Quem é Jun Sakamoto, o chef-empreendedor por trás da Japan House
Ícone da culinária japonesa em terras brasileiras, Jun Sakamoto lidera três restaurantes de sucesso – sendo que um deles tem apenas três meses de vida
Mariana Fonseca
Publicado em 18 de agosto de 2017 às 06h00.
Última atualização em 18 de agosto de 2017 às 09h14.
São Paulo – Nos últimos meses, o começo da Avenida Paulista, ícone da cidade de São Paulo, ficou mais movimentado. Quem passou por lá talvez tenha visto uma fila enorme para entrar em um edifício retangular, com paredes de bambu e o nome Japan House estampado na lateral.
O projeto é uma iniciativa do governo japonês para difundir a cultura do país em terras brasileiras – que só perdem para o próprio Japão em número de japoneses. Para isso, conta com exposições, sessões de leituras, workshops, produtos tipicamente japoneses e experiências gastronômicas que incluem uma cafeteria e um restaurante radicados na culinária contemporânea japonesa.
No último andar da Japan House, está o restaurante Junji. Principalmente na sexta-feira e no sábado, é possível ver uma grande fila para provar os pratos de lá, preparados por um dos maiores ícones da culinária japonesa em terras brasileiras: Jun Sakamoto.
No circuito gastronômico, o chef é mais conhecido por seu exclusivíssimo primeiro restaurante. Em uma casa no bairro de Pinheiros, sem nome na fachada, oito pessoas são atendidas por noite pelo próprio Sakamoto. O menu degustação, no valor de 365 reais, dá direito a dezesseissushisfeitos com desde vieira maçaricada de leve e finalizada com gotas de limão-siciliano até carapau ao gengibre.
Tanta sofisticação já fez Sakamoto ser elogiado por sua rigidez e por fazer um trabalho "de artesão". Suas concepções mudaram com o tempo, porém. O próprio chef diz que sua opinião é de que a culinária é viva, feita de adaptações – e, no meio dessas mudanças, é um eterno empreendedor.
O início do chef-empreendedor
Sakamoto é natural de Presidente Prudente, no interior de São Paulo, e descendente de pai e mãe japoneses. Durante a infância, o nissei teve uma relação complicada com a educação formal.
“Eu tenho transtorno de déficit de atenção e um pouco de dislexia. Por isso, sempre tive dificuldades com estudo. O diagnóstico que eu recebia na escola, para ser franco, era de preguiçoso e burro”, conta. “E eu achava mesmo que era. Ler era um esforço enorme.”
Ao mesmo tempo, era esperado de Sakamoto uma profissão tradicional, como engenheiro ou médico. Ele não sentia segurança nele mesmo de que esse prognóstico fosse se tornar realidade, pela dificuldade nos estudos. Então, decidiu que teria de tocar sua vida de outro jeito.
Aos 19 anos de idade, o estudante foi para Nova York e arrumou um bico como ajudante de cozinha. “Foi a primeira profissão que me apareceu. Eu estava aceitando qualquer coisa, de lavador de prato a entregador de comida delivery. Gostei, e fui continuando no restaurante.”
Para o chef, suas experiências acumuladas com os anos foram fundamentais para que as portas da gastronomia se abrissem. “O mercado de gastronomia brasileira estava se abrindo, e eu tinha mais experiência do que média. Ter uma formação acadêmica ajuda? Claro. Mas, se você não tem, é preciso correr atrás do tempo perdido, e foi o que eu fiz.”
O resto da história é conhecido: Sakamoto passou anos trabalhando em restaurantes consagrados, tanto em Nova York quanto em São Paulo. Na virada dos anos 2000, ele e a esposa resolveram abrir um negócio próprio: o restaurante Jun Sakamoto, em Pinheiros.
“Quando eu falei para minha esposa que queria abrir um restaurante, era realmente achar uma portinha, montar um balcão e, pouco a pouco, ir crescendo. Tinha um amigo como exemplo, o Mario Nagayama, que começou o restaurante dele desse jeito [o empreendimento de culinária japonesa Nagayama].”
O chef imaginou um empreendimento com apenas dez lugares – mas já começou com 30. A decisão de fazer um restaurante maior do que o previsto foi pragmática: Sakamoto se considera não apenas um chef, mas um empreendedor. Tanto o é que depois se tornou sócio da rede Hamburgueria Nacional, como estratégia de diversificação de portfólio de restaurantes investidos.
“Virar empreendedor é uma consequência necessária. Quando você é chef de um restaurante, há uma certa frustração em viver no seu trabalho um ambiente de luxo e de viagens, e sua vida não corresponder a isso”, afirma.
