Revista Exame

As melhores fábricas de líderes

Um levantamento exclusivo mostra quais são e o que fazem as empresas que mais formam os próprios executivos no Brasil

Castro Neves (em pé, à esq.), presidente da Ambev, e executivos: todos eles iniciaram a carreira nas categorias de base da empresa (Germano Lüders/EXAME)

Castro Neves (em pé, à esq.), presidente da Ambev, e executivos: todos eles iniciaram a carreira nas categorias de base da empresa (Germano Lüders/EXAME)

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Da Redação

Publicado em 17 de outubro de 2014 às 12h12.

São Paulo - O time de profissionais da foto acima tem algo em comum — todos iniciaram a carreira nas categorias de base da fabricante de bebidas Ambev. Eles permaneceram, em média, dois anos em cada posto até chegar ao cargo que ocupam atualmente. 

O mais graduado, o presidente João Castro Neves, levou 13 anos para passar de analista ao comando da companhia — nesse período, ele ocupou oito posições diferentes. 

É uma trajetória que pode parecer meteórica, mas é comum numa cultura que rejeita o que se chama internamente de “efeito paraquedas” — quando um forasteiro chega para ocupar um cargo na companhia, passando à frente de quem estava lá dentro ralando para dar o próximo passo. 

Hoje, 94% dos vice-presidentes e diretores vieram de dentro e 96% das gerências da Ambev são ocupadas por gente que cresceu dentro de casa. O caminho para todos, sem exceção, é um só: para cima ou para fora. 

O tempo de permanência no mesmo cargo considerado ideal não passa dos 1 000 dias, algo próximo a três anos. Exceções se aplicam a cargos mais graduados, como o de Castro Neves, que assumiu a função há seis anos. E a pressão vale até mesmo para ele. “Já há dez pessoas abaixo de mim perguntando quando vou sair”, afirma Castro Neves. 

A Ambev está entre as dez empresas apontadas como as melhores formadoras de líderes no Brasil, num levantamento exclusivo realizado pela Fundação Instituto de Administração (FIA), de São Paulo, a pedido de EXAME. 

É a primeira vez que uma equipe de especialistas em recursos humanos de uma das escolas de negócios mais respeitadas do Brasil se dedica a analisar, em profundidade, os mecanismos de formação de executivos e os índices de promoção em 90 grandes empresas que operam aqui. 

Além da Ambev, as outras nove companhias que se destacaram no levantamento são 3M, ArcelorMittal, Caterpilar, Dow, EDP, Gerdau, Johnson & Johnson Medical, Novartis e Unilever. Trata-se de um grupo de elite porque seus números revelam, de maneira incontestável, a solidez dos processos de formação de lideranças. 

Nessas empresas, 90% das vagas abertas para presidentes, vice-presidentes e diretores foram preenchidas internamente — a média nas outras 80 empresas pesquisadas foi de 53%. 

A 3M, dona de marcas como Post-it e Durex, e a siderúrgica ArcelorMittal conseguiram o impressionante feito de ter 100% dos diretores e vice-presidentes promovidos internamente. E as estatísticas trazidas à tona pela pesquisa mostram que nada disso acontece por acaso. 

Elas deixam claro que o grupo das dez demonstra uma dedicação incomum a processos. Todas, sem exceção, possuem comitês de avaliação. Isso permite que o julgamento a respeito do desempenho de um profissional seja validado por um grupo, e não definido apenas pelo chefe direto. 

Essas empresas também patrocinam programas de coaching para seus executivos ao custo de, em média, 10 000 reais ao ano por profissional. Entre as demais companhias participantes, comitês de avaliação e coaching ainda estão longe de ser a regra. 

“As dez selecionadas mantêm uma disciplina exemplar e colhem os resultados dessa dedicação”, diz Joel Dutra, professor da FIA e um dos responsáveis pela pesquisa.

Fábrica da Unilever em São Paulo: meta de mesclar uma equipe de pratas da casa com alguns forasteiros (Marcela Beltrão/EXAME.com)

Isso não significa que todas as empresas listadas entre as melhores adotem os mesmos parâmetros. 

Na Ambev, a determinação em formar em casa todos os líderes é tão grande que quem pede demissão dificilmente é recontratado mais tarde — uma regra que não está escrita, mas funciona na prática. 

A Johnson & Johnson Medical, braço de produtos médicos da empresa de bens de consumo Johnson & Johnson, tem a meta de equilibrar a prata da casa com 30% de forasteiros. 

O mesmo acontece com a Unilever, também fabricante de bens de consumo. 

“Priorizamos o talento formado internamente, mas valorizamos a experiência de pessoas que não cresceram aqui dentro”, diz Eduar­do Reis, vice-presidente de recursos humanos da Unilever. É um raciocínio que encontra eco nos estudos de alguns especialistas.

 Ao analisar 140 processos de sucessão em 90 empresas nos Estados Unidos de 1972 a 2002, Edward Zajac, professor de gestão da escola de negócios Kellogg, em Chicago, concluiu que profissionais de fora da empresa podem ter um papel importante em algumas situações. 

Se o desempenho da companhia estiver ruim, por exemplo, e isso exigir mudanças radicais na condução dos negócios, os forasteiros são cruciais porque enxergam os problemas com mais distanciamento e não estão enfronhados nos relacionamentos políticos que existem em qualquer corporação. 

