Longe da Califórnia, surgem os novos Vales do Silício
O polo da Costa Oeste ainda lidera, mas Nova York e Londres crescem entre as cidades preferidas de quem pretende inovar em tecnologia digital
Da Redação
Publicado em 2 de julho de 2012 às 21h02.
Londres - Pela primeira vez desde que surgiu, nos anos 40, em torno da Universidade Stanford e da então recém-criada Hewlett-Packard (a HP), o Vale do Silício vê ameaçado seu reinado como destino favorito de quem pretende iniciar um negócio na área tecnológica. O Vale do Silício (a denominação abrange 28 cidades na Califórnia, onde estão instalados pesos-pesados como a Apple e o Google) ainda é sinônimo de inovação. Mas isso agora também vale para Nova York e Londres, os dois polos em ascensão.
O número de contratos de investimentos de alto risco, dos quais sai o dinheiro para os novos empreendimentos, caiu 10% no Vale nos últimos cinco anos. Em Nova York, esse índice cresceu 32% no mesmo período. Lá renasceu o Silicon Alley (beco do silício, em inglês), que foi à falência com o estouro da bolha da internet no fim dos anos 90. Em Londres, o cenário das startups - empresas de inovação tecnológica - explodiu numa parte de East London agora conhecida como Silicon Roundabout (rotatória do silício). Com a ajuda do governo britânico, que cortou impostos e reduziu as exigências burocráticas, o número de startups saltou de 300 para 770 desde o ano passado.
Nova York e Londres ocupam o segundo e o terceiro lugares no ranking dos polos tecnológicos publicado em abril pela consultoria Startup Compass. O levantamento analisou 16 000 empresas para qualificar as regiões do mundo que mais fomentam a indústria. O Vale do Silício continua em primeiro lugar, posição que reflete o fato de abrigar o quartel-general de muitas empresas gigantes -, mas o ritmo de crescimento favorece os polos rivais. O número de empregos na indústria de tecnologia no Vale é hoje 20% menor que em 2000.
Um estudo divulgado em maio pelo Center for an Urban Future, que analisa a evolução de cidades americanas, mostrou que, em Nova York, a oferta de empregos cresceu quase 30% em cinco anos. Esses números não devem ser entendidos como uma mensagem de mau agouro para a indústria tecnológica da Califórnia. Mas, sim, como a comprovação de que o silício — matéria-prima essencial para a indústria da computação e, por isso, aproveitada para dar apelido aos polos de tecnologia — se espalhou devido à preferência das startups por outras cidades. Em termos de novos negócios, o polo nova-iorquino já equivale a um terço do Vale e o de Londres, a um quarto.
O ritmo de crescimento do Silicon Roundabout é equiparável aos tempos de glória do Vale do Silício, entre as décadas de 70 e 90. O número de empresas de tecnologia multiplicou-se por quatro em apenas dois anos. Facebook, Intel, Cisco e Twitter são alguns dos gigantes que passaram a apostar rios de dinheiro lá. Em março, o Google inaugurou um prédio de sete andares, o Google Campus, que abriga 100 empreendedores. É a primeira iniciativa do tipo da empresa. "Aqui vão surgir as próximas grandes empresas on-line, e há vantagens evidentes em estarmos de olho nelas", disse a VEJA Ezequiel Vidra, o argentino que dirige o Campus. Para Vidra, que foi dono de startups e trabalhou em Israel, São Francisco e Nova York, Londres é a bola da vez.
O Silicon Roundabout nasceu em 2008, com a abertura de quinze startups nas proximidades da rotatória existente no encontro entre duas vias, a Old Street e a City Road. Durante dois séculos, East London foi sinônimo de pobreza e criminalidade. Os empreendedores viram o local com outros olhos. "É o paraíso para eles. Havia muitos prédios vazios, existem universidades por perto e o aluguel ainda é metade do de bairros nobres", diz Chris Moore, um consultor encarregado pelo governo inglês de convencer estrangeiros a investir em Londres. Nos últimos dois anos, as ruas do East London foram tomadas por centenas de jovens na faixa dos 20 anos, que andam pelas calçadas com tablets, smartphones e MacBooks.
