Julio Eduardo Simões, dono da Locar. (Alexandre Battibugli)
Da Redação
Publicado em 27 de fevereiro de 2011 às 08h00.
Há pouco mais de duas décadas, o empreendedor Julio Eduardo Simões, de 54 anos, tomou uma decisão que mudaria os rumos de sua vida. Filho do empresário Julio Simões, fundador de um dos principais grupos de logística do país, ele deixou os negócios da família para trilhar seu próprio caminho. Foi assim que surgiu a Locar, que hoje fatura mais de 300 milhões de reais por ano alugando guindastes e outros equipamentos utilizados em grandes obras de infraestrutura e construção.
De São Paulo, onde fica a sede da empresa, Simões fez da Locar uma prestadora de serviços para clientes de todas as regiões do Brasil. Neste depoimento a Exame PME, Simões conta como foi sua trajetória e como está preparando sua empresa para um novo ciclo de crescimento que os investimentos na exploração de petróleo e gás devem trazer para a Região Sudeste.
Meu primeiro trabalho foi na Julio Simões, empresa que meu pai fundou nos anos 50. Comecei garoto, datilografando papéis no escritório. Fiquei na empresa 17 anos e cheguei a ser vice-presidente. Os negócios da família foram uma bela escola. Naquela época, a Julio Simões já era uma grande empresa de logística.
No final dos anos 80, senti que precisava fazer algo por conta própria. Eu tinha pouco mais de 30 anos e bateu a vontade de buscar independência da família. Pretendia continuar na área de logística, mas não queria concorrer com a empresa de meu pai. Decidi então abrir um negócio de transporte de materiais pesados, para atender indústrias que transportam peças e equipamentos que pesam centenas de toneladas, como turbinas de hidrelétricas e caldeiras industriais. Eu já tinha trabalhado com esse mercado na Julio Simões, que chegou a prestar esse tipo de serviço por algum tempo.
Em 1988, decidi sair da Julio Simões e fundei a Locar. Para levantar o capital necessário para o negócio, vendi a casa grande e confortável onde morava e comprei um apartamento menor, para onde me mudei com minha mulher e meus dois filhos pequenos. O dinheiro que sobrou, investi na empresa. Não recorri ao meu pai em busca de recursos. Quis fazer tudo dentro das minhas possibilidades.
Naquela época não havia mais que uma dezena de concorrentes na área de transportes pesados. A Locar tinha uma estrutura enxuta e conseguia manter preços competitivos. Comecei a ser procurado por clientes de outros estados que vinham a São Paulo para contratar nossos serviços, que eles não encontravam em suas regiões. No começo dos anos 90, já tínhamos grandes clientes em vários estados, da Bahia ao Rio Grande do Sul.
Ser empreendedor e ao mesmo tempo herdeiro de uma grande empresa tem seus prós e contras. Ter trabalhado tanto tempo na empresa da família ajudou um bocado no começo. Meu primeiro grande cliente era uma construtora que eu já havia atendido quando trabalhava com meu pai. Eu conhecera o dono, de quem era amigo quando criei meu negócio. Mas às vezes o sobrenome também atrapalhava. Tive de ouvir muita maledicência. Havia quem duvidasse de minha capacidade ou dissesse que a Locar era uma fachada para os negócios da família. Não gosto nem de lembrar essas coisas. Isso não atrapalhava diretamente meus negócios, mas me incomodava bastante.
Os negócios com transporte de materiais pesados foram bem durante certo tempo, até que me vi num impasse. Os clientes passaram a exigir que, além de transportar cargas pesadas, tivesse guindastes para movimentá- las. Para não perder contratos, decidi comprar um guindaste. Soube que um amigo havia recebido um guindaste em pagamento de uma dívida. Fiz uma proposta e fechamos negócio. O guindaste estava alugado para outra empresa em Macaé, no Rio de Janeiro, e decidi mantê-lo lá. Com o dinheiro que recebia do aluguel, consegui pagar outro guindaste.
