em média, um terço do orçamento em 2016. Em paralelo, a dinâmica do desmatamento tem se sofisticado. Para enganar os satélites, as quadrilhas preservam as árvores de copas mais altas enquanto derrubam outras espécies. Elas também desmatam pequenos polígonos, e não grandes áreas de uma vez só. É o chamado desmatamento multiponto.
As quadrilhas passaram a desmatar também durante o período chuvoso, quando a dificuldade de se deslocar na floresta é compensada pelas nuvens que prejudicam a detecção pelos satélites. As artimanhas passam até mesmo por contratar profissionais de geoprocessamento. Eles não só monitoram as queimadas para estabelecer pastos após a extração da madeira como também criam registros falsos de áreas invadidas para lhes conferir legalidade.
Um esquema desse tipo foi desmantelado no ano passado pela Operação Rios Voadores, que uniu Ibama, Ministério Público Federal, Polícia Federal e Receita Federal. Na operação, o empresário paulista Antônio Junqueira Vilela Filho e outras 24 pessoas foram denunciados, acusados de movimentar quase 2 bilhões de reais entre 2012 e 2015 com desmatamento ilegal e grilagem de terras públicas para criação de gado no Pará.
Quase 25% do desmatamento da Amazônia ocorre hoje em terras públicas, como as atacadas por Vilela. Nessas áreas, a velocidade de destruição é 60 vezes maior do que a que ocorre dentro de áreas protegidas. Isso porque, apesar de públicas, elas não têm uso definido. Não foram repassadas a produtores nem demarcadas como unidades de conservação ou terras indígenas. Também não são áreas militares nem de pesquisa. Em português claro, são terras de ninguém. Somam cerca de 80 milhões de hectares à mercê de grilagem, ocupações ilegais, degradação ambiental e sangrentos conflitos. É uma extensão equivalente a 20 vezes o estado do Rio de Janeiro — e representa 17% de toda a Amazônia. “Depois de anos de avanços, é um escárnio o que estão fazendo hoje com a Amazônia”, afirma Tasso Azevedo, um dos mais respeitados ambientalistas do país.
A fragilidade da fiscalização, somada à sensação de que é possível driblar as regras, só aumenta os incentivos econômicos para o desmatamento. “A vantagem que alguém tem ao desmatar uma área proibida compensa o risco de sanção”, afirma Jair Schmitt, ex-coordenador-geral de fiscalização do Ibama e há dois meses diretor de políticas de combate ao desmatamento do Ministério do Meio Ambiente. Apenas 30% das multas aplicadas pelo Ibama são, de fato, pagas. Boa parte dos infratores conta com a morosidade da Justiça para escapar do prejuízo. E, em muitos casos, mantêm a posse de bens apreendidos em operação, como motosserras, enquanto corre o processo penal.
Aparentemente vantajosa para quem desmata, essa lógica não favorece a economia local. Ao contrário. Um levantamento feito por instituições dedicadas a estudar a Amazônia, como o Ipam e o Imazon, revela que o PIB agropecuário da região cresce em proporção inversa ao ritmo do desmatamento. Nos anos de 2004 e 2005, quando a taxa de desflorestamento passou dos 27 000 quilômetros quadrados anuais, a riqueza gerada pela agricultura e pela pecuária na região alcançou cerca de 25 bilhões de reais. Já entre 2012 e 2013, quando a área desmatada havia caído vertiginosamente para pouco mais de 4 000 quilômetros quadrados anuais, a produção rural gerou 50 bilhões de reais.
Hoje, os dez municípios campeões do desmatamento — a maioria no Pará, no Amazonas e em Rondônia — estão entre os mais pobres da Amazônia e do Brasil, na rabeira do ranking do desenvolvimento humano das cidades do país. Dados mostram que 60% do desmatamento vira pasto, mas a ocupação dessas terras segue majoritariamente a lógica do esgotamento: uma quantidade pequena de bois para uma ampla extensão de pastagens que, sem manejo, alcançam avançados estágios de degradação em menos de uma década. O resultado: baixa produtividade e um apetite ainda maior pelo desmatamento de novas áreas.
Além disso, a atenção internacional dada a temas relacionados ao desmatamento ilegal elevou o risco de reputação de grandes produtores, principalmente os de carne e soja. “Em pouco tempo, o Brasil será o maior produtor agrícola mundial. Não podemos abrir mão disso jogando pelo ralo a credibilidade de nossos produtos”, diz José Penido, membro da Coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura e presidente do conselho de administração da fabricante de celulose Fibria.
Muitos estudos demonstram a interdependência entre o agronegócio e a floresta. Num dos mais recentes, o professor Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, mostrou que o desmatamento altera o ciclo das chuvas na Amazônia. A análise de Artaxo baseia-se nas mudanças climáticas registradas no estado de Rondônia, que nos últimos 30 anos perdeu quase metade de sua cobertura florestal.
