Revista Exame

A faculdade startup que quer revolucionar o ensino superior

Criada no Vale do Silício, a Universidade Minerva não tem sala de aula. Ela aposta em cursos online e vivência no exterior para revolucionar a educação

Alunos da Universidade Minerva, em São Francisco: estágio em empresas como Uber e Facebook (Divulgação)

Alunos da Universidade Minerva, em São Francisco: estágio em empresas como Uber e Facebook (Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 27 de julho de 2015 às 05h56.

São Paulo - No prédio de número 1145 da Market Street, quase ao lado da prefeitura de São Francisco, na Califórnia, três dezenas de jovens de várias partes do mundo dividem-se em várias tarefas: alguns trabalham em seu computador, outros conversam por meio de webcam, pequenos grupos tentam solucionar um problema e uma turma bate papo no refeitório.

O prédio poderia ser mais um dos que abrigam as startups que povoam o Vale do Silício. Ali, porém, está instalada uma universidade criada em 2012 e que tem a ambição de revolucionar mais de 350 anos de ensino superior nos Estados Unidos.

A Universidade Minerva não tem um campus tradicional, composto de salas de aulas, bibliotecas e laboratórios. A única estrutura física é o prédio onde os estudantes moram. As aulas — nas áreas de ciências da computação, ciências sociais, ciências naturais, artes e humanidades — são todas por videoconferência.

Professores e estudantes, em grupos pequenos, conectam-se a uma plataforma de vídeo parecida com um bate-papo online em que todos interagem pela internet — mesmo estando separados pelas paredes dos dormitórios. O primeiro ano do curso é feito em São Francisco. Nos três anos seguintes, a cada semestre os alunos moram em um país diferente.

A primeira turma da Minerva, que ingressou no segundo semestre do ano passado, irá para Berlim e, na sequência, Buenos Aires, Seul, Bangalore, Londres e Istambul — a ideia era que São Paulo fosse a sede latino-americana, mas os altos valores dos aluguéis fizeram a direção desistir.

A proposta que mistura aulas online com intensa vivência internacional acabou chamando tanto a atenção que o processo de seleção para a segunda turma, cujas aulas começam em setembro, recebeu 11 000 inscrições para apenas 125 vagas. O índice de aprovação de cerca de 1% torna a instituição uma das mais concorridas — nas universidades americanas Harvard e Stanford são aprovados 6% dos inscritos.

A inspiração para criar a Minerva veio da experiência acadêmica de seu fundador, Ben Nelson, ex-presidente do serviço de impressão de fotos Snapfish, com passagens pelas multinacionais Disney e HP. Quando estudava em Wharton, a escola de negócios da Universidade da Pensilvânia, Nelson se incomodava com as aulas para plateias formadas por centenas de alunos. “As aulas-palestras são uma ótima forma de ensinar, mas uma péssima maneira de aprender”, diz Nelson.

Decidido a investir num projeto de educação diferente, ele procurou em 2010 o neurocientista Stephen Kosslyn, um dos maiores especialistas em psicologia cognitiva do mundo. Ex-diretor do Centro de Ciências Sociais de Harvard e do Centro de Estudos Comportamentais de Stanford, Kosslyn aceitou a tarefa de montar uma universidade em um ambiente virtual e criar uma nova dinâmica de ensino.

O modelo de aula-palestra foi abandonado e, em seu lugar, entrou outro chamado flip­ped classroom (em português, algo como “sala de aula virada”). Criado nos anos 90 nos Estados Unidos, o flipped class­room pressupõe que os estudantes falem mais do que o professor. Com duração de 1 hora e meia, as aulas são gravadas e servem para que os professores avaliem o desempenho de cada aluno.

As notas são dadas com base na qualidade das intervenções — a tática “o importante é participar” não funciona. “Queremos formar as pessoas que vão dirigir as principais instituições do mundo, não queremos formar o próximo grande advogado tributarista”, diz Nelson.

Com pouco tempo de existência — a turma pioneira acabou de terminar o primeiro ano do curso —, a Minerva é, por enquanto, apenas um experimento ousado e ambicioso. Mas Nelson e Kosslyn não estão sós. Entre os conselheiros da universidade está Larry Summers, ex-secretário do Tesouro americano e ex-reitor da Universidade Harvard.

O fundo Benchmark, que investiu em empresas como eBay, Twitter e Uber quando estavam em estágio inicial, também colocou dinheiro na Minerva. Ao todo, a universidade levantou 95 milhões de dólares em três anos. Seus investidores apostam que a plataforma é replicável e lucrativa.

Preço competitivo

Para os alunos, um dos principais atrativos da Minerva é o baixo custo. Enquanto um ano acadêmico nas universidades Yale ou de Princeton varia de 63 000 a 68 000 dólares, a anuidade da Minerva é de 28 000 dólares — os gastos com moradia e alimentação estão incluídos nesse valor. O preço baixo é decorrência da inexistência de um campus e da utilização de material didático gratuito, como os cursos em vídeo distribuídos pela internet por diversas fundações e universidades.

“Não existe motivo para os estudantes pagarem por algo que eles têm de graça na internet ou em livros”, explica Alex Cobo, responsável pela divulgação da Minerva na América Latina. Para a alegria dos alunos, há indícios de que, mesmo com seu pouco tempo de vida, a nova instituição já esteja sendo valorizada pelo mercado.

Guilherme Nazareth, único brasileiro a participar da primeira turma, está atualmente fazendo estágio no Learn Capital, um dos principais fundos que investem em startups de educação no mundo.

“Tenho amigos da faculdade que conseguiram estágios no serviço de transporte Uber, na rede social Facebook e em outras empresas de tecnologia do Vale do Silício”, diz o jovem gaúcho, que largou o curso de economia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul ainda no primeiro semestre, decepcionado com a qualidade do ensino. Em setembro, outros três brasileiros farão parte da segunda turma.

Com sua proposta arrojada, a Minerva acabou virando alvo de críticas nos Estados Unidos. “Não acredito que devamos abrir mão do formato mais tradicional de aulas, como faz a Minerva”, diz Lin Goodwin, vice-reitora da Escola de Professores da Universidade Colúmbia, de Nova York.

A falta de um campus pode gerar economia, mas também é um ponto polêmico. Diversos estudos indicam que uma infraestrutura física adequada é importante para atingir bons resultados acadêmicos. Por fim, a Minerva, com sua estrutura física enxuta e política de preços baixos, pouco investe em pesquisa — área que consome muitos recursos nas universidades de ponta.

Os fundadores da Minerva afirmam que há espaço para as instituições tradicionais e também para experiências novas como a que propõem. A inspiração é claramente o ambiente de inovação da região de São Francisco, onde fica a universidade. Como muitas start­ups de tecnologia, a Minerva está empenhada em criar um modelo disruptivo.

Se der certo, deve ganhar escala, garantir polpudos lucros a seus investidores e, quem sabe, entrar para a história como a universidade que revolucionou o modo como as pessoas aprendem. Caso dê errado, vai apenas engordar a longa lista de experiências excêntricas das startups do Vale do Silício.

Acompanhe tudo sobre:CalifórniaEdição 1093EducaçãoInternetStartupsvale-do-silicio

Mais de Revista Exame

A tecnologia ajuda ou prejudica a diversidade?

Os "sem dress code": você se lembra a última vez que usou uma gravata no trabalho?

Golpes já incluem até máscaras em alta resolução para driblar reconhecimento facial

Você maratona, eles lucram: veja o que está por trás dos algoritmos