PME

Chega de complicar a vida dos empreendedores

Como o excesso de papelada, a proliferação de normas e a lentidão dos órgãos públicos roubam a competitividade das pequenas e médias empresas brasileiras e entravam sua expansão

Artur Sales, dono da Porto Madrid: "Gastei mais de 15.000 reais em cartórios, pois as certidões valem só por três meses " (Marcelo Correa)

Artur Sales, dono da Porto Madrid: "Gastei mais de 15.000 reais em cartórios, pois as certidões valem só por três meses " (Marcelo Correa)

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Da Redação

Publicado em 15 de dezembro de 2011 às 05h00.

Um empreendedor que queira abrir uma pequena farmácia em São José do Ribamar, no Maranhão — apontado pelo estudo Pyxis Consumo 2011, do Ibope Inteligência, como um dos municípios brasileiros com maior potencial de consumo —, deve ter o espírito preparado para passar vários meses sofrendo com a papelada exigida.

Se tudo der certo, lá pelo terceiro mês, com o imóvel e o contrato legalizado, será possível requerer o alvará de funcionamento para que a farmácia possa, enfim, vender seu primeiro sal de frutas. A expedição desse alvará pela secretaria responsável pelas contas do estado depende de outro, o sanitário.

Esse certificado é fornecido pelo órgão de vigilância sanitária — mas lá os funcionários só fa­zem alguma coisa para quem já iniciou o processo do alvará de funcionamento na outra secretaria. Ou seja: o primeiro alvará depende do segundo, que depende do primeiro. Complicado, não? Nada contra São José do Ribamar. Pelo contrário.

Quando este texto começou a ser escrito, os maranhenses eram os únicos de uma amostra de oito municípios que já haviam con­se­guido fornecer a Exame PME informações de quantos e quais documentos são necessários, on­de são obtidos, o valor das taxas e o prazo de espera de cada um deles.

Mesmo assim, a coisa não foi fácil. Durante duas semanas, nosso repórter tomou chá de canseira em mais de 70 telefonemas para montar o esquema que explica como abrir a tal farmácia. 


Com esta reportagem, Exame PME inicia uma série sobre a insuportável burocracia que polui o ambiente de negócios no país. Nos próximos meses, nossos jornalistas se dedicarão a procurar exemplos que demonstrem como procedimentos em excesso e lerdeza para cumpri-los roubam competitividade de milhões de empreendimentos que poderiam avançar mais rápido se fossem aliviados pelo menos de parte da papelada que têm de carregar.

O problema é sério, sobretudo quando se leva em conta a necessidade de esses pequenos e médios negócios competirem numa economia global. Pois, já na largada, os brasileiros ficam bem atrás dos empreendedores dos outros países do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China). 

Na edição 2012 do Doing Business — estudo do Banco Mundial que mede a dificuldade para fazer negócios em 183 países — consta que uma empresa hipoteticamente simples, que fabrique vasos de cerâmica, será inaugurada no Brasil após uma média de 119 dias a partir do primeiro requerimento.

É mais que o triplo que uma fábrica igualzinha levaria para fazer seu primeiro vaso na China, o segundo país mais demorado do Bric nesse quesito. A enrolação já seria bastante ruim se, a partir dali, o grande nervosismo com alvarás e guichês pelo menos tivesse acabado. Mas não. A invasão de guias, formulários, carnês, atestados, registro, licenças, certificações, declarações, autenticações e outros "ões" está apenas começando.


Gestão complexa

Alíquotas, cartórios, certificados — haja tempo, gente e energia para lidar com isso

Sobretudo nos primeiros estágios de crescimento de uma pequena ou média empresa, não é possível delegar aspectos estratégicos, como desenvolvimento de novos produtos, contratação de funcionários-chave e definição de metas. É preciso acompanhar tudo de perto — e, pelo menos enquanto não há recursos para pagar bons executivos, também executar tarefas operacionais, como administrar o fluxo de caixa, entrar em contato com grandes clientes e controlar custos.

