Revista Exame

A conta que vem da China

Maior autoridade em meio ambiente chinês, a americana Judith Shapiro diz que o país está exportando seus problemas — e o mundo todo vai pagar por isso

Judith Shapiro, da American University: “Se a China não parar de poluir, o planeta não vai resistir” (Gilberto Tadday/EXAME.com)

Judith Shapiro, da American University: “Se a China não parar de poluir, o planeta não vai resistir” (Gilberto Tadday/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 11 de outubro de 2012 às 09h22.

São Paulo - E m cerca de 20 anos, a China saiu de uma situação de quase irrelevância no cenário econômico para o posto de maior potência industrial do mundo, responsável por quase 20% da produção global. Lojas e supermercados de todos os continentes foram invadidos por produtos made in China, os preços das manufaturas caíram — o que, em alguns casos, ajudou a controlar a inflação —, mas tudo isso teve um custo.

Para a antropóloga americana Judith Shapiro, diretora do Programa de Recursos Naturais e Desenvolvimento Sustentável da American University, em Washington, a principal vítima do progresso chinês foi o meio ambiente, tema de seu último livro China’s Environmental Challenges (“Os desafios ambientais da China”, numa tradução livre).

“A sua ânsia por matérias-primas e suas fábricas estão deixando marcas que extrapolam as fronteiras do país”, diz Judith, que deu a seguinte entrevista a EXAME.  

EXAME - Qual é a dimensão dos danos ambientais na China?

Vinte das 30 cidades mais poluídas do mundo estão na China, principalmente em consequência do uso intensivo de carvão. De todos os rios e lagos do país,­ 75% estão tão sujos que a água é imprestável até mesmo para o uso agrícola.

Cerca de 560 milhões de moradores de áreas urbanas respiram ar com qualidade considerada inaceitável na Europa e nos Estados Unidos. Estima-se que 750 000 pessoas anualmente morram em decorrência de questões relacionadas à poluição de alimentos. A população chinesa está muito brava com tudo isso.

EXAME - Num regime autoritário, como essa insatisfação popular pode se traduzir em mudanças?

Alguns setores do governo já perceberam a importância de se desenvolver de forma sustentável, e tenho certeza de que a opinião pública pesou em favor dessa mudança. As metas do país para os próximos cinco anos mostram essa preocupação. Mas é certo que há limitações.

Como há muita corrupção, as leis não são rigidamente seguidas. A sociedade poderia ter um papel importante se tivesse coragem de denunciar casos irregulares, como o que aconteceu com o leite em pó que contaminou milhares de crianças há alguns anos. Mas o regime vigente impede isso.

EXAME - Procede a acusação de que a China  exporta sua poluição?

A maioria das questões ecológicas na China tem impactos que vão além de suas fronteiras. Barragens que estão sendo construídas afetam o abastecimento de água de países como Laos, Tailândia e Vietnã. Para suprir suas fábricas, os chineses importam matérias-primas de várias partes do mundo.


Levados pelo vento, os poluentes produzidos na China chegam a Paquistão, Japão, Rússia e até Estados Unidos. A China é a maior fonte de poluição de mercúrio no Oeste americano. Fora isso, os chineses estão transferindo suas fábricas poluidoras para outros lugares. As emissões de gases da China e de suas­ empresas no exterior são um problema dos chineses e também nosso.

EXAME - Os países desenvolvidos poluíram no passado. Poluir não é um direito da China para também crescer?

Parte do governo defende que o país pode seguir o mesmo modelo de industrialização que os países do Ocidente adotaram no passado. Do ponto de vista dessas pessoas, há várias razões para isso. Apesar dos avanços das últimas décadas, a China ainda tem milhões de pobres.

Isso sem contar que manter o crescimento econômico e o sonho da  ascensão social é uma garantia para evitar protestos sociais. Dados o histórico dos países ricos na área ambiental e a situação política chinesa, muitos membros do Partido Comunista sustentam que o país poderia passar por uma etapa de sujeira e poluição para depois “limpar-se”. 

EXAME - Esse caminho é possível?

Claramente, não. Essa lógica não funciona hoje. Existem substâncias novas e muito mais tóxicas do que no passado. É bem possível que não se consiga limpar o que for sujado. Quando se destrói um ecossistema, se mata um rio ou se deposita lixo nuclear em uma região, não dá para recuperar depois.

Seria ótimo se toda a população da China tivesse um apartamento e um carro. Mas o ar está tão poluído que milhões de chineses dizem não se sentir saudáveis. Hoje, todos se perguntam se existem formas de desenvolvimento que combinem crescimento e sustentabilidade. O mundo todo está engajado tentando achar soluções.

EXAME - A China é a líder em produção de painéis solares e turbinas eólicas. Isso indica que fará uma transição para um modelo menos poluente?   

O impacto ambiental desses esforços pode ser menor do que parece, porque a China ainda depende fortemente da queima de carvão, com todos os seus problemas ecológicos. A expectativa para os próximos anos é que o país continue a emitir grandes quantidades de dióxido de carbono. O ponto é que, para cada notícia boa sobre energias limpas na China, ainda há muitas outras desanimadoras.

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