Os dados revelam que a transformação da mata em pastagem faz com que chova menos na superfície desmatada e mais na região de floresta ao lado da área desmatada. No sudeste do estado, a estação seca já se mostrou cerca de 30% mais seca do que a média. No noroeste do estado, o nível de precipitação é 30% maior e não se trata de um problema exclusivamente regional. “Há consenso na comunidade científica de que a Floresta Amazônica tem papel determinante no regime de chuvas no centro-sul do país”, diz Artaxo.
Na contramão dessa espiral negativa, há saídas para manter a floresta em pé. A reportagem de EXAME viu de perto que as mais bem-sucedidas são justamente as que colaboram para a geração de renda local e, potencialmente, criam uma nova economia em torno da preservação da floresta. Para ganhar escala, essas experiências ainda esbarram em obstáculos. Um deles é a herança histórica da pecuária extensiva, há décadas o modo de produção predominante.
Ainda assim, um esforço empreendido em grande parte por ONGs em consórcio com pequenos produtores da região mostra que é possível reverter essa realidade. Com mais bois em menos espaço, pode-se reduzir a derrubada da mata, além de elevar a produtividade. A técnica consiste em dividir o pasto em vários cercados e concentrar o rebanho em um deles por vez, no lugar de deixá-lo livre por toda a propriedade.
Outra tentativa de tornar a preservação mais rentável do que a derrubada predatória de árvores é remunerar quem mantém a floresta. A ideia é pagar pelos benefícios ecossistêmicos que elas trazem, como manutenção do ciclo de chuvas e absorção de carbono pelas árvores. Esse sistema já funciona bem em países como Costa Rica, que começou a pagar produtores para desistir da pecuária extensiva e conservar a floresta. Deu certo. Por aqui, embora o novo Código Florestal, de 2012, mencione esse mecanismo, ainda não há regulamentação nacional para disseminá-lo país afora. Hoje, voluntariamente, alguns estados, como o Pará, já têm programas desse tipo.
Indefinição semelhante paira sobre outro mecanismo que poderia financiar a manutenção de áreas de floresta no país, o REDD+ (da sigla em inglês), ou a redução das emissões de gases de efeito estufa por desmatamento e degradação florestal. Desenvolvido durante as conferências do clima da Organização das Nações Unidas, o conceito propõe a compra de créditos de carbono, seja por governos, seja por empresas, poupados por florestas em regiões sob forte pressão de derrubada. Na ausência de regras que guiem a implementação disso no Brasil, as iniciativas são voluntárias e pontuais. Por aqui, o Acre é o único a estabelecer um programa de REDD+. Pela queda de 75% no desmatamento desde 2004, o estado já recebeu 100 milhões de reais do banco de desenvolvimento alemão, o KFW.
Empresários também estão apostado nessa ideia. Douglas de Souza, presidente do grupo paranaense Triângulo, que fabrica painéis e pisos de madeira para exportação, é um deles. EXAME visitou a área de manejo florestal que abastece a produção do grupo, a Fazenda Manoa, a 50 quilômetros de Cujubim, em Rondônia. Em contraste com os vizinhos, 75 000 hectares de mata estão rodeados por milhares de hectares em processo de desmatamento. Uma análise mostrou que as árvores nativas da área são capazes de reter um volume de carbono equivalente às emissões de gases de efeito estufa de 150 000 carros rodando 20 quilômetros por dia durante 12 meses.
O objetivo agora é transformar essa reserva de carbono em créditos a ser vendidos a empresas com metas de redução de emissões. Ao preço de 10 reais a tonelada, a Manoa poderá arrecadar 1,5 milhão de reais por ano. “Isso poderá ser investido no monitoramento dos limites da fazenda e em educação ambiental para a comunidade”, diz Souza, presidente do Triângulo. A mensuração do potencial da área foi encabeçada pela Biofílica, primeira e maior empresa brasileira especializada no comércio de créditos de carbono nesses moldes.
Na mesma lógica de criar incentivos econômicos à preservação, as concessões florestais têm sido um antídoto, embora embrionário, contra a extração ilegal de madeira no país. Hoje, cerca de 1 milhão de hectares de matas da União na Amazônia estão sob concessão de empresas privadas. Por meio de contratos de manejo, elas podem explorar comercialmente a madeira de florestas públicas. Juntas, em 2016 produziram 170 000 metros cúbicos de madeira. Somado a outros contratos de concessão já assinados, mas ainda sem operação comercial, esse volume representa uma pequena fatia de 5,5% da demanda nacional.
