O que o mini laboratório brasileiro Hilab faz diferente da fraude Theranos
A paranaense Hi Technologies oferece exames clínicos com poucas gotas de sangue — mesma inovação da startup americana que foi envolvida em um escândalo
Beatriz Correia
Publicado em 10 de fevereiro de 2020 às 06h00.
Última atualização em 12 de fevereiro de 2020 às 21h12.
Há cinco anos, um negócio de US$ 9 bilhões que prometia revolucionar a medicina a partir dos Estados Unidos acabou se revelando uma chocante fraude. A implosão do projeto do laboratório de diagnósticos clínicos Theranos, fundado em 2003 no estado da Califórnia pela então estudante de engenharia química americana Elizabeth Holmes, deixou investidores frustrados e especialistas da área da saúde decepcionados. Mas deixou, principalmente, uma imensa demanda por rapidez, simplicidade e preços baixos nos exames médicos ainda à espera de ser atendida. É esse público que os empreendedores paranaenses Marcus Figueiredo e Sérgio Rogal estão focando com a Hi Technologies.
A grande inovação prometida pelo Theranos era usar apenas algumas gotas de sangue para fazer mais de 200 testes clínicos em um pequeno aparelho, batizado de Edison. Essa é a mesma quantidade de sangue de que o mini laboratório Hilab, principal produto da Hi Technologies, precisa para realizar 15 exames — que vão desde gravidez e glicemia até sífilis e zika, a um custo de R$ 10 a R$ 95.
A coleta, domiciliar e agendada por meio do aplicativo do Hilab, requer somente um furo na ponta do dedo. O sangue é colocado em uma máquina portátil de 12 centímetros cúbicos, na qual é inserida uma cápsula com uma fita interna que carrega os reagentes específicos para cada teste. “O Hilab nasceu com o conceito de ser um eletrodoméstico da saúde”, diz Figueiredo. Em 25 minutos, o sangue reage quimicamente, processo registrado em uma espécie de imagem enviada por nuvem para um servidor da Hi Technologies. Lá, a reação é analisada por inteligência artificial, em um processo que gera um resultado prelimitar. Os médicos, biomédicos, farmacêuticos, físicos e engenheiros da empresa fazem a análise final da reação. O resultado é enviado ao paciente por SMS ou e-mail e pode ser consultado no aplicativo.
A Theranos nunca divulgou o processo de realização dos exames. Uma reportagem do "The Wall Street Journal" revelou, em 2014, que apenas cerca de 15 testes eram efetivamente feitos no Edison, e o restante era realizado em máquinas de outras empresas, como a Siemens.
No Hilab, as metodologias utilizadas são a imunocromatografia, a imunofluorescência, a química seca e a colorimetria, as mesmas usadas pelos laboratórios tradicionais. “Não inventamos nada do ponto de vista bioquímico, são métodos já consagrados. A inovação do processo é que pegamos os vários métodos diferentes e colocamos em um mesmo equipamento, criamos a experiência do usuário”, afirma Figueiredo. Nos laboratórios tradicionais, os reagentes dos testes são colocados dentro dos tubos que recebem o sangue, por isso são necessárias várias amostras para que cada uma sirva para um exame específico. Mas, no Hilab, a reação química acontece na fita interna do aparelho.
A Hi Technologies recebeu aportes da Positivo, da Qualcomm e do fundo Monashees. Segundo Figueiredo, o Hilab consegue praticar preços baixos porque não exige gastos com estrutura de atendimento ou logística. Desde a sua fundação, em 2004, a Hi Technologies tem crescido a uma taxa de 30% a 40% por mês. “Miramos um público muito maior do que o dos laboratórios, que visam à população que tem plano de saúde”, explica o fundador da empresa.
Democratização da saúde
Por ora, a coleta domiciliar do Hilab está disponível apenas em Curitiba. Pacientes de outras cidades podem usar o mini laboratório em farmácias, que são a grande aposta da Hi Technologies para expandir o serviço. O Brasil tem atualmente 114 mil drogarias.
Porém, no caminho do avanço do setor, está a atual legislação do país, segundo especialistas. Em maio de 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) suspendeu o uso do Hilab nas farmácias, alegando que a máquina deveria ter uso apenas profissional e que aos farmacêuticos a única coleta permitida é a destinada aos testes de glicemia. A decisão da Anvisa foi revertida por uma determinação judicial. Agora, o equipamento é regularizado pela agência. Uma revisão das regras de funcionamento de laboratórios clínicos e postos de coleta laboratorial está a caminho, mas não tem prazo.
Para Francisco Neri, doutor especialista em informática da saúde pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o Brasil é um país atrasado na legislação refrente a novas tecnologias. Ele defende que as regras precisam permitir pelo menos a compreensão das inovações. “A legislação não acompanhou o avanço tecnológico. A Anvisa decidiu sobre o Hilab porque não era um aparelho bom para a população ou porque tinha uma portaria determinando algo? As leis estão sempre em descompasso com a tecnologia”, diz.
Enquanto planeja o crescimento da operação no Brasil, a Hi Technologies também estuda lançar o Hilab pela América Latina. “Não dá para pegar um prédio e levar para outros lugares. Com o Hilab eu consigo empacotar o laboratório e mandar pelo correio para o resto do mundo”, afirma Figueiredo.