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Com a queda do custo da energia limpa, 2021 pode iniciar a década sem carbono

O mundo está entrando na década em que o carbono vai ficar para trás

Usina de energia solar da Ambev, em Minas Gerais: mais de 1 bilhão de reais investidos em 
fontes renováveis (Divulgação/Divulgação)

Usina de energia solar da Ambev, em Minas Gerais: mais de 1 bilhão de reais investidos em fontes renováveis (Divulgação/Divulgação)

A próxima década está sendo chamada de “década da ação”, em que as promessas de transição energética para uma matriz mais limpa vão sair do plano das ideias e entrar no dia a dia de capitalistas ao redor do mundo. A Agência Internacional de Energia (IAE), em seu mais recente estudo de cenário futuro, concluiu que o pico de emissões de carbono do mercado de energia aconteceu em 2019, quando foram geradas mais de 35 gigatoneladas de gás carbônico.

Na trajetória pré-pandemia, em 2030 a previsão era atingir 37,5 gigatoneladas. Agora, no pior e improvável cenário, a década termina com uma estabilidade nas emissões e, no cenário mais otimista, o volume de carbono cairá para menos de 27 gigatoneladas. Os investimentos anuais em energia limpa deverão triplicar nos próximos dez anos para algo como 2,7 trilhões de dólares.

Brasil renovável

Por ora, essa revolução verde ainda tem um longo caminho pela frente nas empresas. Segundo a pesquisa de outubro do Pacto Global, iniciativa da Organização das Nações Unidas para fomento da agenda verde nas empresas, 84% dos executivos entrevistados mundo afora disseram já ter aderido aos Objetivos, mas só 39% acreditam que suas metas são ambiciosas e pautadas em critérios científicos.

“Os próximos anos serão a última chance de atingir os Objetivos da Agenda 2030”, diz Carlo Pereira, diretor executivo do Pacto Global no país, referindo-se aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), conjunto de metas socioambientais colocadas pela ONU às empresas a ser atingidas em 2030.

A depender dos investidores, passou da hora de o capitalismo ser mais verde. Até 2024, perto de 40% dos ativos em circulação nos mercados de capitais serão lastreados em algum pilar ESG, sigla em inglês para a governança ambiental e social das empresas, segundo uma pesquisa recente da gestora BlackRock, a maior do mundo, com 8 trilhões de dólares na carteira. Em mercados desenvolvidos, como o europeu, essa fatia vai beirar 50%. Por lá, a maioria dos investidores já olha para métricas como o Acordo de Paris e os ODS na hora de traçar estratégias.

Em meio à transição energética, as oportunidades para as energias renováveis são vastas no Brasil. Até novembro deste ano, a geração de energia solar fotovoltaica cresceu 52% em comparação com o mesmo período do ano passado. As plantas de energia solar em solo brasileiro já têm capacidade para 7 gigawatts de energia, algo como metade da usina de Itaipu.

(Arte/Exame)

Pela frente, a tendência é ainda mais pessoas físicas aderirem à energia solar no país. Atualmente, 73% dos painéis estão em residências. “Esse número só deverá crescer nos próximos anos”, diz Rodrigo Sauaia, presidente da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar). Uma consequência da expansão do mercado é o ganho de escala dos fabricantes desse tipo de equipamento — o que, na ponta, deve derrubar ainda mais os custos de instalação da tecnologia. Em dez anos, as despesas com esse tipo de tecnologia caíram 90% e devem seguir nessa toada, diz Sauaia.

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Com mais gente produzindo energia dentro de casa mundo afora e também no Brasil, o preço do quilowatt de energia deve encolher mais 22% até 2050, segundo a consultoria em energia Bloomberg New Energy Finance. Daqui três décadas, as energias solar e eólica vão responder por 56% da demanda mundial de eletricidade, diz a consultoria. Hoje, essas fontes respondem a 19% da demanda global.

Investimento de gigantes 

A popularidade da energia solar no país abre mercados a empresas de todos os portes. A fabricante de sistemas fotovoltaicos Renovigi, por exemplo, reportou um crescimento anual superior a 100% nos últimos três anos e cresceu 50% em 2020, apesar da pandemia. A estimativa é que a empresa fature 750 milhões de reais até o fim do ano e, em 2021, 1,5 bilhão de reais. A empresa está negociando a venda de até 51% de suas ações com um grupo de investidores.

