hero_Hidrogênio verde: por que o Brasil não vai perder esse bonde bilionário

Usina de produção de hidrogênio verde na Espanha: abundância de fontes renováveis de energia torna o combustível viável comercialmente (Getty Images)

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Hidrogênio verde: por que o Brasil não vai perder esse bonde bilionário

O combustível do futuro pode atrair 27 bilhões de dólares em investimentos e, dessa vez, o país corre pouco risco de perder a corrida

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Hidrogênio verde: por que o Brasil não vai perder esse bonde bilionário

O combustível do futuro pode atrair 27 bilhões de dólares em investimentos e, dessa vez, o país corre pouco risco de perder a corrida

Usina de produção de hidrogênio verde na Espanha: abundância de fontes renováveis de energia torna o combustível viável comercialmente (Getty Images)

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Por Rodrigo Caetano

Publicado em 07/03/2023, às 07:00.

Última atualização em 09/08/2023, às 16:33.

A oportunidade não bate duas vezes na porta

O Brasil passou por alguns ciclos econômicos desde que foi colonizado pelos portugueses. Desperdiçou todos. Ok, essa é uma afirmação superficial, afinal, em todas essas fases houve avanços sociais e tecnológicos. O atual estágio de desenvolvimento brasileiro, no entanto, é que deixa esse gosto amargo de “poderia ter sido melhor”. Por isso, toda vez que uma nova oportunidade se apresenta à nação, não faltam céticos para lamentar, de antevéspera, a perda do trem.

Quando o tema do hidrogênio verde surgiu como possibilidade de pauta na redação da Exame, nesta semana, não foi diferente. Um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) motivou o interesse. O estudo mostra que foram anunciados projetos de construção de fábricas do combustível no país que somam 27 bilhões de dólares. Há investimentos prometidos de Alemanha, Austrália, França, Holanda, Portugal e do Brasil, capitaneados por uma dúzia de empresas.

“Não sei, parece bom demais. Não gosto disso”, afirmou Luciano Pádua, editor de Brasil da EXAME, deixando transparecer um misto de desconfiança jornalística e ceticismo nacional. Parece bom demais para ser verdade mesmo. Mas que há motivo para otimismo ufanista, há. A menos que o governo proíba o hidrogênio verde, tem pouca coisa que pode ser feita para barrar essa dinheirama.

Os investimentos anunciados em hidrogênio verde no Brasil ultrapassam 27 bilhões de dólares (Angel Garcia / Bloomberg via Getty Images)

A serra pelada do hidrogênio verde

O que faz do Brasil uma potência do hidrogênio verde é um conjunto de fatores naturais e energéticos. Primeiro, há que se considerar a disponibilidade de recursos naturais para a produção do hidrogênio, tanto o chamado “cinza”, que usa como matéria-prima o gás natural, um combustível fóssil, quanto o verde, produzido a partir da água.

Em segundo lugar, a matriz elétrica majoritariamente limpa. O processo de produção do hidrogênio verde consiste, basicamente, em separar as moléculas de oxigênio e hidrogênio presentes na água (h2O). Para isso, usa-se a eletrólise, um processo industrial que demanda muita energia. Só é possível produzir hidrogênio verde com energia limpa, sendo as fontes mais indicadas a eólica e a solar. Nenhum outro país no mundo tem a disponibilidade de energia renovável que o Brasil tem.

Por último, está o potencial de crescimento das fontes renováveis. Há uma discussão, principalmente na Europa, sobre a necessidade de considerar uma capacidade adicional de geração limpa para que o hidrogênio seja considerado verde, ou seja, se um país precisa substituir a energia renovável usada na produção do combustível por outra não renovável, não poderá certificar o produto. Isso representa um obstáculo para os europeus, cuja capacidade de geração é menor por questões de clima e geografia. No Brasil, ainda há muita margem para crescimento.

Fabrica da Thyssen Krup, na Alemanha: a indústria pesada é um dos principais mercados para o hidrogênio verde (Getty Images)

A economia do hidrogênio

Desde a década de 70, a demanda por hidrogênio (cinza, no caso) triplicou. Esse mercado alcança, globalmente, cerca de 120 bilhões de dólares, sendo a China o maior produtor, com uma capacidade superior a 30 milhões de toneladas por ano. A indústria pesada e o setor de fertilizantes são os maiores consumidores do produto.

O hidrogênio cinza, no entanto, não é nada sustentável. Segundo o Ipea, a produção do combustível a partir do gás natural gera, por ano, mais de 800 milhões de toneladas de carbono, o equivalente às emissões do Reino Unido e da Indonésia somadas. Na América Latina, a produção do hidrogênio emite mais do que toda a frota de veículos da Colômbia. Apenas 2% do hidrogênio no mundo é produzido a partir da eletrólise da água.

É interessante notar que, ainda segundo o Ipea, o Brasil já foi um grande produtor de hidrogênio verde, embora essa nomenclatura não existisse, nas décadas de 20 e 60. A expansão da energia hidrelétrica viabilizava essa produção, mas, posteriormente, foi substituída pelo gás natural, mais competitivo em termos de custo. A tecnologia, portanto, não é nova. A mudança está na disponibilidade de energia limpa e barata.

