O vice-presidente Mourão: “Acredito que restará uma economia com a Previdência de 650 bilhões a 700 bilhões de reais nos próximos dez anos” | Fátima Meira/Futura Press (Fátima Meira/FuturaPress)
André Jankavski
Publicado em 14 de março de 2019 às 05h54.
Última atualização em 14 de março de 2019 às 05h54.
O vice-presidente Hamilton Mourão tem feito um papel que poucos esperavam durante a campanha. Depois de ter dado diversas declarações polêmicas na época, como um comentário de que famílias pobres sem pai ou avô são “fábricas de desajustados” e que o neto era bonito porque representava “o branqueamento da raça”, Mourão tornou-se uma espécie de farol da moderação num governo que ainda não se encontrou.
Enquanto o presidente Jair Bolsonaro abusa de declarações controversas nas redes sociais, o vice-presidente optou pelo caminho da serenidade. Tudo para ajudar na aprovação das reformas que ele considera fundamentais, a começar pela da Previdência. Mourão diz saber que o momento atual, com a popularidade do governo ainda alta, é o ideal para tocar as votações no Congresso. “O governo é como um carro zero-quilômetro: quando o automóvel sai da concessionária, já é desvalorizado. O início de um mandato é a mesma coisa”, ele afirma.
Em entrevista a EXAME, Mourão admite, ainda, que a economia de 1,1 trilhão de reais esperada pela equipe econômica com a reforma da Previdência não deve se concretizar.
Estamos com um governo que entrou em seu terceiro mês de mandato. Como o senhor avalia o andamento até agora?
Grande parte das necessidades que o governo possui precisa passar pelo Congresso. A exemplo da reforma da Previdência, que considero a ponta de lança das mudanças que precisamos fazer no Brasil. Em janeiro, o Congresso estava fechado. No mês passado, os parlamentares ainda estavam se organizando, com mais de metade dos deputados estreando na Câmara e um efetivo novo no Senado também. Algumas comissões ainda não foram constituídas. Por isso, o governo fica muito emparedado. Nós tocamos o dia a dia da burocracia e fizemos uma reorganização. Diminuir de 29 para 22 ministérios requer certa criatividade. Ao mesmo tempo, estão sendo analisados até agora os cargos comissionados. Então, o governo produziu, sim, mas não foram fatos que impactaram o dia a dia das pessoas. Fica essa imagem de que está parado, mas não está. Trata-se do dia a dia da burocracia.
Nesse período, porém, alguns fatos trouxeram certo desgaste ao governo. Há a sensação de que existem muitos ruídos dentro do próprio governo. O senhor concorda com essa visão?
Tudo aquilo que é novo, e com uma situação polarizada como o país está vivendo, gera esses antagonismos. Hoje, as pessoas se perdem muito em discussões secundárias em vez de debater sobre aquilo que é o mais importante para o país. Além disso, o governo é como um carro zero-quilômetro: quando o automóvel sai da concessionária, já é desvalorizado. O início do mandato é a mesma coisa. Teremos de nos revalorizar e recuperar parte do capital ao longo de quatro anos.
Mas o que pode melhorar esse cenário?
Essa melhora acontecerá no momento em que implementarmos as reformas necessárias e recuperarmos parte do emprego que foi perdida nos últimos anos. O mundo vive uma situação difícil economicamente. A expectativa para o crescimento global é de 3%, o que é baixo. Também temos uma guerra comercial em andamento e o protecionismo voltando nos países. Então, o Brasil precisará saber se posicionar. Não estamos em um ambiente dos mais favoráveis para a retomada do crescimento econômico.
Há dúvidas referentes à governabilidade, especialmente com o Congresso. O que fazer para mudar essa imagem?
Até agora, o presidente não construiu a famosa base. Por isso, essa discussão volta todo o tempo. Podemos optar por ter uma base permanente ou uma base que será constituída de acordo com a necessidade. Ainda estamos pensando nisso. Os últimos governos buscaram essa base permanente, mas fizeram em grande parte por meio da corrupção. Ou compraram o Congresso com dinheiro ou com cargos e emendas. O presidente, dentro da visão na qual foi eleito, buscará outra maneira de se relacionar. Isso não é fácil. No meu caso, não tenho nenhuma missão na articulação. Mas, se o presidente falar que preciso buscar determinados grupos de parlamentares, eu irei.
O governo prepara uma campanha de comunicação para a reforma da Previdência. Como ela deve ocorrer? O presidente assumirá o protagonismo?
O presidente tem 3 milhões de seguidores no Twitter, número que aumenta todos os dias. Logo, ele tem como atingir uma massa muito grande. Mas, como a campanha ainda está sendo produzida, ele não pode simplesmente tirar da cabeça os pontos que serão divulgados sobre a reforma. Precisamos fazer uma comunicação simples, que as pessoas entendam. É diferente da linguagem que devemos ter com o Congresso. Lá, é uma visão macroeconômica para que os parlamentares vejam a questão dos números e para onde o país vai se não conseguirmos aprovar essa reforma. Para a população, por sua vez, é necessário desmistificar o tema, especialmente em pontos falsos, como o de que os pobres vão pagar mais. Obviamente, as corporações que existem dentro do serviço público estão se movimentando para não perder parcela de seus rendimentos.
O projeto da reforma dos militares deverá ser apresentando ainda em março. Quais benefícios devem perder?