Outro estudo, publicado em 2011, esse do professor Matthew Bidwell, da escola de negócios Wharton, na Filadélfia, enaltece as vantagens de ter executivos formados internamente, mas revela um aspecto interessante em relação aos profissionais recrutados no mercado: na maioria das vezes, eles têm formação e experiência superiores às de seus pares que cresceram na empresa.

 A razão: “Quando se sabe menos sobre alguém que está sendo cotado para assumir um cargo, a tendência é que haja mais rigor em relação aos atributos que podem ser externamente observados, tais como educação e trajetória”, afirma Bidwell, que estudou a mobilidade de 6 000 funcionários em bancos de investimento dos Estados Unidos de 2003 a 2009.

Cultura forte

A despeito dessas vantagens dos forasteiros, cada uma das dez empresas listadas está convencida, a seu modo, de que é produtivo ter uma maioria vinda de dentro. E uma das principais razões é o fortalecimento da cultura. “A ausência de uma cultura forte pode arruinar a melhor estratégia”, diz David Ulrich, professor na escola de negócios Ross, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. 

Um dos mais renomados especialistas em liderança do mundo, Ulrich explica de maneira objetiva que as empresas têm cultura sólida quando as ações de seus executivos e funcionários — das mais rotineiras às mais estratégicas — refletem as promessas que ela faz a seus consumidores. 

Ou seja, se o propósito maior de uma companhia é oferecer produtos a preços baixos, a obsessão por custos deve permear todos os níveis hierárquicos. E é claro que fazer com que todos incorporem essa ou qualquer outra lógica que norteie a empresa leva tempo. 

Segundo o americano Jim Collins, um dos mais respeitados gurus de negócios do mundo, apenas duas das 18 companhias analisadas por ele no clássico livro Feitas para Durar foram comandadas por forasteiros.

 “Os executivos formados em casa mantêm os valores e os entendem num nível que normalmente não é compreendido por quem vem de fora”, escreveu Collins. Ciente disso, a siderúrgica Gerdau criou, em 2007, um programa intensivo de treinamento para os engenheiros que ela precisa contratar para gerenciar novos projetos. 

Operação da Gerdau: treinamentos para que os engenheiros trazidos do mercado incorporem a cultura da empresa (Germano Lüders/EXAME)

Eles recebem 1 040 horas de formação nos dois anos — a média no pelotão das dez melhores apontadas pela FIA é de 60 horas por ano — e são acompanhados de perto por diretores com muitos anos de casa. Foi a maneira encontrada para fazer com que eles assimilem, num período recorde de tempo, o foco da Gerdau na qualidade de seus processos fabris, entre outros aspectos. 

“Em momentos pontuais recorremos ao mercado, mas ainda assim é preciso encontrar maneiras de fazer com que esses novos funcionários incorporem nosso jeito de fazer as coisas”, diz Francisco Fortes, vice-presidente de gestão da Gerdau.

Casos de companhias com uma linha de sucessão eficiente dentro de casa se tornam cada vez mais raros. Um levantamento realizado recentemente por pesquisadores da escola de negócios Wharton constatou que, em 1980, mais de 50% dos profissionais do primeiro escalão tinham sido preparados desde as categorias de base. 

Em 2001, esse percentual caiu para 45%. Em 2011, era de apenas 33%. Diferentemente do que se via no passado, cada vez mais a relação de lealdade entre empresa e funcionário depende de um complexo equilíbrio de contrapartidas. De um lado, as empresas querem resultado. 

De outro, os funcionários buscam reconhecimento e oportunidades de crescimento. “É uma relação delicada que tem de ser orquestrada pelo topo da companhia”, afirma a consultora Betania Tanure, especialista em comportamento organizacional. “E poucas empresas levam essa preocupação de fato para o topo.”

Tudo isso consome tempo e dá trabalho — e muitas vezes a pressão do dia a dia faz com que a liderança das empresas pense no curto prazo e deixe a formação dos executivos para lá. Mas isso, no entanto, pode custar caro. 

Nos últimos anos de euforia, em que os salários inflacionaram, as empresas no Brasil que não tinham programas sólidos de formação de executivos chegaram a desembolsar 40% mais na hora de contratar alguém de fora, segundo pesquisa da consultoria Hay Group. 

As empresas que não se prepararam formando o próprio time e não tiveram cacife para recrutar fora pagando esse ágio viram-se forçadas a promover precocemente quem ainda não estava pronto. Agora, com a desaceleração da economia, chegou a hora de pagar a conta — e algumas delas já começam a corrigir a rota. 

Segundo a Hay, as empresas demitiram e contrataram o mesmo percentual de funcionários no ano passado — perto de 20%. Na maioria dos casos, o movimento se caracterizou pela troca de executivos que entregassem mais por salários menos inflacionados.

As histórias das dez melhores “fábricas de líderes” mostram que não existe um modelo acabado — e mesmo as companhias que fazem parte do pelotão de elite constantemente reavaliam suas premissas. Ao mergulhar nas histórias, porém, é possível identificar sete pontos em comum que chamam a atenção e estão listados a seguir. 

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