Eduardo Meira Peres, de terno, dono da DBServer. (Marcelo Curia)
Da Redação
Publicado em 4 de junho de 2012 às 11h50.
São Paulo - No final do ano passado, o pernambucano Roberto Padilha se sentiu encurralado. Raras eram as semanas em que algum de seus funcionários não o procurava dizendo ter recebido uma proposta de trabalho de um concorrente, muitas vezes para ganhar o dobro do salário pago por sua empresa, a Max Pinturas, de Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana de Recife.
O principal negócio de Padilha, um empreendedor de 53 anos, é prestar serviços de pintura e isolamento térmico. Entre seus clientes estão os consórcios contratados para construir a refinaria Abreu e Lima, no complexo portuário de Suape, uma das maiores obras do país.
Tudo ia muito bem, até que o mercado de trabalho aquecido, uma realidade em muitas regiões do país, começou a representar uma enorme pressão sobre seu negócio.
O maior temor de Padilha passou a ser a possibilidade de estagnação do crescimento da empresa ao longo de 2011, ano em que as receitas estão projetadas em 4 milhões de reais, uma expansão de 67% em relação a 2010. “Fiquei com medo de não contar com mão de obra suficiente para sustentar o crescimento”, diz. “Parecia que eu havia chegado a um beco sem saída.”
O que mais assombrava Padilha era a constante saída de pintores, que levavam consigo o exaustivo treinamento exigido pela Petrobras para cumprir requisitos técnicos nas obras da refinaria.
No ano passado, 12 dos 98 pintores deixaram a Max em busca de salários maiores na concorrência ou em outras empresas fornecedoras da estatal. “Cada vez que um deles saía, era preciso recrutar e treinar do zero novos profissionais”, diz Padilha.
Casos como o da Max Pinturas refletem uma série de transformações no mercado de trabalho brasileiro. Em 2010, o país teve a menor taxa de desemprego desde 2002, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A tendência é que o ritmo de contratações continue aumentando no curto e no médio prazo. Segundo pesquisa de expectativa de emprego realizada pela consultoria em recursos humanos Manpower, 45% das empresas brasileiras pretendem abrir novas vagas neste trimestre — o que deve aprofundar ainda mais o apagão de mão de obra em curso.
Já faltam profissionais para muitas atividades, desde cargos de gerência até serviços básicos, como atendentes telefônicos, operadores de máquinas e garçons.
“Com um mercado de trabalho superaquecido, aumenta o assédio das empresas à mão de obra da concorrência”, diz Marco Túlio Zanini, professor de gestão de pessoas da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte.“Os pequenos e médios negócios, que normalmente têm menos recursos para cobrir contrapropostas das grandes companhias, são os que mais sofrem com esse tipo de cenário.”
Num ano em que a geração de novos postos de trabalho foi recorde — foram criados mais de 2,5 milhões de empregos formais em 2010 —, os empreendedores têm motivos reais para se preocupar. O crescimento depende de inúmeros fatores: uma boa visão de negócios, execução afinada, clientes satisfeitos, capital. Por trás da maioria deles estão funcionários qualificados.
“Nos próximos anos, será mais difícil encontrar profissionais do que dinheiro para financiar a expansão”, diz Riccardo Barberis, presidente no Brasil da Manpower. “O grande gargalo agora é a mão de obra.”
No começo deste ano, Padilha começou a reagir para evitar que a falta de gente interrompesse bruscamente a trajetória de crescimento da Max Pinturas. “Decidi que não dava mais para lidar com o pessoal como se fosse uma empresa pequena”, diz. “Eu estava perdendo meus funcionários para grandes companhias e vi que teria de agir como elas.”
Padilha pediu a seus gerentes uma avaliação da produtividade de cada funcionário e a usou como base para esboçar um plano de carreira para seu pessoal. No caso dos pintores, ele criou três níveis hierárquicos, concedendo aumentos de até 25% aos mais produtivos.
O choque de meritocracia deu resultado. “Ao menos estabeleci critérios de remuneração e dificultei o assédio da concorrência aos empregados”, diz Padilha. Nos primeiros meses de 2011, a rotatividade na Max caiu à metade.
Em negócios como a Max Pinturas, o apagão de mão de obra pode ter efeito educativo. Assim como há dois anos a escassez de crédito obrigou os empreendedores a aprimorar a gestão financeira para tornar seus negócios mais eficientes, a dificuldade em encontrar pessoal qualificado pode servir de estímulo para profissionalizar a gestão de pessoas.
Exemplo disso é o tratamento prioritário que muitos empreendedores têm dedicado ao tema nos últimos meses. Desde 2010, a formação de pessoal qualificado tornou-se a principal preocupação do gaúcho Alexandre Gehlen, de 44 anos, dono da rede de hotéis InterCity, com sede em Porto Alegre.