Tudo já foi negociado. Os ruídos que eu ouço são das polícias militares. O que os governadores querem é que o pacote das Forças Armadas também passe a valer para as polícias nos estados. Então, eu vejo uma resistência nas polícias. No projeto, estarão pontos como o aumento do tempo de permanência no serviço ativo e o aumento da contribuição.
Esse é um ponto que o governo federal deve articular ou os governadores?
Acredito que os governadores sejam os maiores interessados. Eles comentam o tempo todo que uma das facas que têm cravadas no pescoço é o salário das polícias militares. Especialmente, em níveis mais elevados. Por isso, os governadores precisarão ter essa participação e, obviamente, as bancadas desses estados precisarão trabalhar no tema. Agora, nós sabemos que há muitos parlamentares oriundos das polícias militares. Haverá um debate intenso desse tema no Congresso.
O governo está preparado para assumir esse ônus? Até mesmo com retaliações, como possíveis greves?
Nós precisamos enfrentar isso. Para isso que fomos eleitos. Uma coisa precisa ficar clara para a população: se nada for feito, o governo ficará em uma situação miserável em 2022. Mal conseguiremos pagar salários e aposentadorias e não teremos recursos para custeio e investimento. O país vai parar. Viveremos um “não país”.
O que sobrará da economia de 1,1 trilhão de reais da reforma proposta?
Alguns pontos da reforma devem ser desidratados no Congresso. Não direi quais, pois acredito que ela deveria ser aprovada na íntegra. Não se trata de nenhum excesso. Sabemos que haverá uma negociação e creio que restará uma economia de 650 bilhões a 700 bilhões de reais em dez anos. Será cerca de 70% do proposto.
Isso é o suficiente?
O que vai acontecer é que daqui a seis ou sete anos precisaremos fazer outra reforma. Enquanto podemos jogar o problema para a frente, tudo bem. Mas ele vai retornar. A não ser que haja uma guerra mundial, morra uma porção de gente, e aí mude tudo. E isso é algo que nós não queremos que aconteça, obviamente.
Quais são os planos para outras reformas? Qual é sua visão sobre a reforma tributária e a abertura da economia?
Considero a reforma tributária a número 2, atrás da Previdência. Nossa questão tributária é séria, nos faz perder competitividade, até mesmo arrecadar menos do que poderíamos. Afinal, há quem contribua, mas outros, não. É um sistema que todos têm dificuldade para entender. No caso da abertura comercial, estamos vendo um movimento de fechamento no mundo. China, Alemanha, França e Estados Unidos vão nesse caminho. Estão ressuscitando o protecionismo.
O Brasil iria na contramão do mundo?
Não vejo como uma contramão, mas, para promovermos a abertura, precisamos -reorganizar nossa economia. Não podemos abrir sem acertar as questões tributárias e trabalhistas, por exemplo. Caso contrário, ficaremos expostos a uma situação de desvantagem. Essa é a realidade.
Como está a relação com a China após alguns atritos no campo ideológico?
Precisamos retomar o contato com a China. É necessário passar para a China qual é a nossa política em relação a ela. Os atritos foram coisas de campanha, que depois deixaram ruídos. A China trocou o embaixador, então devemos nos reaproximar. Nós temos um fundo em comum, com 30 bilhões de dólares, que está parado. Há bastante coisa para fazer.
No início do governo, parecia que o Brasil teria um alinhamento total com os americanos, algo que foge da tradição diplomática brasileira. Qual deve ser a posição do Brasil em relação ao tema?
Talvez essa questão não tenha sido bem interpretada. Às vezes, as palavras precisam ser bem medidas. Agora, é a primeira vez em 20 anos que nós temos um governo que possui uma comunhão de valores com a democracia americana. O american way of life e o modo de condução da política americana estão dentro da nossa sintonia. Isso é uma coisa. Outra é ficarmos atrelados a qualquer decisão deles. Nós precisamos preservar a independência. Teremos um relacionamento muito bom, mas sabemos nosso papel.
O Brasil deve se posicionar na guerra comercial entre China e Estados Unidos?
Precisamos aproveitar o melhor desse mundo. Temos de saber extrair os benefícios sem nos apoiar em um ou em outro. Imagine se a China começar a comprar mais alimentos dos Estados Unidos? Nós vamos vender para quem? Isso é uma coisa concreta que pode acontecer.
Qual será a principal contribuição dos militares para o governo?
O que foi buscado no grupo militar é o planejamento, a gestão eficiente e a lealdade. A maioria dos nomes que estão no governo é da reserva e está em cargos de segundo ou terceiro escalão. São pessoas que conhecem os temas técnicos.
Antes de assumir como vice-presidente, o senhor deu declarações polêmicas, como a de que seu neto era bonito, pois era o “embranquecimento da raça”. Agora, o senhor é visto como um dos homens mais equilibrados do governo. O que mudou?
Essa frase era uma brincadeira que meu pai fazia e trata-se da minha maneira de ser. Os jornalistas até me perguntam sobre Olavo de Carvalho e eu mando beijos, pois não vou ficar discutindo com ele. A respeito do equilíbrio, eu procuro escutar as pessoas, mesmo que eu não goste do que elas estão falando. Uma vez que eu entrei na política, é necessário fazer isso. Eu passei 46 anos em uma instituição onde eu não podia ser aplaudido, mas também não podia ser vaiado. Agora, estou submetido aos aplausos e às vaias.
O senhor quer evitar ser visto como um vice-presidente decorativo?
Não é uma questão de ser decorativo. Vou ficar parado e olhando para a parede esperando a hora de ir embora? Eu preciso fazer o que for possível para ajudar o presidente da República.