A lista de obrigações é enorme. Como a mãe que cuida do filho recém-nascido, um empreendedor deveria ter condições de se dedicar integralmente à empresa que ele criou e despender o mínimo de energia com exigências burocráticas que não acrescentam valor nenhum ao negócio. 

Falemos dos impostos. Para saciar a fome tributária do Estado, as empresas entram com 67% de seus lucros, segundo o Doing Business 2012. É a maior carga entre os países do Bric. O escândalo não se limita ao dinheiro. Vigoram no Brasil mais de 275 000 normas que detalham quanto, como e quando pagar os impostos.

Elas crescem como mato. Hoje há 80% mais normas do que em 1995 — e olha que, como o ano não acabou, essa comparação considera só o que foi compilado até 5 de outubro pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, consultoria especializada em destrinchar a maçaroca. 

Os cálculos do Banco Mundial mostram que, para ficar em dia com os impostos, um pequeno ou médio negócio gasta por ano, em média, 2 600 horas — mais de seis vezes o que uma empresa igual gasta na China. É o equivalente a 325 dias úteis de trabalho de um funcionário.


"É um absurdo perder tanto tempo com pagamento de impostos, algo que na maior parte do mundo pode ser resolvido com poucos processos", diz Ismael Martinez, sócio da KSI, empresa de auditoria que atende pequenas e médias empresas.

A burocracia inverte a lista de prioridades dos pequenos e médios empresários brasileiros. "Antes de ser empreendedores, teríamos de ser tributaristas", diz Nildemar dos Santos, de 55 anos, dono da Unilider, distribuidora capixaba de alimentos e produtos de higiene e limpeza que faturou 235 milhões de reais em 2010.

O grande sofrimento de Santos é com o ICMS, imposto estadual que incide sobre as vendas. "Em alguns casos, o valor é recolhido no meu fornecedor, noutros quem paga é o cliente e há produtos em que o ICMS é cobrado de nós", diz ele.

"Não há lógica na definição de que tipo de produto deve ter o imposto recolhido por quem e, ainda por cima, a alíquota varia de estado para estado." A Unilider trabalha com mais de 1 200 itens com fornecedores e clientes em três estados. Boa sorte para quem quiser fazer as contas de quantos procedimentos diferentes resultam dessa combinação.

Ah, de vez em quando, o Conselho Nacional de Política Fazendária, o ponto de confluência dos burocratas do Ministério da Fazenda com os das secretarias estaduais de receita, baixa normas determinando que aquilo que funcionava de um jeito passou a funcionar de outro.  

Vamos conhecer agora o carioca Artur Vinicius Sales, de 34 anos, dono da importadora de azeite Porto Madrid, de Saquarema, no Rio de Janeiro. Ele precisou reservar espaço no escritório para guardar seis volumes, cada um do tamanho de um dicionário Aurélio, encadernados com documentos providenciados nos últimos oito meses.

A papelada foi produzida por causa de um pedido de financiamento com recursos do BNDES para construir uma unidade para engarrafar no Brasil o azeite que vem de Portugal.

O objetivo é diminuir custos de fretes com a importação do mesmo óleo que hoje chega engarrafado aos depósitos da Porto Madrid. "A redução total no custo do produto final chega a 13%", diz Sales. O dinheiro ainda não saiu."Não sei ao certo quando os recursos vão chegar. Nem tenho absoluta certeza de que o financiamento será aprovado", diz Sales.

"Por enquanto, já gastei mais de 15 000 reais com cartórios para autenticar e reconhecer firma de dezenas de certidões, declarações e sei lá mais o quê, até porque boa parte das cópias perde a validade em apenas três meses."


