Para este bilionário, é hora de investir nas startups do Brasil
O megainvestidor Tim Draper já aportou em negócios como Hotmail, Skype e Tesla. Agora, procura oportunidades em terras brasileiras
Mariana Fonseca
Publicado em 13 de março de 2017 às 06h00.
Última atualização em 19 de maio de 2017 às 09h57.
São Paulo – Você talvez não conheça Tim Draper de nome. Mas deve acompanhar alguns negócios nos quais o investidor aportou: Baidu, Foursquare, SolarCity, SpaceX, Tesla, Twitter e Tumblr são apenas alguns deles.
Tim Draper começou sua carreira investidora em 1985, ao criar o fundo Draper Fisher Juvertson. Desde então, vem construindo seu portfólio de investimentos. A parte de negócios iniciais da DFJ, conhecida como Draper Venture Network, já realizou mais de 450 investimentos em mais de 60 cidades.
Desses aportes, 24 resultariam em startups “unicórnios” – empreendimentos avaliados em mais de um bilhão de dólares (na cotação atual, 3,15 bilhões de reais).
Draper também acumulou outras apostas excêntricas ao longo de sua carreira: ele ganhou um leilão de 30 mil bitcoins do site ilegal de drogas Silk Road; lançou um projeto para dividir a Califórnia em seis estados; e inaugurou uma escola para empreendedores promissores inspirando-se nas séries Harry Potter e X-Men.
Hoje, a Draper Venture Network administra atualmente o equivalente a cerca de 1,6 bilhão de dólares em negócios. A fortuna de Tim Draper é avaliada em mais de um bilhão de dólares.
A nova aposta do megainvestidor está na América Latina: ele criou uma nova rede de investimento, chamada Draper Venture Network Beta, apenas para startups em estágio inicial da região. No Brasil, a DVN Beta fez uma parceria com a aceleradora ACE, com sede em São Paulo, permitindo que negócios inovadores nacionais possam ter acesso a investidores globais.
EXAME.com conversou por telefone com Tim Draper e Gabe Turner, um dos diretores da Draper Venture Network, para saber mais sobre o ecossistema empreendedor brasileiro e sobre as oportunidades de investimento durante uma recessão econômica.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
EXAME.com – Você poderia começar falando um pouco do seu histórico como investidor de startups?
Tim Draper – Eu estou há 30 anos nesse mercado. É algo que vem de família: meu avô era um investidor, e meu pai também era um investidor. Nós fundamos algumas empresas muito interessantes quando elas ainda estavam no começo, como Hotmail, Skype e Tesla. Nós também aportamos em quase 30 unicórnios ao longo desses 30 anos.
Tenho no meu sangue essa coisa de investidor, e me comprometi com a missão de espalhar o empreendedorismo e o investimento em empreendimentos de risco pelo mundo. Eu realmente me satisfiz com os resultados que obtive, e estamos animados com a Draper Venture Network Beta, que é a forma que encontramos para continuá-la.
EXAME.com – Qual a missão da Draper Venture Network Beta, de forma mais detalhada?
Tim Draper – A Draper Venture Network possui vários programas, que reúnem vários investidores de todo o mundo. Nós compartilhamos as melhores informações e práticas, e com isso passamos a entender como muitos mercados funcionam – ou seja, a forma que suas startups operam e quais setores são os mais fortes.
Então, quando vimos a oportunidade de fazer uma grande diferença nesse mundo do empreendedorismo, criamos a Draper Venture Network Beta e começamos a visitar lugares promissores para criar ecossistemas. A grande ideia é que eles possam se tornar tão extraordinário quanto o Vale do Silício.
Gabe Turner – De forma mais prática, o propósito da DVN Beta é conectar fundos americanos com fundos de qualquer parte do mundo, compartilhando acordos de investimento e expertises. Nós não teremos um programa de aceleração, incubação ou investimento, e sim mostraremos as melhores oportunidades por meio de nossos parceiros, como a ACE no caso do Brasil.
EXAME.com – Qual a percepção da DVN Beta sobre o mercado de startups brasileiro? Vocês veem oportunidades de investimento? Em quais setores?
Tim Draper – Temos visto uma onda de empreendedores brasileiros que tentam fazer algo interessante acontecer. O Brasil se tornou um lugar quente para o empreendedorismo e é um exemplo do que acontece em diversas partes do mundo: com dificuldades econômicas, entraves governamentais e problemas em geral, o empreendedorismo floresce.
Os brasileiros sentem que, se o sistema não está trabalhando para eles, é preciso criar algo novo. É a partir daí que surgem os melhores empreendedores. Nós achamos que é um dos melhores momentos para ir ao Brasil e criar um ecossistema empreendedor.
