Revista Exame

A felicidade traz dinheiro...

...para as empresas. Essa é a principal descoberta de Alex Edmans, professor de finanças na London School of Economics, que acabou de publicar uma pesquisa sobre bem-estar no trabalho

Escritório do Google em Xangai: os empregados dedicam 20% do tempo a projetos pessoais de inovação (Corbis/Latinstock)

Escritório do Google em Xangai: os empregados dedicam 20% do tempo a projetos pessoais de inovação (Corbis/Latinstock)

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Da Redação

Publicado em 24 de setembro de 2014 às 18h12.

São Paulo - "Em tempos de margens de lucro cada vez mais aper­tadas, as companhias procuram qualquer possibilidade de reduzir custos e maximizar os ganhos. A receita mais comum é fazer mais com menos, independentemente da satisfação dos funcionários. Por mais que isso pareça fazer sentido no curto prazo, muitas pessoas começam a se questionar se essa estratégia é sustentável.

A desconfiança está baseada na indicação de que a felicidade, como mostram várias pesquisas, torna as pessoas mais produtivas. Caso se acredite que o bem-estar dos funcionários é um fator crucial, todo entendimento sobre as estratégias de recursos humanos precisa ser reavaliado.

Mas, crenças à parte, é importante examinar antes de tudo se a satisfação dos trabalhadores realmente se traduz em mais ganhos para as companhias. 

Para dar uma resposta a essa questão, fizemos a análise das listas que elegem as melhores empresas para trabalhar. A primeira publicação do gênero surgiu nos Estados Unidos em 1984 e foi replicada em outros países. (O Brasil foi o segundo país a ter esse tipo de avaliação com a criação, em 1997, do guia As Melhores Empresas para Você Trabalhar, lançado pela revista ­EXAME e hoje editado pela revista VOCÊ S/A. A próxima edição chegará às bancas em meados de outubro.)

No caso americano, os dados mostram que, num período de 26 anos, as companhias abertas que entraram no ranking registraram valorizações anuais de 2% a 3% acima da média do mercado.

Como um cético poderia dizer, com razão, que se trata de um caso isolado, ampliamos o escopo de nossa pesquisa para os 14 países que contam com listas confiáveis sobre os melhores lugares para trabalhar e fomos surpreendidos pelos resultados finais.

A correlação entre satisfação do empregado e retornos maiores na bolsa de valores é encontrada fora dos Estados Unidos, mas ela não se aplica igualmente a todos os países. É mais forte onde a legislação trabalhista é mais flexível, como na Inglaterra e no Canadá.

Isso ocorre porque, nos lugares onde é mais fácil contratar ou demitir, as empresas conseguem rapidamente substituir uma pessoa que não entrega resultados por outra, mais produtiva. Nesse ambiente de maior flexibilidade, os trabalhadores se empenham mais quando encontram um emprego que proporciona mais satisfação. O que motiva o funcionário é não perder algo que ele gosta muito de fazer. 

Já em mercados como Alemanha e França a legislação trabalhista dificulta as demissões. Cientes dessas barreiras, os funcionários não enxergam no perigo de perder o emprego uma grande fonte de motivação.

Para estimular essas pessoas, as empresas são forçadas a gastar muito mais em benefícios, prática que muitas vezes obtém apenas resultados marginais na comparação com companhias de mercados flexíveis. Nesse contexto, o Brasil aparece como exceção.

Como todos sabem, o país tem leis trabalhistas bastante rígidas, mas, mesmo assim, as empresas bem colocadas na lista das melhores para trabalhar dão retornos impressionantes na bolsa de valores.

O valor dessas companhias superou a média do mercado em 7% ao ano entre 1998 e 2011. Por que isso acontece? Ainda não sabemos, mas a hipótese mais promissora indica que a alta volatilidade da Bovespa distorça os resultados e faça do Brasil um caso raro no mundo. Para ter certeza, precisaría­mos fazer um estudo mais aprofundado­ do caso brasileiro.

Rumo a um novo modelo

Com os resultados de nossa pesquisa em mente, é possível fazer uma análise adequada das práticas de recursos humanos mais comuns hoje em dia. Algumas empresas ainda estão presas à visão tradicionalista, que norteou boa parte da construção da sociedade industrial, segundo a qual os empregados devem ser tratados como qualquer outro insumo da cadeia produtiva.

Nesses lugares, existe uma lei pétrea: nenhum gestor que se preze paga mais pela matéria-prima usada — e isso também vale para os salários dos trabalhadores. Outras empresas até pagam bem, mas seguem a lógica fordista. Nos anos 20, o americano Henry Ford idealizou um novo sistema de produção e passou a pagar aos funcionários 5 dólares por dia — o dobro da média na época.

Sua meta não era aumentar o bem-estar dos funcionários no local de trabalho, uma vez que as condições continuavam extremamente extenuantes na fábrica. Essa foi a tônica durante a maior parte do século 20.

Felizmente, muitas empresas já perceberam que a abordagem precisa ser outra. Muitas dizem ter se adaptado aos novos tempos. Garantem ter adotado uma nova postura, mais esclarecida com relação à gestão de recursos humanos. Uma das frases mais repetidas prega que ‘as pessoas são nosso maior patrimônio’.

O perigo é que esse seja um mero artifício de marketing, e essas empresas ainda estejam presas à mentalidade do século 20. Uma pesquisa feita na Alemanha comprova que muitos investidores também estão com a cabeça no passado. O estudo mostrou que o valor da empresa cai na bolsa quando os trabalhadores passam a ter voz na administração dos negócios.

Cada vez fica mais claro que as empresas que serão bem-sucedidas no século 21 terão de trilhar outro caminho. Em setores como o de tecnologia, um dos mais dinâmicos da atualidade, os empregados são a principal fonte da criação de valor.

A maioria dessas companhias não tem ativos tangíveis significativos, mas ainda assim os valores de mercado que elas registram nas bolsas são estratosféricos. É só entrar na sede do Google ou do Facebook para perceber quanto o bem-estar dos funcionários está no centro das preocupações. 

Quem segue preso ao fordismo continua adotando a estratégia do ‘porrete e da cenoura’. Muitos ainda condicionam o pagamento ao número de unidades produzidas, sem perceber que essas medidas não fazem mais sentido. Não é dessa forma que se mede a qualidade de um gestor que passa horas instruindo subordinados ou pensando em medidas para melhorar o clima no escritório.

Hoje o recrutamento e a retenção são questões de primeira hora e, à medida que o tempo passa, fica mais evidente que o nível de satisfação dos trabalhadores tem um papel fundamental nos dois casos. De certa forma, tudo se resume em atrair os melhores talentos e deixá-los em paz para poder produzir. Simples. E extremamente complexo.”

Alex Edmans é professor de finanças na Escola de Economia da London School of Economics

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