De rede social desconhecida ao lugar dos "textões de superação"
No começo de maio, quando EXAME esteve no escritório do Linkedin, na Zona Oeste de São Paulo, o clima era de festa com direito a balões e brigadeiro. A razão? A rede social corporativa, fundada pelo empreendedor Reid Hoffman, completava 20 anos. Naquela mesma semana iriam pipocar postagens de perfis ‘Top Voicers’ (ou não) compartilhando a efeméride e agradecendo a existência da rede social e as conexões e oportunidades profissionais criadas a partir dela.
Essas postagens são, talvez, o exemplo mais simbólico da mudança que aconteceu no Linkedin ao longo da última década: de rede social praticamente desconhecida e usada apenas para quem estava em busca de emprego, a plataforma se tornou uma das principais vitrines profissionais. Se os textões de superação podem incomodar alguns, é difícil não concordar que hoje é raro encontrar quem não use a rede social para vender seu peixe — mesmo que o foco não seja mudar de emprego a curto prazo. O potencial dos “influencers de Linkedin” para manter a rede social viva e relevante é algo que está no radar da plataforma, cuja dona é a Microsoft desde 2016. Não por acaso, em 2015, o Linkedin criou o programa “Top Voicers” para destacar os perfis mais relevantes em diferentes áreas de atuação. E, no ano passado, chegou a oferecer 2,900 dólares em outro programa de aceleração para criadores se especializarem na plataforma.
Ao que tudo indica, a estratégia parece estar sendo bem-sucedida. Nas últimas duas décadas, apesar da queda de popularidade de algumas redes sociais contemporâneas como o Facebook e o Orkut, o Linkedin viu a base dos seus usuários aumentar ano após ano. Atualmente, são 930 milhões de pessoas com perfil no Linkedin pelo mundo. Destes, 65 milhões estão apenas no Brasil, quarta maior comunidade. Em 2022, a receita da rede social cresceu 17% para 14 bilhões de dólares. Os acessos na plataforma avançaram outros 24%.
A rede social também tem conseguido renovar o seu público. Isso porque a participação da Geração Z na plataforma, que em breve se tornará a maior parte da força de trabalho no mundo, também saltou de 4,1% para 35,4% nos últimos dez anos. EXAME conversou com Milton Beck, diretor-geral do Linkedin para a América Latina, para entender como a rede social avalia os últimos 20 anos de vida — e o que ela espera dos próximos 20. Confira na entrevista a seguir:
Milton, você foi um dos primeiros funcionários da operação brasileira do Linkedin, em 2011. O que mudou na rede social nesses anos, especialmente no Brasil?
Na verdade, eu fui o segundo funcionário do Linkedin no Brasil. Quem começou a operação brasileira foi um colega, o Osvaldo, que me contratou. Eu fui para uma divisão de carreira e era responsável por fazer as visitas nas empresas para explicar o que era o Linkedin. Naquela época tínhamos pouco mais de 5 milhões de usuários e, grande parte deles, estavam no meio da pirâmide organizacional. Nós falávamos com diretores de RH e presidentes de empresa e, na cabeça deles, não fazia sentido ter um perfil no Linkedin porque eles não estavam procurando emprego.
Além disso, pegava mal criar um perfil lá porque demonstrava que a pessoa queria sair do trabalho onde estava. Então, a ferramenta era vista unicamente para quem queria encontrar um novo emprego. Não existia essa noção de desenvolver a empregabilidade e a marca pessoal. Hoje isso mudou, é difícil encontrar um presidente de empresa que não esteja no Linkedin. Ao mesmo tempo, temos uma multiplicidade de perfis. Aquele meio da pirâmide ficou para trás e agora é possível encontrar profissonais desde o nível executivo até mais operacionais, passando por perfis muito diversos como jogador de futebol, etc.
A Geração Z tem crescido entre os usuários do Linkedin, certo? Como se mantêm atraentes para esse perfil?
Sim, eles estão crescendo e crescendo de forma expressiva. Uma prova disso é que, embora eles representam 20% da população brasileira, no Linkedin eles já são 35% dos usuários. Além disso, segundo uma pesquisa nossa, 65% dos Zs já usaram o Linkedin para se candidatar a uma vaga de emprego no Brasil, com mais de um quarto (27%) dizendo que nós somos a principal ferramenta que eles usam quando se trata de encontrar empregos.
Eu acredito que isso seja reflexo de um movimento natural. Conforme esse público vai indo para os últimos anos de faculdade, se aproximando mais do mercado de trabalho, começa a perceber a importância de criar um perfil no Linkedin. Os professores falam e eles percebem que se não estiverem lá estarão invisíveis no mercado de trabalho. Também tem um esforço proativo da nossa parte, acabamos de fazer uma campanha oferecendo licenças do Linkedin Premium para jovens universitários.
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Como as estratégias de criadores de conteúdo, por exemplo, conversam com essa renovação de público?
