Em livro lançado recentemente no Brasil, Philip Kotler fala sobre equilíbrio entre humanização e tecnologia (Sanjeev Verma/Hindustan Times/Getty Images)
Editora-assistente de Marketing e Projetos Especiais
Publicado em 15 de agosto de 2024 às 06h00.
Última atualização em 15 de agosto de 2024 às 16h09.
Considerado o “pai do marketing moderno”, Philip Kotler, aos 93 anos, segue influenciando a Academia e as práticas empresariais. O economista e professor americano da escola de negócios Kellogg, da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, lançou seu primeiro livro, Administração de Marketing, ainda na década de 1960. Agora, mais de 60 anos depois, ele traz ao Brasil a versão traduzida de sua obra Marketing H2H: A Jornada para o Marketing Human to Human, publicada originalmente em 2021.
Recém-lançada no país pela Editora Benvirá, a nova edição conta com a coautoria de Uwe Sponholz, Waldemar Pfoertsch e do brasileiro Marcos Bedendo, e introduz pela primeira vez a evolução dos 4 Ps (produto, preço, praça e promoção) para as empresas da era pós-industrial. A obra propõe uma humanização das práticas de marketing, enfatizando as conexões genuínas, a promoção da ética e o senso de comunidade. A EXAME CEO convidou seis diretores de marketing (CMOs) de grandes empresas no Brasil para “entrevistar” os autores. Acompanhe.
→ Leonardo Queiroz, CMO da Cogna: Como as empresas podem adotar o “marketing do futuro” conforme o H2H, superando práticas antigas, e como equilibrar essa mudança cultural com as exigências de curto prazo enfrentadas pelos CMOs?
Philip Kotler: O marketing do futuro usará marketing digital, marketing de mídia social, marketing na internet, marketing de influenciadores e inteligência artificial (IA). A principal necessidade é adicionar o toque humano a esse marketing altamente técnico. A mensagem H2H é que o high touch [alta interação] é tão importante para o marketing bem-sucedido quanto o high tech [alta tecnologia].
Marcos Bedendo: Kotler ressalta a crescente complexidade dos canais de marketing, que se dividem em canais mais controláveis e menos controláveis. Embora muitos desses meios sejam digitais, o conceito de que o marketing se tornará puramente técnico, como no caso da mídia programática, é uma ilusão. Na verdade, os canais de alta tecnologia são, em sua essência, de alta interação, oferecendo oportunidades para diálogos e trocas que eram inviáveis nos canais tradicionais. A IA será o vetor de humanização de canais digitais, já que ela pode processar um grande conjunto de interações e informações de forma mais personalizada e autêntica.
Waldemar Pfoertsch: Implementar o “marketing do futuro” com a abordagem H2H requer a superação de práticas antigas e o equilíbrio entre mudanças culturais e entregas de curto prazo. Em primeiro lugar, é fundamental abraçar a mudança, inovar e adotar novas tecnologias, mesmo sem dominá-las por completo. Invista no treinamento dos funcionários para desenvolver uma mentalidade centrada no cliente e promover a colaboração entre departamentos. Alinhe os objetivos da empresa com os princípios H2H, priorizando relacionamentos e experiências, construindo uma visão de longo prazo. Avalie o impacto e ajuste suas estratégias com base no feedback dos clientes para assegurar um sucesso contínuo. Só os melhores produtos vão sobreviver. E a participação do cliente é chave para garantir o sucesso contínuo de suas ofertas.
→ Renata Gomide, CMO do Grupo Boticário: Quais aspectos das mudanças no comportamento do consumidor e nas tendências de consumo se consolidaram e devem ser considerados pelas marcas para evoluir suas estratégias?
Philip Kotler: Os consumidores de hoje têm acesso instantâneo a uma vasta quantidade de informações ao escolher suas marcas. Eles podem pesquisar concorrentes, ler opiniões de outros consumidores ou consultar amigos em questão de segundos. Estude as influências e os processos que impactam suas escolhas. Ao desenvolver campanhas publicitárias, opte por influenciadores que apresentem uma qualidade mais humana e agradável. Participe da conversa de forma agradável. As pessoas querem se relacionar com quem é agradável e entregam informações relevantes.
Marcos Bedendo: A principal tendência que se consolida é a transparência nas relações entre empresas e consumidores, que, se bem empregada, gera relações francas e de longo prazo. As empresas não podem mais ocultar a verdade, pois ela está facilmente acessível por meio de buscas no Google, Instagram ou TikTok. É importante que os influenciadores de marca sejam autênticos e humanos, em vez de meros veículos para postagens de recomendações sobre produtos. O marketing H2H é o marketing da transparência e da relação humana, da relação verdadeira e agradável.