Eles também são vistos fazendo fila em frente a danceterias e restaurantes da região, repentinamente na moda. Londres se firmou como a capital da tecnologia na Europa, ultrapassando Berlim e Paris, que antes disputavam o posto. "Como estamos no meio do caminho entre América, Europa e Ásia, viramos um polo internacional", diz o americano Geoffrey Prentice, sócio do grupo de investimentos Atomico, do qual faz parte Niklas Zennström, criador do Skype. "Acabou a dependência do Vale, já que abrir uma startup não exige mais rios de dinheiro", acrescenta. Um dos investimentos mais conhecidos da Atomico é o Angry Birds, game que virou febre em smartphones. De Londres, seu grupo injeta dinheiro ao redor da Europa — a Rovio, desenvolvedora do Angry Birds, está na Finlândia —, na América e na Ásia.
Um dos fatores que afastam os empreendedores do Vale do Silício é a sua indústria consolidada e, por isso mesmo, menos propensa a aventuras. "Ir para o Vale seria arranjar dor de cabeça. Lá estão os gigantes e o espaço é disputadíssimo. Em Londres o dinheiro tem fluído mais fácil para quem está começando", diz Kieran O'Neill, de 24 anos, criador da Playfire, rede social para jogadores de videogames. O'Neill é um empreendedor em série. Idealizou seu primeiro negócio aos 15 anos: o site de vídeos de humor Holy Lemon, que vendeu por 1,25 milhão de dólares. "Em um negócio global, criamos fenômenos mundiais sem sair de casa. A maioria de meus jogadores é de americanos, mas não preciso estar nos Estados Unidos para continuar assim", diz o inglês Max Scott-Slade, de 26 anos, que há cinco anos fundou a desenvolvedora de games Johnny Two Shoes. Seu jogo mais conhecido é o Plunderland, um game de aventura para iPhone e iPad. Ele divide o aluguel com Rob Boyett, de 31 anos, cuja agência de publicidade digital trabalha para a Samsung, a Toyota e o Nickelodeon.
Durante algum tempo, muita gente acreditou que Boston, onde está o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, era o melhor candidato para se tornar um polo tecnológico capaz de rivalizar com o Vale do Silício nos Estados Unidos. Uma série de fatores, contudo, favoreceu Nova York. O primeiro deles é a tradição. A infraestrutura criada no Silicon Alley durante a euforia da bolha da web serviu de base para um recomeço a partir de 2007. Hoje a cidade é o polo de tecnologia de mais rápido crescimento nos Estados Unidos.
Em Nova York surgiram várias das startups de maior sucesso nos últimos anos, como o Foursquare e o Tumblr. Afirmou a VEJA David Karp, criador do Tumblr e milionário aos 25 anos: "Em Nova York há menos competição que no Vale. Lá todo mundo quer ser o próximo grande empreendedor. Em Nova York, a disputa é menor e temos uma variedade maior de profissionais, como publicitários, para tocar nosso negócio". O Tumblr é uma rede social de blogs com 36 milhões de usuários e 14 bilhões de visualizações por mês — mais que o Twitter ou a Wikipedia. Karp aprendeu programação aos 11 anos e criou o Tumblr aos 19. Com 85 milhões de dólares investidos na empresa, cujo valor de mercado é estimado em quase 1 bilhão, ele poderia competir de igual para igual com as redes sociais instaladas no Vale do Silício. Mas prefere ficar em Nova York.
"As mídias, como as revistas, estão aqui, não no Vale, o que facilita a divulgação", diz. Talvez quem explique melhor a multiplicação dos "silícios" seja Zennström, o criador do Skype: "O conhecimento e a tecnologia não são mais localizados, como era quando o Vale surgiu. Isso mudou as regras do jogo".