A rede social funciona com base nas pessoas que estão nela. Nós entendemos que o Linkedin tem que ser uma coisa para mim e outra coisa para você. Porque eu posso estar interessado em carreira, mas você pode estar interessado em sustentabilidade, políticas públicas, saúde, qualquer outra coisa. Na época da pandemia, havia gente criando conteúdo sobre a Covid-19, sobre as vacinas… Hoje, no Brasil, são feitas 11 conexões por segundo. E essas pessoas estão se conectando não só para networking, mas para aprender e trocar conhecimento. São essas pessoas produzindo conteúdo, dando opinião sobre os assuntos que mantêm a rede ativa.
Tem muita gente que diz que o Linkedin é uma rede social muito poliana, em que os funcionários estão sempre felizes, onde não tem espaço para críticas. O que vocês acham disso?
Tem alguns elementos que a gente precisa levar em conta. O primeiro é que diferente de outras plataformas o número de perfis falsos que existem no Linkedin é menor. Isso, combinado com o fato de ser uma rede profissional, automaticamente, aumenta o risco reputacional. Os discursos virulentos são menores e as pessoas controlam mais o que elas escrevem por esse medo de manchar a reputação. E, claro, existem exageros de gente querendo se promover a todo custo. Mas, eu acredito que o Linkedin tenha uma característica que é o fato da rede se auto regular. Então, se eu sou um gerente e coloco lá no meu perfil que sou Vice-Presidente, a própria comunidade vai questionar.
Segundo uma pesquisa de vocês, o conjunto de habilidades buscadas pelas empresas brasileiras mudou 46% desde 2015. O que está por trás disso e quais carreiras sofreram mais com essas transformações?
O que nós vemos é uma busca maior por habilidades comportamentais em detrimento de questões como faculdade ou idade. Medicina, por exemplo, foi uma das carreiras mais afetadas, cerca de 59% das habilidades mudaram. A pandemia com certeza foi um divisor de águas nesse sentido porque as empresas começaram a valorizar coisas que os profissionais de gestão de pessoas diziam há anos que eram importantes como uma boa comunicação, a capacidade de resolver problemas e a criatividade. Outros mercados que também mudaram o perfil de profissionais foram construção civil, atendimento ao cliente e serviços administrativos. Eu acredito que isso aconteceu porque esses setores foram os que mais sofreram com a transformação digital.
A mesma pesquisa de vocês mostrou que 75% dos brasileiros acreditam que manter um equilíbrio entre vida pessoal e profissional é mais fácil agora do que há 20 anos. Como vocês avaliam esse dado considerando o aumento de diagnósticos de burnout que também enfrentamos?
Eu acho que há 20 anos atrás existia uma valorização maior daquele profissional que entrava seis horas da manhã e saia meia-noite do trabalho. Isso mudou. Se você escrever que trabalhava de sábado e domingo hoje no Linkedin serão poucas as pessoas que vão te parabenizar por isso. As empresas também não querem mais esse perfil, eles querem pessoas que sabem balancear melhor a vida profissional com o trabalho. Além disso, o mundo do trabalho mudou, hoje práticas como o home office que seriam inimagináveis naquela época são mais comuns.
Existem muitas startups de recursos humanos que estão caminhando para se tornar ecossistemas para a área de Recursos Humanos. Vocês veem o Linkedin indo por esse caminho também?
Hoje nós temos três grandes áreas de atuação: Talentos, Publicidade e Vendas. A vertical de Talentos são os produtos para RH, como o Linkedin para Recrutar e o Linkedin Learning, que são os treinamentos. A premissa é basicamente o Linkedin te ajudar a criar equipes de sucesso e desenvolver essas pessoas.
A segunda vertical é a de publicidade, voltada para quem quer anunciar no Linkedin. Hoje nós somos uma das maiores empresas de propaganda do mundo, faturando 5 bilhões de dólares. A terceira e última parte é a vertical de Sales, voltada para fornecedores que querem se conectar com potenciais clientes.
O Linkedin não cobre 100% das soluções de Recursos Humanos, mas se integra com elas. Hoje a gente se conecta com a maior parte dos sistemas de vagas. Nós acreditamos que podemos ajudar as empresas, principalmente, contratar as pessoas certas e desenvolver os profissionais.
Nós compramos a parte de Learning há alguns anos depois de detectar que muitas pessoas se aplicavam para vagas e não eram aprovadas por falta de certas habilidads e a gente poderia utilizar a nossa inteligência para recomendar cursos para que elas desenvolvessem essas competências. Porque quando você está no Linkedin, o que você quer fazer? Quer se atualizar. A nossa missão é fazer com que os profissionais se conectem para serem mais bem-sucedidos. Todos os nossos serviços, como o Linkedin Notícias, os cursos, as próprias conexões na rede visam uma coisa só: que o Linkedin seja uma das principais fontes para atualização profissional.
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Créditos
Luciana Lima
Repórter de Carreira
Formada pela PUC-SP, cobre mercado de trabalho e Recursos Humanos há sete anos. Foi editora-assistente da VOCÊ S/A e VOCÊ RH e repórter do Jornal Primeiramão. Na EXAME é Repórter de Carreira e apresentadora do podcast Entre Trampos.