Até 2014, Gehlen deve investir pouco mais de 1 milhão de reais para treinar o pessoal necessário para manter seus planos de expansão. O dinheiro será usado num programa de treinamento interno de funcionários que ocupam cargos como de governantas e chefes de recepção. “Selecionei quem tem mais potencial para liderar equipes”, diz Gehlen. “Esses funcionários terão aulas de finanças e marketing, entre outras disciplinas.”
Gehlen está recorrendo às próprias fileiras devido à dificuldade em encontrar gente preparada. Até pouco tempo atrás, a maior parte dos gerentes vinha diretamente das faculdades de turismo e hotelaria — ou da concorrência. Mas, com o crescimento das taxas de emprego, a InterCity passou a ter dificuldades para preencher vagas. “Em alguns casos, levei três meses para encontrar o profissional que eu procurava”, diz Gehlen.
A escassez de mão de obra tende a ficar pior. Segundo a BSH, consultoria especializada no setor hoteleiro, devem ser inaugurados 185 hotéis e resorts no Brasil até 2014 — o que vai gerar quase 32 000 empregos diretos. “É uma expansão três vezes maior do que entre 2008 e 2010”, diz Alexandre Mota, da BSH.
Hoje, a rede InterCity tem 17 hotéis em sete estados brasileiros, que no ano passado faturaram 78 milhões de reais. Gehlen planeja inaugurar outros 50 até 2014 para aproveitar as oportunidades no setor de turismo no Brasil, impulsionado pelo aquecimento da economia e pelas perspectivas de negócios que eventos como a Copa do Mundo e a Olimpíada devem gerar. “Não posso correr o risco de parar de crescer por falta de gente”, diz.
Empresas de setores como o de tecnologia, nos quais o nível de escolaridade dos profissionais costuma ser mais alto, precisam ser ainda mais ágeis para se adaptar ao novo cenário. Estima-se que falte algo em torno de 200 000 profissionais para atender à demanda de mão de obra do setor.
A enorme dificuldade em atrair pessoas na área de tecnologia tem levado algumas empresas a adotar estratégias bem pouco usuais. A fabricante de softwares gaúcha DBServer dá um prêmio de 500 reais a quem indicar alguém que seja contratado.
Em 2011, a empresa espera faturar 13 milhões de reais, 30% mais do que no ano passado — e, para atingir a meta, terá de acrescentar a seus 120 funcionários mais 19 profissionais, entre engenheiros de computação, técnicos em informática e programadores.
“Não vai ser nada fácil”, diz Eduardo Meira Peres, de 47 anos, sócio da DBServer. “Tenho uma vaga aberta há seis meses, nem com os prêmios em dinheiro consigo preencher.”
Para evitar que a escassez de gente qualificada seja um obstáculo à expansão ou comprometa o dia a dia das operações, o economista Vitor Roma, de 39 anos, e o engenheiro Fernando de la Riva, de 35, têm usado um arsenal de estratégias para recrutar e manter novos profissionais em sua empresa, a Concrete, prestadora de serviços de TI do Rio de Janeiro.
A fim de localizar potenciais candidatos, ainda na fase de estudos, Roma e Riva estão buscando parcerias com universidades de Minas Gerais, Ceará e Santa Catarina. “Precisamos chegar aos melhores antes da concorrência”, diz Roma. “Com a ajuda dos professores, vamos selecionar 15 alunos para que desenvolvam um novo projeto para a empresa, com o compromisso de contratar os cinco melhores até o final do ano."
Trata-se de uma forma de encontrar novos talentos pagando salários de início de carreira — uma vantagem num momento em que a disputa por profissionais eleva os custos dos empregadores. “Contratar no mercado está cada vez mais caro”, diz Riva.
Nos últimos dois anos, o crescimento da empresa foi de 43%. Pelas projeções dos sócios, a Concrete chegará a um faturamento de 15 milhões de reais neste ano. Para isso, além dos alunos das faculdades, será preciso contratar pelo menos mais 25 empregados — ou o equivalente a quase um quarto da folha atual — nos próximos oito meses.
Para uma empresa de tecnologia, contratar é só uma parte do desafio de lidar com gente. Hoje, a Concrete tem 92 funcionários, a maioria recém-saída da faculdade, com idade média em torno de 25 anos, membros, portanto, da chamada geração Y. “Profissionais de TI dessa idade gostam um bocado de trocar de emprego”, diz Roma.
Transformar os empregados em sócios foi a maneira que os fundadores da Concrete encontraram para evitar a saída de seus funcionários mais estratégicos. Há três anos, a empresa criou um programa que distribui ações a parte de seu pessoal com base em metas de crescimento que precisam ser atingidas.