Mas a oferta pode crescer. Outros sete contratos estão em negociação com o governo federal e o objetivo é alcançar quase 7 milhões de hectares de manejo até 2022. Esse volume tornaria as florestas nacionais responsáveis por 30% da madeira comercializada no Brasil. Chegar lá não será fácil. A Amata, em operação há sete anos na Floresta do Jamari, em Rondônia, obteve lucro pela primeira vez no ano passado. Isso só foi possível porque, já há alguns anos, a empresa exporta 98% de sua produção anual para a Europa. Ela desistiu de vender no mercado interno por causa da concorrência desleal dos que exploram madeira ilegalmente.
Estima-se que 80% da madeira comercializada no Brasil seja ilegal — ou “falsamente legal”. Na prática, o produto fornecido ao mercado vem de madeireiras que burlam os sistemas de controle do governo. A 600 quilômetros de Jamari, no Amazonas, está o distrito de Santo Antônio do Matupi, ao qual só é possível chegar por um esburacado trecho de terra batida da Rodovia Transamazônica. Um dos maiores polos madeireiros do estado, até pouco mais de um ano a região concentrava dezenas de madeireiras. Quase 30 foram fechadas pela fiscalização federal. Hoje, apenas três têm aval para funcionar, e todas estão sob investigação.
No dia 5 de maio, os fiscais acompanhados por EXAME encontraram mais de dez toras de madeira com tarjas de identificação raspadas num terreno baldio atrás de uma das serrarias. Os madeireiros costumam saber da presença dos fiscais por meio de uma rede de contatos que monitoram os passos das equipes na Amazônia. Então removem de seus pátios a madeira ilegal, dificultando a associação entre a carga e a serraria.
Para especialistas nesse mercado, a praga da ilegalidade poderia ser extirpada com a transparência. É o que promete uma plataforma de tecnologia lançada em dezembro de 2015 pela BVRio, ONG que desenvolve mecanismos de mercado que facilitam o cumprimento de leis ambientais. O sistema se apoia no cruzamento de um grande volume de dados públicos para avaliar o risco de ilegalidade da madeira da Amazônia. Desde o lançamento, foi usado por centenas de compradores de madeira, no Brasil e no exterior, para triar compras no valor de mais de 1 bilhão de dólares. O uso desse big data poderá melhorar se os governos federal e estaduais tornarem públicos todos os dados de extração, processamento e transporte da madeira no país.
Transparência nas informações também é o nome do jogo para mudar o modus operandi da pecuária na Amazônia, principal vetor de seu desmatamento. Desde 2009, frigoríficos brasileiros são obrigados a se mexer. Sob a mira do Ministério Público e da ONG Greenpeace, muitos deles foram acusados de comprar carne de pecuaristas que desrespeitavam a legislação ambiental. O maior deles, o JBS, hoje imerso num dos maiores escândalos de corrupção do país, desenvolveu um sistema de tecnologia para monitorar 70 000 fornecedores Brasil afora — 40 000 deles na Amazônia.
O JBS passou a cruzar dados dos pecuaristas com informações públicas, como a lista de embargos do Ibama e do Ministério do Trabalho, e a suspender as compras de quem não cumpre a lei. Na época, o Greenpeace elogiou a medida. Recentemente, porém, começou a cobrar mais empenho no monitoramento da cadeia. Afinal, o sistema não consegue rastrear, entre outras coisas, o primeiro elo: as fazendas que vendem novilhos aos produtores que engordam os animais antes de enviá-los aos frigoríficos. No final de março, o JBS e outros 13 frigoríficos foram autuados pelo Ibama na Operação Carne Fria.
Ofuscada pela Operação Carne Fraca, conduzida pela Polícia Federal, a investigação indicou a compra de quase 60 000 cabeças de gado de áreas embargadas. Trata-se de um sinal claro de que os frigoríficos precisam fazer mais. Um dos avanços necessários é considerar na análise dos fornecedores não só o CPF dos donos do gado mas também as imagens das fazendas. Não raro, produtores com áreas embargadas usam pessoas com CPF limpo como laranjas para passar adiante os bois.
Outra exigência do Greenpeace foi que frigoríficos como o JBS se empenhassem em cobrar do governo o acesso a dados como a guia de transporte animal, a GTA, documento sem o qual os pecuaristas não conseguem tirar os animais de suas fazendas. Essa medida permitiria rastrear com mais facilidade a origem do gado.
A atenção internacional só reforça o fato de que o desmatamento da Amazônia não é uma questão local. Durante a Conferência do Clima de Paris, em 2015, o Brasil prometeu diminuir 43% de suas emissões até 2030, prazo estabelecido também para zerar o desmatamento ilegal. O cenário atual, no entanto, coloca em dúvida a capacidade de atingir a meta. O desmatamento em 2016 acrescentou 130 milhões de toneladas de gás carbônico equivalentes às emissões do Brasil. É o dobro da emissão anual de Portugal. “A tolerância ao desmatamento precisa diminuir drasticamente”, afirma Carlos Nobre, um dos maiores climatologistas brasileiros. Para o bem do Brasil — e do planeta.