Cenário brasileiro

hero_O que é o greening, a doença que ameaça a citricultura no mundo

51157924722_d764c021c6_k (Wenderson Araújo/Senar)

selo
EXAME Agro

O que é o greening, a doença que ameaça a citricultura no mundo

Após deixar rastros em 129 países, o greening gera perdas de R$ 600 milhões no Brasil – e pode comprometer o seu suco de laranja

selo
EXAME Agro

O que é o greening, a doença que ameaça a citricultura no mundo

Após deixar rastros em 129 países, o greening gera perdas de R$ 600 milhões no Brasil – e pode comprometer o seu suco de laranja

51157924722_d764c021c6_k (Wenderson Araújo/Senar)

Por Mariana Grilli

Publicado em 03/12/2023, às 06:15.

Última atualização em 03/12/2023, às 06:15.

Cenário brasileiro

Até a laranja chegar ao supermercado ou se tornar o suco do café da manhã, uma árdua batalha agronômica é travada longe dos olhos do consumidor. O motivo? Greening, uma doença que atinge os frutos, provocando o risco de destruição de todo o pomar. Não apenas no Brasil, mas em 129 países, o que põe em discussão o futuro da citricultura mundial.

Para se ter uma ideia, entre 70% e 80% do suco de laranja do mundo é proveniente do Sudeste brasileiro. No entanto, de acordo com o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) – entidade privada sem fins lucrativos dedicada à pesquisa pública – a doença subiu 56% entre 2022 e 2023, em todo parque citrícola de São Paulo e Triângulo/Sudoeste Mineiro, principais regiões produtoras.

Atualmente, são 77 milhões de árvores infectadas do total de quase 203 milhões de laranjeiras no cinturão produtivo. “Nada é comparável ao greening. Então, a gente declarou guerra contra a doença e fizemos um trabalho muito forte de estudo”, diz Juliano Ayres, gerente-geral do Fundecitrus.

A doença é causada por uma bactéria transmitida pelo inseto psilídeo, que se reproduz entre 14 e 30 dias, dependendo da época do ano. No Brasil, onde o inseto foi detectado em 1942, o clima favorável para os citros, com chuva e temperatura adequadas, também contribui para a condição ideal de propagação do greening.

A partir do momento que o inseto está contaminado e se alimenta de uma planta, ela demora de 6 a 8 meses para perder produtividade. A cada 100 laranjas produzidas, em torno de 22 frutas caem no chão. O greening é responsável por cerca de 5% delas. Isso significa que em um parque citrícola que pode produzir 310 milhões de caixas, de 12 a 15 milhões de caixas não são colhidas. Ao considerar a cotação de R$ 50 por caixa, são mais de R$ 600 milhões perdidos por causa da doença.

“Se antes a planta produzia 100 quilos de laranja, ela vai produzir somente 20 quilos. A planta não só reduz a produção, mas perde qualidade, sendo amarga e menor. Está cada vez mais difícil erradicar o problema e salvar o pomar”, Ayres afirma.

É o que está acontecendo no estado da Flórida, nos Estados Unidos, que junto a São Paulo e parte do México formam os principais fornecedores de laranja para a indústria global.

Na Flórida, a produção, em 20 anos, caiu de 240 milhões de caixas de laranja de 40,8 quilos para 20 milhões. “Se nosso principal concorrente agora colhe só 10% do que já produziu, essa história é real. O setor pode colapsar, como foi lá, em menos de duas décadas”, diz o gerente da Fundecitrus.

Percentual das laranjeiras com greening no cinturão citrícola. Fonte: Fundecitrus 2023

Epidemia do greening

Em 2002, a Flórida registrava perda de 15% nos pomares, índice ainda considerado aceitável. Porém, em 2023, o prejuízo pode chegar a 90% da área. “Os americanos investiram US$ 2 bilhões em pesquisa, mas nem tudo você resolve na velocidade necessária”, diz

Por se tratar de inseto e bactéria, a transmissão voa com o vento — literalmente. Por isso, o problema é considerado uma epidemia, atingindo outras regiões produtoras na Califórnia, Inglaterra, Espanha, África do Sul, República Dominicana, México, e assim foi mudando de país.

Hoje, o problema está concentrado nas Américas. Ao longo dos anos, o greening passou por Uruguai, Paraguai, Argentina, até chegar no Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo.

A cadeia produtiva da laranja gera US$ 15 bilhões por ano em divisas para o Brasil, a partir do trabalho de 350 municípios. Por isso o setor se organiza para não repetir o que se passa na Flórida.

“[Os produtores norte-americanos] se forem para o Sul é pântano, ao Norte, é geada e, aos lados, é mar. Então, eles não têm saída. O único país no mundo que desenvolveu protocolos de manejo é o Brasil e, por isso, precisamos de uma ação coletiva de manejo dos produtores”, afirma diz Juliano Ayres, gerente-geral do Fundecitrus.

Do ponto de vista científico, há um consórcio do Fundecitrus com os países produtores, pois clientes como Europa e Ásia querem saber qual a capacidade brasileira de continuar fornecendo o suco de laranja.

Questionado sobre este assunto pela EXAME Agro, o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, diz que o estado da Califórnia também estuda algumas moléculas curativas ao greening aqui no Brasil, além de pesquisas já desenvolvidas por entidades como Embrapa e FAPESP.

“Dentro do Ministério da Agricultura, isso é prioridade número um. Toda molécula que se mostrar eficiente no combate a essa praga terá prioridade de aprovação, para que a gente possa garantir aos produtores a cura e a segurança para continuar produzindo”, afirma o ministro.