Custos inúteis

Os recursos desperdiçados com papelada não trazem valor nenhum ao negócio 

Dependendo do setor, a burocracia fica tão incrustada nos negócios que ganha status de coisa estratégica, tornando-se tão importante quanto o plano de carreira dos funcionários ou a política de precificação. Na construtora Melnick Even, de Porto Alegre, o vírus da burocracia tem como hospedeiro um órgão vital de qualquer pequena ou média empresa — o setor de custos.

"Ter a papelada em ordem é tão importante quanto escolher terrenos e obter dinheiro para tocar as obras", diz Leandro Melnick, de 35 anos, sócio da empresa. 

Segundo Melnick, a rentabilidade de um de seus empreendimentos pode cair até 10% a cada mês além do cronograma. É que, antes de entregar as chaves, as construtoras não podem repassar aos novos proprietários eventuais financiamentos tomados durante a construção e, enquanto faltar algum alvará, isso não acontece.  

Obras civis no Brasil rendem um argumento interessante para um filme B de ficção científica, em que o tempo-espaço se contrairia ou se dilataria, ao contrário do que mandam as leis da física. De acordo com o Doing Business, o Brasil é o país do Bric que exige o menor número de procedimentos para obter todas as licenças necessárias a uma construção.

Os processos deveriam, portanto, andar mais rápido. Mas é justamente o oposto. Aqui, a obtenção de todas as licenças para, por exemplo, entregar os apartamentos de um edifício aos novos donos pode levar 469 dias — o prazo mais longo do Bric. 


Sem querer ser pessimista, esse é o tempo medido pelo Doing Business considerando que não surgiram imprevistos. Se no meio do caminho o funcionalismo público entrar em greve, por exemplo, a novela pode se estender. E ai de quem preencher algum dígito errado num formulário. "Todo o processo pode atrasar por causa disso”, diz Melnick. “Enquanto isso, perdemos dinheiro."

Para não contribuir para o problema, ele sempre contratou despachantes especializados em cuidar desse tipo de papelada. Foi assim até o início de 2010, ano em que a Mel­nick faturou 208 milhões de reais. Como em quase todas as construtoras do Brasil, na Mel­nick a produção aumentou devido ao aquecimento do setor. Neste ano, a empresa lançou oito empreendimentos, o triplo de 2009.  

Mais obras, mais papéis. Mais papéis, mais possíveis atrasos — até porque há mais processos nos chamados órgãos competentes. "Burocracia tornou-se um fator competitivo para nós", diz Melnick. Por isso, em março de 2010, ele implantou na empresa um novo setor, que batizou de "departamento de assuntos burocráticos".

Ali trabalham uma engenheira e dois técnicos que passam o dia inteiro telefonando ou indo pessoalmente a órgãos públicos. O trabalho deles é verificar se por acaso falta alguma assinatura ou carimbo em algum processo, além de tentar descobrir, o quanto antes, se há obras dependendo de ajustes para ser regularizadas. 

Outro de seus serviços é ler diários oficiais e pesquisar sites de câmaras de vereadores e da Assembleia Legislativa para detectar o que pode mudar na legislação a fim de deixar a empresa preparada para cumprir exigências antes inexistentes.

Tramita na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, por exemplo, um projeto de lei obrigando as construtoras que operam na cidade a instalar obras de arte de artistas do Rio Grande do Sul em frente aos prédios novos. "Se a lei passar, temos de correr atrás de artistas gaúchos e ver onde colocar as obras nos projetos", diz Melnick. "E surgirão mais documentos, claro."

É triste que, no mesmo lugar onde não há mão de obra qualificada suficiente para acompanhar o ritmo com que o país vem se tornando um dos mercados mais prósperos do mundo, existam três pessoas de boa formação cujo serviço seja pajear papéis.

São funcionários que poderiam estar desempenhando tarefas realmente produtivas para a empresa e mais promissoras para eles próprios. "O lugar certo da engenheira é a equipe de projetos; e o dos técnicos, o canteiro de obras", diz Melnick. "Mas não vi outro jeito de lidar com a burocracia."