Descobri que alugar máquinas e equipamentos podia ser um negócio bem mais interessante que a transportadora. Foi assim que encontrei uma nova vocação para a Locar. Nos anos seguintes, comprei mais guindastes e comecei a atender grandes petroquímicas, siderúrgicas e indústrias de papel e celulose. Entrei nesse mercado justamente num momento em que esses clientes estavam investindo em obras para ampliar a produção e o mercado de locação de máquinas estava aquecido.
Lidar com o crescimento acelerado pode ser um grande desafio para um empreendedor. Vivi essa experiência recentemente. Em 2010, as receitas da empresa foram quase cinco vezes maiores do que há seis anos. No período de maior expansão, a Locar cresceu quase 90% de um ano para o outro. É muito difícil manter o controle de tudo, porque a expansão absorve toda a atenção e a energia de quem está no comando dos negócios. Nos momentos de expansão, é comum relaxar no controle dos custos. Também fica mais difícil saber quais clientes proporcionam os melhores resultados. Recentemente, tenho me dedicado bastante a rever os processos da empresa, avaliar os custos e deixar a gestão em ordem. Isso é fundamental para a Locar crescer com mais saúde, impulsionada pelos investimentos na exploração das reservas de petróleo descobertas na costa brasileira nos últimos três anos.
A exploração do petróleo vai movimentar muito a economia da região. Boa parte dos investimentos em petróleo vai se concentrar no litoral do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, no Sudeste. No final de 2010, fechei um grande contrato com a Petrobras para construir e operar seis embarcações que serão usadas no apoio à perfuração de poços no fundo do mar, na instalação de tubulações e no transporte de equipamentos para as plataformas. Hoje, o aluguel de guindastes representa 60% das receitas da Locar. Só 15% do faturamento vem das balsas e outras embarcações alugadas. Com a expansão dos investimentos em petróleo e gás, acredito que os negócios marítimos dobrem a participação nas receitas daqui a dois ou três anos.
Com a perspectiva de fechar mais negócios com a Petrobras, seus fornecedores e outras companhias de petróleo, concentrei alguns investimentos no Sudeste. Um exemplo é o terminal marítimo que inaugurei recentemente na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, para dar apoio às operações na costa. Já investi 25 milhões de reais no terminal.
Estou preparando a empresa para negociar com investidores ou abrir o capital nos próximos anos. Trazer dinheiro de terceiros pode ser necessário para sustentar a expansão fornecendo para a cadeia do petróleo. Os balanços da Locar já são auditados há três anos e estou montando um conselho consultivo, formado por gente de fora da empresa, que possa trazer uma nova visão sobre os negócios.
Daqui para a frente, cada vez mais penso em profissionalizar a Locar. Hoje evito passear pelos corredores para não ficar tentado a dar ordens, passando por cima da autoridade dos executivos. Para crescer, o dono de um negócio deve se cercar de gente competente, deixar que eles trabalhem e cobrar os resultados.
Estou gradativamente me afastando da gestão do dia a dia para me dedicar às decisões que são estratégicas para o negócio. A Locar cresceu muito, e eu sozinho não teria mais condições de comandar tudo. Há filiais onde não vou há mais de um ano. E não conheço a maioria das obras dos clientes onde há nossos guindastes. Também chega uma hora em que é preciso diminuir o ritmo de trabalho. No começo, eu ficava na empresa de domingo a domingo. Hoje, não. Há muito tempo que não dou as caras no escritório no fim de semana.
Tenho dois filhos: uma moça de 25 anos que trabalha na Locar e um rapaz de 27, que ficou na empresa por um tempo, mas decidiu sair para abrir seu próprio negócio, na área de cosméticos. De certa forma, ele está seguindo uma trajetória parecida com a minha, e saindo dos negócios da família para seguir seu caminho. Acho isso bastante natural. As empresas familiares precisam se profissionalizar. Acho que um herdeiro não deve ter lugar garantido no negócio.