Nos próximos anos, o equivalente a 15% do capital será distribuído a um grupo de programadores e engenheiros da computação que ajudaram a empresa a cumprir o objetivo de crescer 25% em 18 meses.
Um dos aspectos mais cruéis da briga por talentos é a pressão nos custos com mão de obra. Uma pesquisa recente da consultoria Deloitte mostrou que o crescimento na folha de pagamentos foi um dos fatores que mais pesaram nos custos das pequenas e médias empresas brasileiras entre março de 2010 e março deste ano.
As histórias das pequenas e médias empresas retratadas nesta reportagem têm um ponto em comum — a tentativa de tornar seus postos de trabalho o mais atraente possível sem aumentar demais os custos com mão de obra.
Em todas, aparecem incentivos que vão além do salário ou do benefício monetário de curto prazo. “Cada perfil profissional responde a determinados estímulos”, diz Vicente Picarelli Filho, responsável pela área de capital humano da Deloitte.
Há algumas tendências, de acordo com especialistas. Jovens recém-formados e que trabalham com tecnologia quase sempre são seduzidos por programas de remuneração variável e pela possibilidade de participação no capital das empresas.
Profissionais de nível médio, como operadores de telemarketing, garçons, recepcionistas e motoboys, preferem benefícios que funcionem como complemento à renda, como vale-refeição e planos de saúde.
Para agradar aos vendedores, de qualquer idade e setor, bônus atrelados a metas é o mais indicado. “O importante é oferecer algo que seja útil ao profissional”, diz Wilson Trevisan, consultor de empreendedorismo.
É o que está fazendo a Apis, construtora de Belo Horizonte, com faturamento de 40 milhões de reais. Em 2010, os engenheiros Filipe Coutinho, de 36 anos, e Oswaldo Pinheiro, de 39, sócios da empresa, tiveram dificuldade para encontrar pedreiros, mestres de obras e serventes.
“Foi um sufoco”, diz. Coutinho. “Vi concorrentes assediando meu pessoal no canteiro de obras.” A construção civil foi um dos setores que mais geraram vagas no ano passado — o aquecimento no mercado fez o rendimento médio dos profissionais crescer 8,4% em 12 meses, de acordo com o IBGE. “Com os custos subindo, entrar em leilão de mão de obra seria uma loucura”, diz Coutinho. Em 2010, ele dispensou cinco clientes por falta de profissionais.
Agora a Apis está pondo em prática um plano para conquistar a fidelidade de seus operários. Nos últimos meses, Coutinho aproximou-se dos trabalhadores para saber o que, além de uma proposta salarial melhor, poderia ajudá-los a permanecer no emprego, pelo menos até o término das obras nas quais eles estavam alocados. “Descobri que muitos deles ainda são analfabetos e gostariam de aprender a ler”, diz Coutinho.
“Percebi que alfabetizá-los seria um jeito simples e muito digno de mantê-los a meu lado.” Em sua próxima empreitada, um conjunto habitacional em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, Coutinho montará uma escola para, em parceria com professores do Senai, oferecer cursos gratuitos de alfabetização.
A necessidade de profissionais tem feito alguns empreendedores buscar quem já havia saído do mercado. Hoje, cerca de 20% dos empregados têm mais de 50 anos, segundo o IBGE, ante 16,7% em 2003.
O empreendedor Alexandre Candido, de 33 anos, está conhecendo as vantagens de chefiar gente mais experiente. Sócio da Fit4, rede de lojas de equipamentos para ginástica de São Paulo, Candido passou a dar prioridade a pessoas com mais de 40 anos para sua equipe de vendas depois de ser abandonado por mais da metade da equipe antiga, quase toda formada por jovens.
Desde sua fundação, em 2001, a Fit4 contratava principalmente funcionários entre 20 e 25 anos, recém-formados ou estudantes de educação física.
Mas, em 2010, com a intensificação da disputa por profissionais qualificados e o surgimento de vagas em academias, a maior parte deles deixou a Fit4. “Eles viam o emprego apenas como quebra-galho, enquanto não surgia uma oportunidade ligada ao esporte”, diz Candido.
A sugestão para driblar o problema veio de um dos franqueados da rede, que já tinha em sua equipe uma vendedora de 50 anos. “Ela não entendia de esportes, mas tinha 30 anos de experiência em vendas”, diz Candido.
Hoje, 20 vendedores da Fit4 — ou 30% da equipe — têm mais de 40 anos. “Desde que as pessoas mais velhas se juntaram à nossa equipe, a rotatividade diminuiu e as vendas aumentaram bastante”, afirma Candido.