Obstáculo à globalização

O desafio de encontrar formulários e responder corretamente às suas  perguntas misteriosas 

O empreendedor brasileiro pre-cisa de uma santa paciência para fazer negócios com clientes e fornecedores no exterior. Segundo o Doing Business, mercadorias importadas ficam pelo menos 17 dias paradas no porto — dos quais oito são dedicados a providenciar documentos.

No caso das exportações, a demora é de 13 dias — seis para regularizar a papelada. Enquanto isso, a empresa arca com custos de armazenagem de mais de 1 000 dólares por contêiner.  

O porto é só um pedaço da história. Para chegar até lá, os pequenos e médios empresários brasileiros precisam atravessar um mar de burocracia, hostil como o cabo das Tormentas foi para o navegador português Bartolomeu Dias.

Na história, o cabo abriu novas rotas para o comércio entre nações e, por isso, mudou de nome para cabo da Boa Esperança. Já os empreendedores brasileiros permanecem sem notícias alvissareiras.   

Para muitos, as novidades que chegam são péssimas. É o caso do paulistano Luiz Mascaretti, de 47 anos, dono da Alka, importadora de testes para diagnósticos usados por redes de laboratórios de análises clínicas, como a Dasa. Até o começo do ano passado, ele acreditava já ter burocracia mais que suficiente com que lidar.

Para comprar de fornecedores de países como Alemanha, Japão e Estados Unidos, Mascaretti tem de providenciar uma série de documentos, como alvará sanitário para armazenar os produtos em sua empresa e cartas dos fabricantes estrangeiros à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) declarando — em tradução juramentada para o português — que eles estão mesmo fazendo negócios com a Alka.  

Em maio de 2010, ele foi surpreendido com mais uma exigência. A Anvisa baixou uma resolução determinando que os medicamentos e produtos para saúde que começassem a ser importados dali em diante só poderiam ser vendidos no Brasil depois que os técnicos da agência inspecionassem as fábricas dos fornecedores. "Com a medida, tive de suspender as negociações para trazer novos tipos de exame", diz Mascaretti. 


Desde o surgimento da nova regra, Mascaretti já registrou na Anvisa pedidos de inspeção de 16 fábricas de fornecedores no exterior para poder importar 42 novos exames de doenças autoimunes e de hepatite. Por cada visita, a empresa brasileira deve pagar uma taxa de 37.000 reais, antecipadamente. (Sim, o valor é esse e o pagamento é mesmo antecipado.) 

O que torna a situação mais angustiante para Mascaretti é a falta de qualquer previsão sobre quanto tempo os técnicos da Anvisa vão demorar para comprar passagens de avião, fazer as malas e sabe-se lá mais o que para chegar a até cada uma das fábricas, voltar e liberar cada importação.

"Entrei com os pedidos em fevereiro deste ano e, até agora, não tive nenhuma resposta da Anvisa sobre quando as inspeções no exterior serão feitas", diz ele. "Meus planos de crescimento para este ano foram por terra."

Os planos de Mascaretti consistiam em, com os novos produtos, fazer a Alka crescer 30% neste ano em relação a 2010, quando o faturamento chegou a cerca de 12 milhões de reais. "Do jeito que está, a expansão deve ficar em apenas 5%", diz. Como não há perspectiva de quando os novos produtos poderão ser importados, Mascaretti dispensou recentemente dez de seus 35 vendedores. 

No final de 2010, ele foi a Brasília expor sua situação numa audiência pública na Câmara dos Deputados, onde se discutiram os efeitos deletérios das inspeções para a saúde dos empreendedores, que não conseguiram mais dormir direito desde que a agência as inventou.

Segundo um levantamento da Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial, que reúne produtores e importadoras de testes clínicos, há hoje cerca de 1 000 empresas impedidas de importar algum produto por falta de inspeção da Anvisa nas fábricas de seus fornecedores internacionais. 