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Os pioneiros

É natural, portanto, que uma das primeiras iniciativas brasileiras na área venha do setor petroquímico. Tradicional indústria química, fundada há 57 anos, a Unigel é a brasileira mais avançada na construção de uma fábrica de hidrogênio verde. A empresa está investindo 120 milhões de dólares na primeira fase do projeto, cujo investimento total prevê alcançar 1,5 bilhão de dólares. “Esperamos concluir essa fase no final deste ano”, disse à EXAME Luiz Felipe Fustaino, diretor-executivo da companhia.

O investimento será feito com capital próprio e financiamento junto a bancos de fomento, notadamente o BNDES e o banco de fomento alemão. A ideia é usar a produção na fábrica de fertilizantes da Unigel (a empresa é a maior produtora do Brasil) e exportar o combustível no formato de amônia. Fustaino explica que é impossível transportar o hidrogênio puro, pois sua versão liquefeita exige temperaturas próximas ao zero absoluto. A saída é exportar o combustível processado. No destino final, a amônia pode ser quebrada para retirar o hidrogênio, ou usada no próprio processo industrial.

"Na Europa, especialmente na Alemanha, a intenção é ter um estoque de amônia que pode ser utilizado para a produção de energia nos períodos em que as renováveis estão com a capacidade reduzida"Luiz Felipe Fustaino, diretor-executivo da Unigel

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Pontos fortes, pontos fracos e o papel do governo

O que pode impedir que a agenda do hidrogênio verde se estabeleça no Brasil? Segundo Marcos Oliveira Costa, coordenador da Agência de Cooperação Técnica da Alemanha (GIZ), entidade controlada pelo governo alemão responsável por estabelecer parcerias com o setor privado de outros países, as aplicações e a demanda existem. "O próximo passo é preparar as condições para que exista avanço pelo lado brasileiro”, afirma.

Costa aponta que há uma demanda reprimida por hidrogênio verde, abarcando setores variados, da indústria pesada, passando pelo agronegócio (fertilizantes) e chegando aos setores naval e de aviação. Para a União Europeia, o combustível é estratégico nos esforços de descarbonização, tanto em relação à oferta de eletricidade, quanto de energia para transportes. “O governo brasileiro já iniciou o diálogo”, diz.

Em 2021, o governo brasileiro apresentou, no Fórum Ministerial do Diálogo de Alto Nível das Nações Unidas sobre Energia, da ONU, compromissos voluntários em biocombustíveis e hidrogênio, como contribuição nacional para acelerar o cumprimento das metas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 7 (ODS 7), que prevê acesso universal a energias limpas. No ano seguinte, foram publicados dois marcos legais que afetam diretamente o segmento:

  • Decreto no 11.075, de 19 de maio de 2022, criando o mercado regulado de carbono no Brasil
  • Projeto de Lei (PL) no 725/2022, que inclui o hidrogênio como fonte energética na matriz brasileira e estabelece metas para a sua inserção nos gasodutos nacionais, sendo adicionado até 2032 o percentual mínimo de 5% de hidrogênio na rede de gasodutos, e 10% até 2050

Dentro desses percentuais, 60% deve ser hidrogênio sustentável – de fontes energéticas como solar, eólica, biomassas, biogás e hidráulica até 2032, com aumento de participação de 80% até 2050

Mas, como em tudo na vida, existem pontos de atenção a serem considerados, e o Ipea listou alguns deles:
  • Estabelecer um papel para o hidrogênio nas estratégias de energia a longo prazo. Governos nacionais, regionais e municipais podem orientar as expectativas futuras.
  • Estimular a demanda comercial por H2V. Políticas que criam mercados sustentáveis para o H2V, especialmente para reduzir as emissões do hidrogênio a partir de combustíveis fósseis, vão atrair investimentos e empregos nos fornecedores, distribuidores e usuários.
  • Abordar os riscos de investimento dos iniciantes. Empréstimos, garantias e outras ferramentas direcionadas e com prazo limitado podem ajudar o setor privado a investir, aprender e compartilhar riscos e benefícios.
  • Apoiar P&D para reduzir custos. Ações do governo, incluindo o uso de fundos públicos, são importantes para definir a orientação de áreas de pesquisa, diminuir riscos e atrair capital privado para a inovação.
  • Eliminar barreiras regulatórias desnecessárias e harmonizar padrões. As complexas cadeias de geração de hidrogênio demandam que governos, empresas, comunidades e sociedade civil estabeleçam um diálogo regularmente.
  • Envolver-se internacionalmente e acompanhar o progresso. É necessária uma cooperação internacional aprimorada em toda a cadeia, mas especialmente em padrões, compartilhamento de boas práticas e infraestrutura transfronteiriça.
  • Concentrar os esforços em quatro oportunidades principais: i) substituição do hidrogênio cinza pelo H2V no uso industrial; ii) injetar hidrogênio nas redes de gás natural; iii) utilizar o hidrogênio na eletromobilidade; e iv) exportação do hidrogênio.
Ainda que os riscos existam, dessa vez, será difícil justificar o fracasso.

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