Gabe Turner – Nos últimos anos, nós conversamos com entidades como Endeavor e Silicon Valley Bank. O que nos surpreendeu é que, apesar das dificuldades econômicas dos últimos anos, o empreendedorismo floresceu e está florescendo.
As grandes empresas procuram otimizar custos, o que envolve tecnologia, e seus fundadores falaram conosco que o país estava em péssimo estado. Mas, quando mostraram seus números, eles estavam indo razoavelmente bem em termos de crescimento. Nós concluímos que é um bom sinal essas empresas estarem indo bem mesmo durante uma recessão. Quando a economia realmente virar, essas companhias serão igualmente propulsionadas.
EXAME.com – Então, tempos de crise econômica são os melhores para criar novas ideias?
Tim Draper – O Brasil está passando por uma situação financeira complicada, e as pessoas começam a perder confiança no governo, na sua moeda, nos seus negócios. Um país de turbulência política é uma ótima oportunidade para quem quer testar novas ideias e não ser esmagado pelas regulações. Assim, o país pode dar grandes saltos de progresso.
Já estivemos na China, por exemplo, e percebemos como algumas regiões passaram de não ter comunicação telefônica para os smartphones, sem passar pela época de cabeamento e telefones fixos. Acho que o Brasil pode ter uma atitude similar.
Enquanto isso, nos Estados Unidos, se alguém lançar uma empresa de drones, vai ter de passar por reclamações de vizinhos, negociações com aeroportos e toda uma série de regulações por conta de sua grande estabilidade.
Em tempos de crise, as pessoas também possuem uma mente mais aberta: quando as pessoas possuem um emprego estável, as mentes se fecham e não há o desejo de experimentar novos produtos. Afinal, tudo funciona e os consumidores estão bem. Isso dificulta o trabalho do empreendedor e pode gerar estagnação.
EXAME.com – O que falta para as startups brasileiras se tornarem globais?
Tim Draper – Na minha opinião, o que falta para as startups brasileiras se tornarem globais – e, vale lembrar, isso acontece ao redor do mundo – é parar de pensar em termos de “como meu negócio irá afetar eu mesmo e os consumidores próximos a mim?” e mais em termos mundiais.
Poucas pessoas têm esse pensamento, o que é uma dificuldade. Porém, ao mesmo tempo, uma ideia que realmente se torna global é algo cada vez mais simples: as barreiras geográficas estão caindo. Se alguém no Brasil pensar em um produto realmente animador, que todos desejam, a ideia irá se espalhar. As únicas pessoas que nadam contra esse movimento são aquelas que não acreditam que há um mundo a ser explorado.
O que precisa ser feito, então? Temos de incentivar uma mentalidade empreendedora: fazer os donos de empresas acreditarem que podem se tornar grandes e também incentivar o ensino de arte, ciências e matemática para as crianças. Colocando essas três matérias juntas, você forma grandes empreendedores e, com o tempo, grandes negócios.
Gabe Turner – Já estamos vendo casos de empreendedores brasileiros com mentalidade global, criando startups que “pulam” o Brasil e começam já por aqui [nos Estados Unidos]. Outros possuem uma mentalidade regional ampliada, buscando expandir na América Latina, por exemplo. Nós esperamos ver mais empreendedores brasileiros com perfis assim.
Os membros da ACE e de outros fundos nos apresentam oportunidades e estamos de olhos abertos neste mesmo instante. Assim que virmos algo que tenha essa ambição global e seja viável, iremos atacar. Não estamos esperando uma data específica.
EXAME.com – Além dessa mentalidade global, o que vocês procuram em uma startup para participar da DVN Beta? Haverá critérios de seleção baseados em setor ou estágio de negócio?
Tim Draper – Primeiro, procuramos companhias que persigam problemas grandes o suficiente. Segundo, uma tecnologia interessante, que gera um diferencial em relação aos concorrentes. Em terceiro lugar, analisamos se o produto é interessante para indústria. Por fim, pensamos se a composição do time faz sentido, se cada um dos membros está na área certa e pelos motivos certos. Buscamos todas essas características. Também é interessante notar se a empresa faz uso de algumas tendências tecnológicas: por exemplo, bitcoins, “googlização” das coisas e marketplaces.
Gabe Turner – Não há eliminações por estágio da startup ou por setor. Mesmo assim, na DVN Beta, nós temos como meta focar mais em negócios em estágio de semente, com menos de 30 milhões de dólares de capital investido. A ideia é obter investimentos menores, que podem levar a investimentos maiores para quando a startup já estiver mais avançada. Só para comparação, nosso investimento mais comum gira em torno de 75 a 100 milhões de dólares.