Revista Exame

Para Roberto Jatahy, da Farm e Animale, a moda pode ser rentável

Setor é historicamente associado a maus resultados; em sua 1ª entrevista após a oferta, Jatahy detalha como pretende dobrar o tamanho do grupo Soma

Roberto Jatahy: empresário captou 1,3 bilhão de reais para seu grupo Soma (das grifes Farm e Animale) (André Valentim/Exame)

Roberto Jatahy: empresário captou 1,3 bilhão de reais para seu grupo Soma (das grifes Farm e Animale) (André Valentim/Exame)

DR

Da Redação

Publicado em 24 de setembro de 2020 às 06h00.

Os primeiros meses do ano foram uma sucessão de expectativas e revisões de planos para o empresário carioca Roberto Jatahy. Até concluir em julho o IPO que captou 1,3 bilhão de reais, seu grupo de moda Soma já havia entrado em modo de espera, visto a pandemia mostrar o poder de devastação no varejo, e só quando conseguiu comprovar a solidez do modelo de digitalização de seu negócio e a força de suas marcas no inconsciente dos consumidores bateu o martelo na bolsa, ainda sob o olhar reticente do mercado.

Afinal, não bastasse o recuo de 16% nas vendas do varejo no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2019, suas concorrentes Inbrands (Ellus, Richards, VR) e Restoque (Le Lis, John John, Dudalina) também enfrentam sérios problemas.

Nada disso tirou o ânimo de Jatahy e dos sócios fundadores de Animale, Farm, Cris Barros, Foxton e Maria Filó, para citar as marcas mais rentáveis do grupo, que, mesmo com prejuízo de 32,7 milhões de reais no segundo trimestre no comparativo com o mesmo período do ano anterior, acumula valorização de 10% no preço das ações, num cenário claro de retomada.

Em sua primeira entrevista após a oferta, Jatahy explica à EXAME como quer dobrar — ou até triplicar — o tamanho do grupo, com um projeto de no mínimo cinco aquisições de marcas nos próximos cinco anos, nova área de sustentabilidade e um negócio rastreado da cadeia produtiva à distribuição. E não, comprar a Richards não é prioridade no momento, como se especulou logo após o IPO. Leia trechos editados da entrevista.

Você conseguiu ir à bolsa num segmento de marcas especializadas, algo em que o Brasil não tem boas memórias recentes. O que representa esse IPO para a indústria criativa de vestuário e por que negócios de moda como esse não evoluíram no país?

A indústria da moda ficou malvista, estigmatizada como um segmento sem foco em resultados e desenvolvimento sustentável baseado em histórico operacional. Havia, por parte dos donos das marcas, uma confusão entre vaidade e desejo desesperado desses diretores criativos em preservar a alma das grifes. Pelo lado de quem gerenciava o financeiro, havia uma dificuldade de conversar e entender o negócio da moda. Esse foi o problema da primeira onda de consolidação de grupos.

Acho que nosso IPO foi histórico porque traduziu que é possível respeitar o que os criativos entendem como relevante no longo prazo, mas de forma correta, que vise à sobrevida da marca. O negócio tem de ser bonito, bacana, mas primeiro tem de ser rentável. A gente foi mais eficiente nessa comunicação entre o criativo e o financeiro, não no sentido de conteúdo, mas da forma como você trata o criativo. Nesse mercado, é preciso se proteger de movimentos desestruturados de retorno de curto prazo.

Quais foram os erros dos outros grupos?

Não faço críticas ao setor financeiro ou criativo, mas houve falta de entendimento nessa primeira onda de aquisições dos demais grupos, o que trouxe muito aprendizado também. A pior coisa que se pode fazer é não preservar uma marca ao longo do tempo, destruí-la para poder dar resultado no exercício. Isso é muito ruim. Olhando para a gente, nossa missão é olhar em cada exercício quais são os potenciais drives de crescimento sem que as marcas saiam machucadas. Esse modelo tem a ver com nossa história.

Fizemos uma primeira aquisição, da Farm e da Fábula [em 2011], num momento em que a Animale não tinha para onde crescer mais no longo prazo. De forma orgânica, com expansão de lojas e com um digital robusto, a marca foi crescendo e todas as concorrentes dela foram quebrando. Como empresário, não consigo sentar e transformar a operação numa vaca leiteira, isso não me satisfaz como empreendedor. Meu propósito é estabelecer uma cultura de aquisições, provar que moda pode até ser um negócio sensível, mas é altamente rentável.

Loja da Animale, do grupo: planos de ampliar linhas de produtos como joias e acessórios (Divulgação/Divulgação)

 

Como o Soma planeja fazer diferente num mercado tão pulverizado?