Londres - Pela primeira vez desde que surgiu, nos anos 40, em torno da Universidade Stanford e da então recém-criada Hewlett-Packard (a HP), o Vale do Silício vê ameaçado seu reinado como destino favorito de quem pretende iniciar um negócio na área tecnológica. O Vale do Silício (a denominação abrange 28 cidades na Califórnia, onde estão instalados pesos-pesados como a Apple e o Google) ainda é sinônimo de inovação. Mas isso agora também vale para Nova York e Londres, os dois polos em ascensão.
O número de contratos de investimentos de alto risco, dos quais sai o dinheiro para os novos empreendimentos, caiu 10% no Vale nos últimos cinco anos. Em Nova York, esse índice cresceu 32% no mesmo período. Lá renasceu o Silicon Alley (beco do silício, em inglês), que foi à falência com o estouro da bolha da internet no fim dos anos 90. Em Londres, o cenário das startups - empresas de inovação tecnológica - explodiu numa parte de East London agora conhecida como Silicon Roundabout (rotatória do silício). Com a ajuda do governo britânico, que cortou impostos e reduziu as exigências burocráticas, o número de startups saltou de 300 para 770 desde o ano passado.
Nova York e Londres ocupam o segundo e o terceiro lugares no ranking dos polos tecnológicos publicado em abril pela consultoria Startup Compass. O levantamento analisou 16 000 empresas para qualificar as regiões do mundo que mais fomentam a indústria. O Vale do Silício continua em primeiro lugar, posição que reflete o fato de abrigar o quartel-general de muitas empresas gigantes -, mas o ritmo de crescimento favorece os polos rivais. O número de empregos na indústria de tecnologia no Vale é hoje 20% menor que em 2000.
Um estudo divulgado em maio pelo Center for an Urban Future, que analisa a evolução de cidades americanas, mostrou que, em Nova York, a oferta de empregos cresceu quase 30% em cinco anos. Esses números não devem ser entendidos como uma mensagem de mau agouro para a indústria tecnológica da Califórnia. Mas, sim, como a comprovação de que o silício — matéria-prima essencial para a indústria da computação e, por isso, aproveitada para dar apelido aos polos de tecnologia — se espalhou devido à preferência das startups por outras cidades. Em termos de novos negócios, o polo nova-iorquino já equivale a um terço do Vale e o de Londres, a um quarto.
O ritmo de crescimento do Silicon Roundabout é equiparável aos tempos de glória do Vale do Silício, entre as décadas de 70 e 90. O número de empresas de tecnologia multiplicou-se por quatro em apenas dois anos. Facebook, Intel, Cisco e Twitter são alguns dos gigantes que passaram a apostar rios de dinheiro lá. Em março, o Google inaugurou um prédio de sete andares, o Google Campus, que abriga 100 empreendedores. É a primeira iniciativa do tipo da empresa. "Aqui vão surgir as próximas grandes empresas on-line, e há vantagens evidentes em estarmos de olho nelas", disse a VEJA Ezequiel Vidra, o argentino que dirige o Campus. Para Vidra, que foi dono de startups e trabalhou em Israel, São Francisco e Nova York, Londres é a bola da vez.
O Silicon Roundabout nasceu em 2008, com a abertura de quinze startups nas proximidades da rotatória existente no encontro entre duas vias, a Old Street e a City Road. Durante dois séculos, East London foi sinônimo de pobreza e criminalidade. Os empreendedores viram o local com outros olhos. "É o paraíso para eles. Havia muitos prédios vazios, existem universidades por perto e o aluguel ainda é metade do de bairros nobres", diz Chris Moore, um consultor encarregado pelo governo inglês de convencer estrangeiros a investir em Londres. Nos últimos dois anos, as ruas do East London foram tomadas por centenas de jovens na faixa dos 20 anos, que andam pelas calçadas com tablets, smartphones e MacBooks.
