Todos os olhos no BC
O Banco Central (BC) sinalizou, no comunicado divulgado na quarta-feira, 21, que pode cortar a Selic nas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom). Entretanto, o tom adotado no documento oficial fez o mercado divergir se o movimento começará em agosto ou setembro. Na prática, alguns analistas interpretam que a porta foi apenas destrancada e outros avaliam que a porta está aberta para a queda de juros.
A decisão de ontem surpreendeu, em certa medida, os agentes econômicos. Esperava-se um comunicado "dovish" - mais propício à queda de juros, na linguagem do mercado. Contudo, o recado saiu mais "hawkish" - incisivo em alertar que o processo desinflacionário está mais lento do que o esperado.
A linguagem pode tensionar -- ainda mais -- os ânimos da discussão de política monetária, que invadiu o noticiário político geral desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou a mirar na alta taxa de juros em fevereiro. Nos últimos meses, membros do Executivo centraram críticas coordenadas à Selic como um fator que impede o crescimento econômico. Nesta quinta, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já criticou a falta de sinalização explícita.
Queda em agosto
Apesar da decepção de parte do mercado, que esperava um sinal mais claro do início da queda de juros pelo BC, o economista-chefe do banco BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME), Mansueto Almeida, afirma que o ciclo de cortes da Selic deve começar em agosto, se a expectativas de inflação continuarem em queda.
“Como os dados de inflação estão melhorando para este ano e a expectativa para os próximos três anos, caindo, acho muito provável que o corte de juros comece em agosto. Esse cenário ficará ainda mais provável com a manutenção da meta de inflação em 3% na próxima reunião do CMN”, diz.
Há três meses, o BTG esperava uma alta de 6,2% da inflação e essa projeção caiu para 4,9%, com viés de baixa. Segundo Almeida, uma inflação menor este ano, ajuda também em taxas menores nos próximos anos.
“E o BC vai mirar a convergência para meta não em 2024, mas em 2025. Para o próximo ano, 2024, ainda estamos com IPCA em 4%, mas devemos revisar para baixo. Mas mesmo com essa taxa e mesmo que o BC comece corte de juros em agosto, ainda teremos no início do próximo ano uma taxa de juros real muito elevada, não muito diferente do patamar atual", afirma. "Ou seja, na minha visão, há espaço para corte de juros pelo BC a partir de agosto.”
Segundo ele, a expectativa de melhora fiscal tem ajudado nas estimativas de inflação, mesmo que o mercado ainda não consiga calcular a meta de resultado primário zero, prometida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
“Na minha visão, a atividade está muito fraca e o que vai salvar o crescimento este ano será o crescimento da produção agrícola. Consumo e investimento vieram fracos na composição do PIB do primeiro trimestre. O PIB mais ‘forte’ este ano é algo muito localizado e não reflete melhora da economia. Logo, a surpresa do PIB não deve prejudicar o cenário de queda de inflação e da flexibilização da política monetária no segundo semestre”, diz.
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BC foi cauteloso
Na avaliação do estrategista-chefe do Banco Mizuho, Luciano Rostagno, a autoridade monetária está cautelosa diante do histórico de inflação alta no Brasil, cuja economia é altamente indexada. Segundo ele, esse ambiente favorece a postura do BC, que reconheceu avanços ao sinalizar as quedas nos preços de commodities e a redução no preço do dólar.
“As projeções [de inflação] do BC foram revisadas para baixo, mas para o horizonte relevante de política monetária ainda permanecem um pouco acima da meta. Também há incertezas sobre a reunião do CMN e os impactos sobre as expectativas de inflação. Isso gera um pouco de incerteza e o BC quer ver como as coisas vão evoluir”, disse.
De fato, desde a reunião de maio do Copom, o BC revisou suas projeções de inflação:
- de 5,8% ao ano para 5% em 2023;
- de 3,6% para 3,4% em 2024.
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Apesar de tudo, um novo comunicado
Embora não tenha dado sinais de que o corte de juros é iminente, Rostagno avalia que o BC indicou implicitamente que esse processo deve ocorrer. O estrategista ilustra o argumento com a retirada do documento da frase que citava uma possiblidade de alta da Selic e o trecho que trazia um cenário alternativo com juros constantes até 2024.
A frase retirada dizia o seguinte:
"O Copom enfatiza que, apesar de ser um cenário menos provável, não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado."
Ou seja, não há mais no texto a menção a um ciclo de alta de juros.
“A questão agora é o timing. O BC está conservador e cauteloso. Ele não destacou o início do ciclo de corte na próxima reunião. Mas isso pode acontecer se o cenário continuar surpreendendo positivamente", afirma o estrategista-chefe do Banco Mizuho. "E há elementos que fazem acreditar que isso pode se concretizar. Por exemplo, os IGPs com forte deflação podem levar o IPCA para deflação em junho.”
O economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, diz que o BC adotou uma comunicação com partes mais “tranquilas” e outras mais “duras”. Para ele, a autoridade monetária não vai explicitar que vai começar o corte de juros em agosto ou setembro, mas indicará que o corte está mais próximo.
“A autonomia do BC está funcionando. Há um problema institucional no país e o BC faz a política monetária independente da pressão do governo. Mesmo com isso, os diretores continuam fazendo um trabalho técnico. Esse é o mandato do BC. Isso vai nos levar sair do outro lado com BC mais crível do que entrou, ao contrário do que aconteceu em 2012, quando cortaram os juros, a inflação subiu a credibilidade ruiu", afirma Camargo. "A autonomia está permitindo que não ocorra um outro episódio similar ao que aconteceu com a diretoria do governo Dilma.”
Para o economista-chefe do banco Pine, Cristiano Oliveira, o BC citou explicitamente o conjunto de fatores que influenciarão os próximos passos para o corte de juros. Segundo ele, o debate sobre núcleos de inflação, a dinâmica inflacionária e as expectativas em prazos mais longos serão observadas com lupa pelo BC.
“Os prazos mais longos não são influenciados pelo câmbio e pela inflação corrente. São influenciados pela meta de inflação. A meta de inflação tem esse poder para atração das expectativas futuras. No momento existem questionamentos sobre do centro da meta de longo prazo. O CMN vai revisar ou confirmar as metas de 2024, 2025 e 2026", diz. "Portanto, o BC está certo nesse aspecto. Ele não pode contar com a decisão antes que ela ocorra.”
Apesar das ponderações, Oliveira esperava um documento menos “duro”. Para ele, outro ponto importante na discussão é o tamanho do corte de juros.
“Com juros nominal estável e expectativa de quedas futuras da inflação, o que está aumentando é o juro real da economia. O que o mercado precifica de queda de 0,25 ponto percentual, daqui a alguns dias será necessária uma queda de 0,5 ponto percentual", diz. "A gente mantém a expectativa de queda de 0,5 pp em agosto por conta do ajuste do juro real, diante das quedas das expectativas de inflação.”
Na opinião do economista-chefe do Banco Master, Paulo Gala, o comunicado do BC foi “mais duro do que se imagina”, mas com alguns sinais de que pode cortar os juros em agosto ou setembro.
Segundo Gala, a autoridade monetária poderia ter reconhecido na comunicação a melhora dos dados econômicos, mas preferiu dar ênfase em indicadores piores.
“Temos mais dados bons do que ruins. A atitude do BC de depender demais da expectativa do Focus é complicada. As pessoas erram muito, não por incompetência, mas porque é difícil prever o futuro. Carregar muito na expectativa do Focus é exagero”, afirma.
E a política nisso tudo?
Como EXAME mostrou, o governo já definiu que pressionará a autoridade monetária por uma redução de pelo menos 0,5 ponto percentual na próxima reunião do Copom, em agosto.
Se levada a ferro e fogo, essa estratégia tem tudo para tensionar ainda mais a interlocução entre o Banco Central e o Executivo.Na próxima semana, o Conselho Monetário Nacional (CMN) se reunirá para discutir o regime de metas para a inflação. Na prática, a reunião, segundo apurou EXAME, pode mudar o horizonte de tempo que o BC utilizaria para controlar a inflação.
Atualmente, esse horizonte é de doze meses. O que se discute é aumentá-lo para 24 meses ou manter uma "meta constante" de inflação, sem prazo definido.
Uma mudança nesses moldes levaria a política monetária nacional a um modelo mais similar ao que é utilizado pelo FED, banco central americano, e por bancos centrais de emergentes como o Chile e o México.
Entre economistas, porém, o debate causa controvérsia. Um horizonte mais longo pode, de fato, levar a uma queda mais rápida da taxa de juros. No entanto, os cortes seriam feitos em menor nível.
Adicione-se a esse ambiente conturbado a chegada de dois novos diretores para a próxima reunião do Copom em agosto. Gabriel Galípolo e Ailton de Aquino Santos, indicados pelo governo Lula para as diretorias de Política Monetária e de Fiscalização do BC, respectivamente, serão sabatinados em 27 de junho e devem participar da reunião do Copom em agosto.
Para a economista Cassiana Fernandez, do J.P. Morgan, os novos membros trarão mais argumentos “baixistas” para a reunião do colegiado.
Seja como for, a disputa pela taxa de juros continuará no centro do debate naci
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Créditos
Antonio Temóteo
Repórter especial de Macroeconomia
Repórter desde 2011, especialista em economia brasileira, fundos de pensão e política monetária. Passagens por Correio Braziliense, UOL e Agência Estado.