Entendendo que todas as marcas passam por ciclos. Uma hora ela está robusta, em posicionamento, desejo, o que chamo de gordura de marca. Se ela está bem posicionada em comunicação, é a hora de fazer movimentos de expansão para que ela possa rentabilizar melhor.

É preciso ter sensibilidade para isso. Não posso ser agressivo se ela está em um processo de reposicionamento, querer que cresça igual às outras do grupo num momento em que o desejo por ela, essa gordura, ainda não está estruturado. Ela pode até crescer em número de lojas, mas será que vale o investimento? Isso é mais feeling do que uma resposta numérica, não é algo tão óbvio.

Nosso desafio é mostrar a partir de agora as reais alavancas de risco no nosso negócio. Vamos crescer ampliando nosso market share [hoje em 3%], muito porque a fragilidade do varejo de moda no Brasil está no nível de sua fragmentação. Há uma imensa maioria de marcas, com dez ou 12 lojas, sem uma inteligência tecnológica no digital, com faturamento de 70 milhões a 80 milhões de reais, que, num período de crise, não vai conseguir sobreviver sem receber um aporte. Pelo lado da moda, é triste, mas, do ponto de vista empresarial, torço para que elas estejam perto de mim.

O que então é factível para os próximos meses em se tratando de expansão das marcas?

Quando você fala de Foxton, Fábula e Maria Filó, que está muito concentrada no Rio de Janeiro, há um alto potencial de crescimento. A Farm também tem espaço para abertura de muitas novas lojas. No caso da Animale, estamos discutindo a ampliação dos espaços que já existem, trabalhar o que se chama experiência de loja, algo que todo mundo fala mas não põe em prática. Ou seja, oferecer mais linhas de produtos da própria marca [como joias, jeans e acessórios] em espaços ampliados.

Até o final do ano, portanto, estaremos concentrados em Farm, Fábula, Foxton e Maria Filó, entendendo também o tamanho do volume da vacância nos shoppings, vendo se os custos estão condizentes com os próprios cinco anos de contrato.

O mercado está num alvoroço sem saber a participação de cada canal na venda total, porque o varejo ainda não absorveu o comportamento definitivo do consumidor. Sabemos, porém, que estamos menos dependentes do fluxo dos shop­pings, porque o varejo físico está em 50% das vendas, mas os shoppings estão com 40% do fluxo pré-pandemia. Então esse consumidor é de destino, ele vai certo daquela compra.

Mas o crescimento do grupo está ligado também a aquisições.

Sim, também, mas prometemos um crescimento sustentável. Nos últimos três anos crescemos, em média, 20% ao ano. Achamos possível manter esse número em 15%, com picos de 20% num ano ou outro. Isso já duplicaria nosso tamanho em cinco anos, independentemente de aquisições. Não pretendemos ceder às pressões do mercado por aquisições desestruturadas. A gente tem uma disciplina muito grande nesse sentido.

Nosso projeto é ter todas as classes de feminino em linhas de preço diferentes. Há um espaço de preço entre Maria Filó e Animale no qual achamos ser possível encaixar outra marca, por exemplo. Sei que vamos ser pressionados, mas, outra vez, não vou fazer aquisições para defender o preço do capital, porque isso não é inteligente. O grande dificultador vai ser conversar com o mercado e dizer “calma”. Prefiro ter 600 milhões, 700 milhões de reais parados a sair correndo para queimar caixa.

Não existe um benchmark na bolsa para o tipo de operação do grupo. Há varejistas de moda, mas o modelo de lojas de departamentos é diferente. Não será um problema ser comparado aos resultados de outras operações?

Sim, mas torço muito para que outro player consiga fazer o que fizemos ou que haja um projeto parecido com o nosso, porque quando existe concorrência há comparabilidade. A que mais se aproxima da gente talvez seja a Arezzo, mas que, ao mesmo tempo, é de um segmento [calçadista] que apresenta outros desafios. Nos road shows que fizemos, parte importante do trabalho foi apontar aos investidores como nossa operação é diferente daquelas listadas.

Do ponto de vista do portfólio, quais perfis de marca faz sentido agregar?

Precisamos muito de uma marca feminina com preço médio mais baixo para defender as que têm o preço lá em cima [Animale, A.Brand e Cris Barros]. Em termos de categoria, temos certa urgência de fazer aquisições voltadas para o chamado segmento comfy [roupas confortáveis e básicas] ou de alguma nativa digital para entender melhor como funcionam as estratégias de comunicação no ambiente online. São essas as três classes de ativos em que vamos apostar no curto prazo.