Eles também são vistos fazendo fila em frente a danceterias e restaurantes da região, repentinamente na moda. Londres se firmou como a capital da tecnologia na Europa, ultrapassando Berlim e Paris, que antes disputavam o posto. "Como estamos no meio do caminho entre América, Europa e Ásia, viramos um polo internacional", diz o americano Geoffrey Prentice, sócio do grupo de investimentos Atomico, do qual faz parte Niklas Zennström, criador do Skype. "Acabou a dependência do Vale, já que abrir uma startup não exige mais rios de dinheiro", acrescenta. Um dos investimentos mais conhecidos da Atomico é o Angry Birds, game que virou febre em smartphones. De Londres, seu grupo injeta dinheiro ao redor da Europa — a Rovio, desenvolvedora do Angry Birds, está na Finlândia —, na América e na Ásia.
Um dos fatores que afastam os empreendedores do Vale do Silício é a sua indústria consolidada e, por isso mesmo, menos propensa a aventuras. "Ir para o Vale seria arranjar dor de cabeça. Lá estão os gigantes e o espaço é disputadíssimo. Em Londres o dinheiro tem fluído mais fácil para quem está começando", diz Kieran O'Neill, de 24 anos, criador da Playfire, rede social para jogadores de videogames. O'Neill é um empreendedor em série. Idealizou seu primeiro negócio aos 15 anos: o site de vídeos de humor Holy Lemon, que vendeu por 1,25 milhão de dólares. "Em um negócio global, criamos fenômenos mundiais sem sair de casa. A maioria de meus jogadores é de americanos, mas não preciso estar nos Estados Unidos para continuar assim", diz o inglês Max Scott-Slade, de 26 anos, que há cinco anos fundou a desenvolvedora de games Johnny Two Shoes. Seu jogo mais conhecido é o Plunderland, um game de aventura para iPhone e iPad. Ele divide o aluguel com Rob Boyett, de 31 anos, cuja agência de publicidade digital trabalha para a Samsung, a Toyota e o Nickelodeon.
Durante algum tempo, muita gente acreditou que Boston, onde está o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, era o melhor candidato para se tornar um polo tecnológico capaz de rivalizar com o Vale do Silício nos Estados Unidos. Uma série de fatores, contudo, favoreceu Nova York. O primeiro deles é a tradição. A infraestrutura criada no Silicon Alley durante a euforia da bolha da web serviu de base para um recomeço a partir de 2007. Hoje a cidade é o polo de tecnologia de mais rápido crescimento nos Estados Unidos.
Em Nova York surgiram várias das startups de maior sucesso nos últimos anos, como o Foursquare e o Tumblr. Afirmou a VEJA David Karp, criador do Tumblr e milionário aos 25 anos: "Em Nova York há menos competição que no Vale. Lá todo mundo quer ser o próximo grande empreendedor. Em Nova York, a disputa é menor e temos uma variedade maior de profissionais, como publicitários, para tocar nosso negócio". O Tumblr é uma rede social de blogs com 36 milhões de usuários e 14 bilhões de visualizações por mês — mais que o Twitter ou a Wikipedia. Karp aprendeu programação aos 11 anos e criou o Tumblr aos 19. Com 85 milhões de dólares investidos na empresa, cujo valor de mercado é estimado em quase 1 bilhão, ele poderia competir de igual para igual com as redes sociais instaladas no Vale do Silício. Mas prefere ficar em Nova York.
"As mídias, como as revistas, estão aqui, não no Vale, o que facilita a divulgação", diz. Talvez quem explique melhor a multiplicação dos "silícios" seja Zennström, o criador do Skype: "O conhecimento e a tecnologia não são mais localizados, como era quando o Vale surgiu. Isso mudou as regras do jogo".