Histórica da queda de produção da laranja na Flórida, devido ao aumento do greening. Fonte: Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA)

Deslocamentos de área

Na prática, isso acontece porque os produtores brasileiros de laranja gastaram R$ 271 milhões apenas no combate à doença em 2022/23, valor 42% maior que os gastos da safra anterior, de acordo com números do estudo FarmTrak Citros, da Kynetec. Ao todo, o manejo da laranja exigiu R$ 1,2 bilhão gastos em defensivos químicos e biológicos, e 23% deste montante foi para o combate ao greening.

Atuar em regiões específicas do estado de São Paulo ou Minas Gerais, onde tende a aumentar a escassez hídrica e o desafio de clima, exige avançar em irrigação e estruturas de mega reservatórios. Além disso, para driblar dificuldades de manejo e altos cultos, o Brasil observa uma descentralização do parque citrícola.

Orlando Nastri, head de ESG da Citrosuco, conta que já há uma migração dos pomares, levando a produção para o Nordeste, entre o agreste pernambucano e baiano, na região do Vale do São Francisco. Até Pará e Rondônia já iniciam o plantio de laranja e limão.

“É uma agenda de adaptação, eventualmente de migração para o Nordeste. Não é que eu vou deixar de produzir em determinada região, a não ser que haja dificuldades climáticas e escassez hídrica. Aí você começa a movimentar um pouco da sua cadeia produtiva para os enfrentamentos dessas mudanças”, diz.

A Citrosuco é uma das maiores empresas de suco de laranja do mundo, com capacidade para processar mais de 40% de todo o suco de laranja produzido e exportado pelo Brasil, ou mais de 20% da demanda global. Por isso, o deslocamento de área faz parte da estratégia de diversificação de fornecedores, a fim de diminuir o risco de desabastecimento à indústria.

“Há uma correlação entre mercado, greening e mudanças climáticas. Estamos implementando uma agenda de adaptação climática, porque isso também está na pauta estratégica de negócios”, afirma Nastri. Mais de 90% do faturamento da companhia é de receita internacional.

Mesmo diante desta expansão geográfica da citricultura, o ministro Carlos Fávaro reforça a necessidade de preservar a citricultura paulista. Para intensificar as ações de prevenção à doença, o governo de São Paulo se dedica a criar o Comitê Estadual para Contingência do Greening. Por meio de decreto, poderão atuar conjuntamente as Secretarias de Agricultura e Abastecimento; da Fazenda e Planejamento; Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística; Ciência, Tecnologia e Inovação; além da Casa Civil e Cetesb.

Segundo o governador Tarcísio de Freitas, uma grande campanha de conscientização e orientações de manejo serão prioridade. Também haverá reforço sobre a fiscalização de pomares abandonados e fortalecimento da pesquisa para controle no curto, médio e longo prazo.

Cinturão citrícola entre São Paulo e Triângulo Mineiro. Fonte: Fundecitrus 2023

Veja também

Manejo agrícola

De acordo com os especialistas ouvidos pela EXAME Agro, o Brasil é o único lugar do mundo que consegue conter os desafios de manejo do greening até hoje. Mesmo assim, quatro milhões de plantas foram eliminadas na safra 2022/2023. Parte do problema está em pomares abandonados.

“Queremos preservar o pequeno e médio e para isso temos que ter manejo regional coletivo, pois a população de inseto está aumentando e é preciso fazer controle conjunto, inclusive com biológicos”, diz Juliano Ayres, gerente-geral do Fundecitrus.

Ele conta que São Paulo e o Triângulo Mineiro foram divididos em 84 microrregiões para uma estratégia personalizada de manejo. Independentemente disso, se uma região estiver com alta incidência de greening, a recomendação é parar de plantar por um tempo para recuperar a saúde das plantas.

“A manutenção de plantas doentes no campo se torna uma ‘bomba relógio’, pois se o controle do inseto for malfeito ou ineficiente, essa planta se tornará um criatório de psilídeos contaminados que disseminarão a doença para outros pomares”, diz Ayres.

Mesmo um novo pomar em região com muita doença pode ficar comprometido entre cinco e oito anos. Quanto menor a propriedade, mais vulnerável ela está. É por isso que o Fundecitrus defende facilitar o acesso a crédito aos citricultores, sobretudo os de pequeno porte.

Com a infraestrutura agronômica correta, a recomendação é iniciar o sistema de produção com mudas sadias e adotar o manejo integrado de pragas, desde o início da safra, quando o greening apresenta maior tendência de se alastrar.

O suco de laranja dos brasileiros — e do planeta — depende dessa estratégia.

Assistência técnica pode contribuir para melhor manejo agrícola dos pomares de citrus. Crédito: Wenderson Araújo/Senar

Compartilhe este artigo

Tópicos relacionados

Créditos

Mariana Grilli

Mariana Grilli

Repórter de Agro

Graduada em Jornalismo com especialização em Agronegócios pela FGV. Trabalhou como repórter na Rádio Jovem Pan e na Revista Globo Rural. É vencedora do 2° Prêmio GTPS de Jornalismo e do Prêmio Rede ILPF de Jornalismo.

Veja também

Fiagros enfrentam crise sistêmica, diz Evandro Buccini, da Rio Bravo
seloMercados

Fiagros enfrentam crise sistêmica, diz Evandro Buccini, da Rio Bravo

Os impactos da lei antidesmatamento europeia para as commodities brasileiras
Esfera Brasil

Os impactos da lei antidesmatamento europeia para as commodities brasileiras

Após pressão, União Europeia adia em 12 meses a implementação da lei 'antidesmatamento'
EXAME Agro

Após pressão, União Europeia adia em 12 meses a implementação da lei 'antidesmatamento'

Vinhos falsificados: mais de 10 mil litros são apreendidos pelo Mapa
EXAME Agro

Vinhos falsificados: mais de 10 mil litros são apreendidos pelo Mapa