Então haverá aquisições ainda neste ano?

É possível que haja uma. Se fizermos as duas que queremos muito, talvez no próximo ano não façamos nenhuma. Não posso garantir. Temos um plano de cinco nos próximos cinco anos. Não haverá canibalização entre marcas, todas serão de classes, estéticas ou preços diferentes, com um máximo de 20% de interseção entre as que já existem. Há ativos que têm interseção parcial, mas tendo 80% você pode ganhar muito em market share e expandir a base ativa de clientes.

Cogitou-se a compra da Richards. Vai acontecer?

Muita coisa foi dita nos últimos meses. Muitas conversas começaram na pandemia e outras, de muito tempo atrás, foram reativadas. Quando se trata de fusões e aquisições, muita coisa muda nos 45 minutos do segundo tempo. Desde o IPO, todos os dias recebemos ligações de potenciais negócios e, de forma muito respeitosa, negamos. Já estive do outro lado, sei da agonia que muitos desses empresários podem estar passando. Falaram em aquisições de grifes do grupo Restoque, da Richards [Inbrands]. Hoje não são prioridade, não é o que estamos olhando no primeiro momento.

Na pandemia houve uma predileção por itens básicos. O grupo PVH (Tommy Hilfiger e Calvin Klein) reportou um aumento de vendas por causa desse segmento. Uma marca de moda casual teria poder de reverter os prejuízos do grupo no último trimestre?

Obviamente, se tivéssemos uma operação muito grande nesse sentido, que, é preciso dizer, não existe no Brasil, poderíamos mitigar parcialmente, mas ela não teria força para reverter o quadro. Falando especificamente daqui, as pessoas até compraram esse segmento comfy, mas o estímulo ao consumo para ficar dentro de casa não é grande. Na situação do país, de crise, com desemprego, você compra só duas, três calças de moletom. E sobre nossa operação, em comparação com o cenário que havia, nossos resultados não foram horrorosos.

Você acha que até o fim do ano o varejo de moda vai viver de liquidação?

Até janeiro, certamente. As marcas não conseguiram recomprar [dos revendedores] as coleções de verão, então a saída será remarcar, remarcar e remarcar. Grifes bem estruturadas vão conseguir trazer algum frescor para o final do ano, mas só na coleção de inverno será possível entender o tamanho do impacto. No nosso caso, fizemos movimentos de venda no primeiro semestre para manter nossos compromissos com fornecedores e proteger nosso verão.

Falou-se que a agenda de sustentabilidade é um dos pilares do grupo. O que isso significa para o Soma?

Nosso primeiro olhar é sobre inclusão. A moda foi muito estigmatizada pela estética que vendeu, que uma pessoa fora do peso ou um homem que usa roupas femininas não são fashion. Isso não cabe mais, e há uma adequação na empresa e na comunicação em relação a temas como esses. Temos uma agenda clara de upcycling, de fazer uso da roupa até ela virar pó. Temos um projeto de uma plataforma de venda de roupas usadas para todo o grupo, como já fizemos com a Animale, quando a cliente leva uma roupa velha da marca e ganha desconto na compra de outra peça.

E quanto à rastreabilidade? A Animale sofreu com acusações de terceirizados que tinham práticas análogas à escravidão. Isso agora pode ser um problema na bolsa.

Antes de pensar no preço das ações, esse tipo de acusação causa muita dor para as pessoas que estão na marca, os donos, os que trabalham nela. Quando isso aconteceu [em 2017], a dor foi imensa. Uma marca, para quem a criou, é um filho. Investimos 10 milhões de reais por ano em rastreamento da cadeia, e nenhum de nossos terceirizados hoje quarteiriza produção.

Você tinha a ideia, em 2014, quando o nome do grupo mudou para Soma, de investir em um parque fabril próprio de costureiras capacitadas pelo grupo. Não evoluiu?

Não, porque achamos mais efetivo enxugar a cadeia de 300 confecções para aproximadamente 80, investindo em maquinário e capacitação, e estando sempre próximos a elas, como parceiros. O mundo está mais sustentável, as marcas têm uma força de comunicação muito grande para se posicionarem sobre isso. A Kátia Barros [sócia fundadora da Farm] agora senta na cadeira de diretora de sustentabilidade, o que dá uma ideia da importância que estamos atribuindo ao assunto. Temos dados sobre a Farm internacional e sabemos que o cliente lá fora está disposto a pagar o dobro do preço de um produto se a agenda sustentável da marca for sólida.  


(Publicidade/Exame)

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