A principal aposta da Renovigi está na popularização das placas solares. “Percebe-se uma grande oportunidade de negócio, especialmente na classe C”, afirma Gustavo Müller Martins, presidente da companhia. “Estamos trabalhando junto com instituições financeiras para viabilizar o financiamento de longo prazo.”

Além da energia solar fotovoltaica, o já conhecido potencial do Brasil na produção de eletricidade a partir do vento também encoraja os investimentos de grandes empresas. Em 2019, a Ambev anunciou a construção de um parque eólico de 1.600 hectares na Bahia. Quando inaugurado, o espaço será capaz de produzir energia para abastecer toda a produção das cervejas da marca Budweiser no Brasil e evitará a emissão de 20.000 toneladas de carbono por ano, o equivalente a 35.000 carros.

O compromisso da Ambev com a energia limpa começou há dois anos, quando a companhia anunciou a meta de ter 100% da eletricidade vinda de fontes renováveis. A empresa já destinou mais de 1 bilhão de ­reais para projetos voltados para esse fim. Neste ano, a cervejaria anunciou a construção de 48 usinas solares — 17 unidades a mais do que o previsto em 2019 — em 21 estados até o primeiro trimestre de 2021. O objetivo da cervejaria é abastecer 100% dos centros de distribuição com esse tipo de energia limpa. “Ao investirmos em fontes renováveis, estamos atuando para o cuidado do hoje e vislumbrando um futuro próspero para as próximas gerações”, diz Leonardo Coelho, diretor de sustentabilidade e suprimento da Ambev.

O Brasil é o sétimo colocado entre os países com a maior capacidade instalada em energia eólica. Com novos leilões e novos contratos de mercado livre, no entanto, esses números tendem a ser ainda maiores. Para Elbia Gannoum, presidente da ABEEólica, associação das geradoras de energia eólica no país, o Brasil está na fronteira global no tema.

“Estamos buscando alternativas para complementar uma matriz de energia elétrica 58% mais limpa do que a média mundial”, diz. Com a pandemia, o processo de transição e a busca por uma economia de baixo carbono se tornou ainda mais forte e, de acordo com Gannoum, para perseverar no mercado em momentos de mudanças, como o atual, as empresas precisam pensar em retornos financeiros pelos próximos 20 ou 30 anos.

Na maior economia do planeta, os Estados Unidos, esse tipo de transição energética deverá ganhar força em 2021 com a Presidência do democrata Joe Biden. O presidente eleito nomeou como assessor especial para o clima o colega democrata John Kerry, secretário de Estado no governo de Barack Obama e responsável pela adesão dos Estados Unidos ao Acordo de Paris, de 2015, que estabeleceu metas para a emissão de carbono nas principais economias do planeta. Kerry será uma espécie de “czar do clima” no gabinete de Biden e já prometeu bombar os investimentos em energia limpa no país — e colocar de novo os americanos no pacto global para limitar o aquecimento global a 2 graus Celsius até 2050.

Cerimônia dos cinco anos do Acordo de Paris, em dezembro de 2020: até agora, pouco avanço na agenda do clima (Christophe Archambault/AFP)

Texas, uma potência verde

O governo Biden deve acelerar investimentos privados em energia limpa. No ramo de combustíveis, as refinarias americanas estão investindo pesado num novo tipo de diesel, com material orgânico como óleo de soja e gordura, e chamado de “verde”. A consultoria S&P Global, focada em petróleo, prevê que já em 2022 a produção da versão verde do diesel chegue a 1,4 bilhão de galões por ano — 20% do patamar anual de fabricação do tipo convencional.

No Texas, origem de um quinto da energia consumida nos Estados Unidos e estado com a maior produção entre os 50 da federação americana, as energias limpas, em especial a eólica, já passaram o carvão como fonte número 1 para geração de eletricidade. No ano passado, um em cada quatro contratos de energia renovável no mundo foi assinado no Texas. No mesmo período, o estado consolidou-se no topo da produção de energia renovável nos Estados Unidos.

Para a próxima década, permanecerá a ideia de que investir em energia limpa é investir na retomada econômica, seja pela geração de emprego, seja pelo alinhamento com o desenvolvimento sustentável. O grande desafio de países como o Brasil e os Estados Unidos será lidar com a abundância de recursos e ofertar preços mais atraentes de modo a despertar o interesse de investidores e a criatividade dos empreendedores.

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