Waldemar Pfoertsch: Para se adaptar às mudanças no comportamento do consumidor, as marcas devem observar algumas tendências fundamentais. A sustentabilidade e o consumo ético são prioridades crescentes, mesmo que haja uma diferença entre intenção e ação. As empresas devem ser transparentes e adotar práticas ecológicas para atender a essa demanda. A transformação digital, acelerada pela pandemia, exige que as marcas priorizem sua presença online e adotem estratégias omnicanal. A personalização e a experiência do cliente são essenciais, utilizando dados e inteligência artificial para oferecer interações personalizadas. A saúde e o bem-estar ganharam destaque, e as marcas devem focar em produtos que promovam esses aspectos. Conveniência e experiências sem atritos são altamente valorizadas, de modo que simplificar processos e oferecer opções rápidas é vital. Além disso, a responsabilidade social e a inclusão são cada vez mais importantes para os consumidores, que buscam marcas que apoiem causas sociais e representem a diversidade. Adaptar-se a essas tendências ajudará as marcas a fortalecer relacionamentos, aumentar o engajamento e manter a competitividade.
→ Sergio Eleutério, CMO do McDonald’s: Talvez duas das grandes tendências presentes no livro H2H, e na prática cotidiana, sejam a humanização e a digitalização — agora com a IA. Como as empresas podem integrar esses aspectos em seus relacionamentos com os consumidores?
Philip Kotler: As empresas precisam evoluir do pensamento transacional para o pensamento humanista. Pergunte-se: quem é a pessoa que acabou de fazer um pedido no McDonald’s? Como o atendente a acolhe e agradece a visita? Como são as comunicações digitais depois desse consumo? A interação é calorosa e respeitosa ou fria e impessoal? O atendente consegue ser lembrado sobre as características do cliente, reconhecê-lo e fazer ofertas específicas em visitas futuras?
Marcos Bedendo: A IA vai facilitar a humanização no atendimento ao cliente. Sua capacidade de identificar consumidores, resgatar informações sobre eles e direcionar o atendimento de um vendedor faz da tecnologia uma revolução no mundo de serviços. Com a IA, é possível oferecer um atendimento caloroso, respeitoso e humano, que se baseia em interações anteriores e as utiliza em futuros contatos, mesmo em escala massiva. Portanto, é crucial adotar essa tecnologia quanto antes. Em breve, não haverá mais atendimento que não seja humanizado.
Waldemar Pfoertsch: Para integrar digitalização e humanização no relacionamento com os consumidores, é essencial combinar tecnologia com um toque pessoal. Utilize dados e IA para personalizar a comunicação, tornando cada interação única. Chatbots e assistentes virtuais ajudam no atendimento rápido, mas sempre com a possibilidade de contato humano. Incentive seus clientes a compartilharem experiências e feedbacks, pois isso traz autenticidade. Conte histórias verdadeiras sobre sua marca para criar uma conexão emocional. Treine sua equipe para ser empática e emocionalmente inteligente. Envolva os consumidores no desenvolvimento de produtos e garanta uma experiência omnicanal fluida. Cuide da privacidade e segurança dos dados para manter a confiança. Assim, você consegue unir a eficiência da tecnologia com o toque humano que fortalece as relações.
→ Cesar Nicolau, CMO da Ypê: Como as empresas podem equilibrar a personalização extrema de suas ofertas, produtos e serviços para atender às expectativas individuais dos consumidores, sem comprometer a consistência e a essência da marca?
Philip Kotler: Concordo que a personalização intensa, atendendo a todas as necessidades especiais de cada cliente, pode diluir a essência da marca. Se surgirem sinais de um branding confuso, é um indicativo de que a personalização está excessiva e precisa ser ajustada para manter a clareza e a identidade da marca. Mas existem muitas formas de interação, para além dos produtos, que podem ser personalizadas para garantir a conexão e humanização do relacionamento entre marcas e consumidores.
Marcos Bedendo: O branding deve servir como um guia para a personalidade da marca. Assim como os seres humanos têm múltiplas facetas e ajustam levemente sua personalidade para se adaptar a diferentes interações, as marcas também podem exibir diversas dimensões. No entanto, a sua essência deve permanecer consistente. Essa é a forma de utilizar a marca corretamente: como uma orientação para as eventuais personalizações.