“A única saída para ter condições financeiras de viver esse universo é a pessoa montar seu próprio negócio. Isso aconteceu comigo e acontece com muitos chefs.”
Gastronomia japonesa: adaptações e tradição
O restaurante Jun Sakamoto ganharia um filho em dezembro de 2014: o Junji Sakamoto, no Shopping Iguatemi. O Junji é uma casa mais "acessível" do que a primeira – seu ticket médio vai de 90 a 120 reais por pessoa -, feita para shoppings de alto padrão.
É um público que já viajou muito e está acostumado com variações na culinária japonesa, de acordo com Sakamoto. Abrir um restaurante intransigente nas receitas é fracasso na certa, como ele já viu em empreendimentos de outros chefs.
“Eu tento o tempo todo fazer uma leitura do que o pessoal do Shopping Iguatemi come e trazer minha adaptação do mercado, algo que faça sentido com a nossa proposta. Tem gente que acha que no meu restaurante eu mando e acabou. Mas, se meu público não gostasse do que eu faço, meu restaurante já teria fechado.”
Da mesma maneira, Sakamoto conta que suas ideias sobre a gastronomia mudaram com o tempo.
“Comecei a reparar que a culinária não pertence a lugar nenhum: ela tem apenas uma origem. A culinária japonesa tem origem no Japão, a culinária brasileira tem origem no Brasil. Mas o ser humano migra o tempo todo e carrega consigo sua cultura. A culinária japonesa feita no Brasil é miscigenada, e o grande crime é não dar essa liberdade – ou o prato não ficar gostoso no final, claro.”
Quase três anos depois, um segundo filho do Jun Sakamoto surgiria: o Junji Sakamoto na Japan House. A proposta, muito diferente da vista no Shopping Iguatemi, surgiu a partir de um convite de Angela Hirata, ex-diretora da Alpargatas e hoje CEO da Japan House.
“O brasileiro ainda tem a informação de que o Japão é um país antigo; a maior parte do contato dele com os japoneses vem de migrações antigas. É realmente um país com muitos anos de história, mas também há uma modernidade que arrasta os conhecimentos do passado”, afirma Sakamoto.
“Depois de entender a missão de trazer ao brasileiro um Japão atual, aceitei o convite de liderar o restaurante da Japan House. Era uma oportunidade incrível de participar de um bom projeto cultural.”
O Junji Japan House tem espaço para 70 lugares. Os destaques são osteishokus, refeições completas servidas em bandejas. A versão de tonkatsu, o lombo de porco empanado, inclui conservas, guioza e missoshiro, por 70 reais.
Diferentemente do Junji no Shopping Iguatemi, o restaurante da Japan House é uma parceria com o governo japonês. O local não aposta em uma comida miscigenada, e sim em trazer a gastronomia japonesa contemporânea aos brasileiros.
“Começamos nosso cardápio com pratos que o brasileiro já conhece, só que como se faz no Japão hoje. O sukiyaki, por exemplo, não é feito da mesma maneira há 200 anos: ele evolui ao longo do tempo, ainda que se enxergue um caminho de origem. Cada vez mais, trazemos atualizações dessa culinária.”
Encantamento e gestão
Ainda que Sakamoto tenha passado a maior parte das últimas décadas se dedicando a restaurantes, ele não se foca apenas em cozinhar: já cogitou ser fotógrafo, trabalhar com televisão e até ser arquiteto – tanto que se formou na faculdade de arquitetura.
“Eu era indeciso: não sabia o que queria da vida, só queria viver. De alguma forma, eu acho que é bom deixar a vida um pouco livre para que ela mostre todas as opções para o futuro. Você vai colecionando ferramentas e vai vendo qual é o caminho mais promissor. A partir daí, é dedicação.”
Seus restaurantes são a tradução do máximo extraído de cada aspecto da carreira do chef-empreendedor. A luz que ilumina seus pratos é como o “desenvolvimento de um palco” e vem da paixão pela fotografia, de acordo com Sakamoto. Da mesma forma, o estudo de arquitetura lhe ensinou que o visual não pode ser maior do que a comida.
“Muita gente não percebe o que está por trás, e nem precisa: apenas se encanta. É como o público de um show, que não sabe o que está acontecendo por trás e, mesmo assim, fica envolvido e se emociona.”
Tudo é levado em consideração: a quantidade certa de sal, o ponto de cocção, o timing entre os pratos, a luz, a música e a textura das paredes, por exemplo. O mais importante, porém, são as instruções de atendimento ao cliente.
