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Banqueiros do futuro?

Como um grupo de empreendedores e grandes instituições estão tentando criar uma nova geração de bancos — menos impessoais, mais eficientes e mais baratos

Reich (atrás) e Karkal, do Simple: 60% dos americanos acham que seus bancos não pensam no cliente  (Jennifer S. Altman/EXAME.com)

Reich (atrás) e Karkal, do Simple: 60% dos americanos acham que seus bancos não pensam no cliente (Jennifer S. Altman/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 7 de dezembro de 2012 às 08h17.

São Paulo - O americano Joshua Reich tornou-se banqueiro há um ano. Não foram herança, vocação ou um sonho de infância que o levaram a criar, com mais dois sócios, o Simple. Foi mesmo a irritação com os serviços bancários que recebia onde era correntista.

Em bom português, o slogan do Simple é “O banco que não é uma porcaria”, o que se traduz em mínimo de taxas e máximo de transparência sobre elas, não precisar ir a agências bancárias e ter atendimento telefônico que não tira ninguém do sério. “Queremos nos livrar de tudo que as pessoas odeiam em seus bancos”, diz Reich.

Cada vez que um freguês liga para o call center, um software faz com que a ligação seja transferida para a pessoa que havia atendido da vez anterior, uma forma de tirar a insuportável impes­soalidade desse serviço. Ah, o atendente jamais venderá seguros ou cartões de crédito: o banco não tem outras linhas de negócios.

Uma pesquisa da consultoria Ernst&Young Terco mostra que menos de 40% dos americanos acreditam que os bancos fazem o melhor para o cliente. Para empreendedores como Reich e o sócio Shamir Karkal, é uma oportunidade óbvia.

O Simple ainda vai ter de se provar viável, mas sua proposta resume o desafio que o setor enfrenta no mundo todo: a renovação de um negócio que vive, há anos, em choque com muitos consumidores.

Ondas e mais ondas de consolidação criaram mamutes em cada um dos grandes mercados do mundo — e clientes insatisfeitos com taxas nem sempre claras e atendimento precário. Como mudar de rota? Como será o banco do futuro? Claro que é uma pergunta impossível de responder, mas, aqui e ali, empreendedores e grandes bancos vêm dando pistas importantes.

“É uma mudança extremamente relevante na forma de fazer o negócio, que deixa de empurrar produtos aos clientes para efetivamente atendê-los em suas necessidades”, diz Piercarlo Gera, diretor da consultoria Accenture, que estudou os novos modelos de negócios dos bancos.

A projeção do estudo é que os bancos terão um crescimento médio de 6,5%, no mundo, em quatro anos. Se já fizerem parte do que a consultoria chama de nova geração bancária, podem dobrar essa taxa.


Tecnologia é a chave para isso. Não é à toa que a maior inspiração para os novos bancos internacionais é a empresa de comércio eletrônico Amazon. A capacidade de análise de dados e a customização do atendimento da varejista serviram de referência para que a operadora de cartões American Express transformasse seu negócio.

A empresa usou as informações do cliente disponíveis em seu perfil no Facebook para oferecer serviços relacionados a interesses individuais, como desconto em lojas de roupas e passagens aéreas para os destinos preferidos. O volume de vendas aumentou 30% em um ano com a iniciativa.

As instituições financeiras estão saindo da fase de monitorar reclamações dos clientes nesse ambiente virtual para efetivamente lucrar com ele. Segundo a consultoria especializada comScore, os usuários do Facebook ficam, em média, 6 horas conectados à rede social. Por isso, o banco americano Movenbank, em fase pré-operacional, criou um sistema de pontuação em que o correntista com mais amigos no Facebook — e indicados ao banco, claro — consegue reduzir as tarifas bancárias.

“Só nesse canal há um potencial de 1 bilhão de clientes que não veem sentido em ir à agência preencher formulários”, diz Brett King, fundador do Movenbank. Bancos digitais, como o Movenbank e o Simple, não lidam, na prática, com depósitos — são empresas de intermediação financeira, que terceirizam o serviço bancário, mas são o contato do cliente, para o bem ou para o mal. 

A reação dos bancos tradicionais começou no mundo todo — o OCBC, de Singapura, criou uma marca específica para o público jovem, a Frank. Os pontos de atendimento parecem lojas de eletroeletrônicos, e os produtos são adaptados aos jovens — o banco envia SMS de alerta de vencimento de contas, dá brindes para contas pagas em dia e remunera a caderneta de poupança a taxas mais altas para incentivar o hábito de poupar.

Para fazer mudanças que cortem custos sem desagradar aos clientes, o americano Coastal FCU tirou os funcionários dos caixas, substituindo-os por atendimento eletrônico — mas incluiu tela nas máquinas para que o correntista possa chamar o atendente na central quando preferir.

Os bancos brasileiros também começam, timidamente, a trilhar caminho semelhante. Para conquistar a clientela de baixa renda, o Bradesco criou um sistema para atrair usuários de celulares pré-pagos. O banco fez uma parceria com empresas de telefonia e quem abre uma conta que custa 20 reais ao mês garante o mesmo valor de crédito mensal no celular. São abertas 90 000 contas por mês desse jeito.


“Inovação não é só invenção”, diz Candido Leonelli, diretor executivo do banco. O que ele quer com essa clientela? Um correntista que já chega usando o banco por celular e, segundo o executivo, “hoje é classe E mas amanhã será D” pode ser muito lucrativo. O custo para o banco dar um crédito por SMS é 90% menor do que em uma agência — e o banco já empresta uma média de 15 milhões de reais por mês por celular.

Movimentos como esse pretendem tirar o cliente da agência — e baratear a operação —, mas sem perdê-lo de vista. O espanhol La Caixa permite ao correntista que não quer usar o computador fazer operações com o controle remoto do televisor. 

De todos os motivos que levam às mudanças dos bancos, um é o mais importante: o cliente está menos passivo. O que significa que ele precisa estar mais satisfeito para não bater à porta do concorrente. No Brasil, o processo de portabilidade bancária, que permite que os clientes transfiram seus empréstimos ou passem a receber salário em outra instituição, está só no começo e já tem provocado efeitos nos bancos privados — o volume de transferências de salários para a Caixa saltou de 100 000 mensais no início do ano para os atuais 350 000.

Eram clientes que tinham conta em outros bancos por escolha da empresa em que trabalham, e não por vontade própria, mas foram atraídos por tarifas menores. “O consumidor tem maior poder de barganha, já que pode a qualquer momento mudar de banco”, diz Jorge Hereda, presidente da Caixa.

As instituições financeiras só costumam perder de empresas de telefonia no ranking de reclamações de consumidores no país. Para o especialista da Accenture, quando a migração de modelo terminar, os clientes vão gostar dos bancos como gostam de suas marcas preferidas de roupa. Seria uma mudança e tanto.

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