Waldemar Pfoertsch: É importante definir diretrizes claras que reflitam os valores e a identidade da marca. Use a segmentação para compreender diferentes grupos de consumidores e personalize dentro desses segmentos, preservando a voz e os valores da companhia em todas as comunicações. Ofereça opções de customização que estejam alinhadas com a estética da marca, permitindo que os consumidores personalizem suas experiências sem comprometer a sua essência. Recolha feedbacks regularmente e adapte suas estratégias, garantindo que cada interação, seja digital, seja humana, reforce os elementos fundamentais da marca.
→ Cecilia Bottai, vice-presidente de marketing do Grupo Heineken: Como uma marca premium de consumo massivo pode permanecer inovadora e culturalmente relevante?
Philip Kotler: Descubra quais são as novas preocupações emergentes dos consumidores brasileiros. Selecione uma dessas novas preocupações e mostre que o Grupo Heineken está respondendo de forma inteligente a essa preocupação. Estude também outros casos de marcas grandes que obtiveram sucesso por meio de marketing inovador para obter novas ideias úteis.
Marcos Bedendo: Como Kotler sugere, trata-se de um processo de escolha, que deve estar alinhado à marca. Acompanhar as preocupações e as tendências de mercado é uma necessidade constante para as empresas, mas é impossível prever quais tendências se tornarão culturalmente relevantes no futuro. Por isso, é preciso selecionar preocupações relevantes que estejam em sintonia com a marca e monitorá-las ativamente, interagindo e participando das discussões em torno delas. Isso assegura que a marca esteja envolvida caso aquela tendência se torne significativa. Um exemplo interessante é o envolvimento da Heineken com a cerveja sem álcool, uma tendência na qual a companhia se tornou referência. Embora marcas menores possam enfrentar mais desafios nesse processo, grandes marcas globais como a Heineken têm os recursos necessários para agir proativamente em múltiplas tendências.
Waldemar Pfoertsch: Para uma marca premium de consumo massivo se manter inovadora e culturalmente relevante, é essencial equilibrar tradição e inovação. Parcerias com influenciadores, artistas e outras marcas podem trazer frescor e alcançar novos públicos. Monitorar tendências culturais e comportamentos do consumidor ajuda a antecipar mudanças no mercado. Engajar-se com subculturas e lançar campanhas de marketing criativas e não convencionais pode atrair a atenção. Abraçar questões sociais e utilizar tecnologias digitais, como realidade aumentada e realidade virtual, e mídias sociais para criar experiências interativas também são essenciais. Manter a qualidade e exclusividade dos produtos, honrar a herança da marca com um toque moderno e ouvir o feedback dos consumidores garantem que a marca continue desejável e atual.
→ Leonardo Cirino, CMO da Exame: Como as empresas podem integrar as audiências de redes sociais e o conteúdo criado por creators com o público e o conteúdo da mídia tradicional para fortalecer suas estratégias de marketing?
Philip Kotler: O grupo de marketing de uma empresa deve ser habilidoso em mídias sociais e em mídias tradicionais. Descubra se há alguma conversa sobre sua marca, positiva ou negativa, nas redes sociais. Descubra qual mensagem transmitir sobre sua marca nas redes sociais. Certifique-se de que a mesma mensagem apareça também na sua mídia tradicional.
Marcos Bedendo: Kotler privilegia a visão de comunidade ao destacar a importância de se observar as conversas nas redes sociais. Elas refletem a comunicação genuína e espontânea, pois acontecem fora do controle direto da marca. No passado, monitorar essas conversas era inviável, mas hoje isso é possível. Se uma empresa souber identificar e entender essas discussões de forma hábil, poderá direcionar mensagens mais relevantes e envolventes que estão ocorrendo nas redes sociais para as mídias tradicionais.
Waldemar Pfoertsch: Sugiro adotar uma narrativa de marca unificada, garantindo consistência na mensagem e utilizando storytelling para estabelecer uma conexão emocional com o público. Campanhas integradas que combinem mídias tradicionais e digitais podem potencializar as forças de cada plataforma. Incentive a criação e o compartilhamento de conteúdo gerado pelos usuários, destacando as melhores contribuições em campanhas de mídia tradicional. Colabore com influenciadores que compartilhem os valores da marca para trazer uma perspectiva autêntica e inovadora. Use dados analíticos para entender as preferências do público e criar experiências personalizadas. Formatos de conteúdo inovadores e interativos, como vídeos ao vivo e realidade aumentada, podem ser promovidos nas redes sociais e destacados na mídia tradicional, incentivando a interação do público em várias plataformas.