“Eu falo para os meus funcionários que eles devem ser invisíveis. A pessoa deve pensar em encher seu copo e ver que ele já está cheio; deve pensar em chamar o garçom e ver que ele já está ao seu lado. É quase como ler a mente do cliente, e treinamos muito nossa equipe para que isso aconteça.”
Sakamoto conta que passa hoje 80% do seu tempo na frente da tela do computador: seja se reunindo com contadores, resolvendo problemas fiscais, olhando a área de recursos humanos ou agendando uma reunião com as equipes. O chef-empreendedor está agora implementando um novo sistema de gestão nos seus três restaurantes japoneses.
“Estamos focando muito nos processos de trabalho, como padronização. Isso tudo pela maior contenção de custos possíveis: rever processos faz você evitar desperdícios e economizar, sem abrir mão da cultura da empresa e da motivação da equipe.”
Projetos para o futuro
Da mesma maneira que os três restaurantes de Jun Sakamoto possuem perfis diferentes, seus projetos de expansão também seguem estratégias distintas.
O Jun Sakamoto é o restaurante mais próximo do seu ideal de trabalho. “Colocar a mão na massa mesmo - fazer os sushis - é uma paixão. Criei um modelo que fosse do jeito de que eu gosto: eu atendo oito pessoas diretamente e desenvolvo com elas uma relação, uma troca de informações com os clientes, e vejo quanto isso os encanta. Esse canto da minha profissão é que é o prazer de viver.”
O plano é diminuir ainda mais o número de lugares: irão de 34 para 24, sendo que apenas oito pessoas por noite continuam sendo atendidas diretamente.
“Porém, só consigo seguir com o plano quando meus outros negócios se rentabilizarem o suficiente para que eu consiga reduzir meu faturamento e minha equipe sem perder meu padrão de vida. Operacionalmente, será uma qualidade mais alta com custos mais otimizados.”
O Junji foi aberto em 2014, em plena crise econômica. Aos poucos, o movimento foi subindo – e aumentou ainda mais neste ano. Nos próximos anos, o modelo deve ganhar mais duas unidades.
“Eu não sou de buscar abrir empreendimentos, porque a gente não tem estrutura financeira para isso. Quando aparece um shopping querendo abrir uma unidade nossa, fazemos uma consideração. Agora, na crise, não têm aparecido ofertas que justifiquem o investimento. Quando a economia reaquecer, creio que aparecerão oportunidades.”
Por fim, o formato usado na Japan House também deverá ser expandido para mais duas unidades, só que em regiões diferentes da cidade de São Paulo.
“O restaurante está indo muito bem. Passou aquela febre de inauguração, aquela curiosidade enorme, e garantimos um fluxo de pessoas que foram, gostaram e continuam divulgando para todo mundo. Agora, estamos trabalhando para conquistar o público no entorno.”
Conquistando o público do Paraíso, o restaurante poderá atingir um novo patamar de receita, o que permitirá replicar o modelo.
“Estudaremos onde temos públicos que queiram esse produto. Acredito que dará certo em bairros como Liberdade e Tatuapé, com forte colônia japonesa. Não que seja um restaurante só para um público nissei, mas eles serão os principais responsáveis por trazerem amigos brasileiros para o restaurante. É uma estratégia.”
Aposentadoria
Para Sakamoto, o seu ideal de trabalho só será completamente atingido quando ele se aposentar (ainda sem previsão): o plano é ir para os Estados Unidos e abrir um restaurante pequeno em Nova York, sem metas financeiras ambiciosas - mas com uma preocupação com a qualidade que o Brasil não permite, na visão do chef-empreendedor.
"Hoje, eu trabalho com um projeto de me mudar para os Estados Unidos por duas razões. A primeira é segurança e a segunda é qualidade de produto", elenca.
Quando Sakamoto consegue importar os produtos nas condições que deseja, eles acabam em um preço inviável de comercialização, diante dos impostos e do frete.
"Alguns produtos eu trago na mala mesmo e preparo dependendo da semana e do cliente, porque não consigo uma importadora que consiga trazê-lo. O vinagre eu já consigo trazer do Japão para cá, mas os frutos do mar... Você vai trazer atum, por exemplo. De vez em quando um maluco quer importar o blue fin. O quilo vai para 500 reais. Se no meu trabalho tenho de colocar o triplo do custo de produto para eu ter um resultado de 15% de lucro no final do mês, o quilo do atum para o cliente sai 1.500 reais. É um absurdo, é inviável."