E o que são, exatamente, essas inspeções? O fiscal brasileiro que entra numa fábrica de produtos de saúde na Alemanha inspeciona o que exatamente? Que perguntas ele faz? O que acontece se a resposta for A ou B? O texto da resolução da Anvisa diz que o objetivo é avaliar os fornecedores para que eles possam ter um certificado de boas práticas de fabricação emitido pela agência.

"Isso não faz nenhum sentido", diz Carlos Eduardo Gouvea, secretário executivo da Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial. "É raro encontrar um desses fornecedores que já não tenha certificações de institutos de controle de qualidade reconhecidas internacionalmente." 


Falemos, agora, do sofrimento de quem exporta. A paulistana Bralyx, do empreendedor Gilberto Poleto, de 62 anos, fabrica máquinas para produção de salgados e doces recheados, como coxinhas e alguns tipos de doces árabes. Para a Bralyx, exportar é muito importante — no ano passado, as vendas para o exterior representaram 10% de suas receitas, de 30 milhões de reais.

Empresas brasileiras desse setor têm direito a deduções fiscais nas vendas para os Estados Unidos e países da comunidade europeia — vantagens garantidas em acordos comerciais firmados entre esses países e o Brasil. "Sem esse benefício, nossas máquinas perdem competitividade diante dos produtos chineses", diz Poleto.  

Para receber o desconto, os importadores pedem apenas um documento, chamado Form A. A burocracia brasileira determina que o Form A seja retirado nas agências do Banco do Brasil ou comprado numa papelaria autorizada. "Raramente, encontro o formulário nas agências", diz Poleto.

Também não é muito fácil achar papelarias que vendam o Form A. Por indicação de um despachante aduaneiro, Poleto encontrou uma pequena papelaria na Mooca, na zona leste de São Paulo, que sempre tem o formulário. "Agora mando buscar direto lá", diz ele.  

Poleto precisa preencher ainda outras duas declarações, que repetem quase todas as informações do Form A, como descrição e preço do produto, país de destino e dados do fabricante. Em outubro, passou-se a exigir uma terceira declaração. Um dos campos a ser preenchido pede a descrição do processo produtivo do que estiver sendo exportado.

"Ninguém soube me explicar direito o que é para incluir nessa descrição", diz Poleto. É para descrever com muitos detalhes ou de forma genérica? Deve-se listar as matérias-primas? É preciso dizer quantos operários trabalham na produção?

São perguntas difíceis até para Tatiana Lacerda, secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que assinou a portaria que criou a nova declaração. "Não dá para dizer exatamente o que deve ser colocado nessa descrição", afirma ela. "Cada um entende de um jeito mesmo."


Parece que os técnicos do Banco do Brasil, responsáveis por recolher a papelada, devolver ao exportador uma via do Form A e depois arquivar tudo, sabem — afinal, eles indeferem o pedido de dedução fiscal se o processo produtivo foi descrito incorretamente. Não deve ser fácil, pois muitos pedidos têm sido indeferidos por causa disso.

Providências foram tomadas — no final de outubro, o Banco do Brasil promoveu em São Paulo um curso para empreendedores aprenderem a preencher essa janelinha do formulário. 

Empecilho à inovação

Espera de até oito anos para registrar uma patente — o dobro dos Estados Unidos

Três anos atrás, quando terminaram a faculdade de engenharia mecânica na Universidade Federal de Santa Catarina, Rafael Bottós, de 27 anos, e seu irmão gêmeo Gabriel estavam decididos a criar um negócio inovador. Na incubadora da universidade, eles criaram, então, a Welle Laser, fabricante de equipamentos para gravações a laser em cerâmica, plástico e metal.

No ano passado, a empresa faturou em torno de 2,2 milhões de reais atendendo clientes como Natura, O Boticário e Johnson&Johnson, que recorrem às máquinas da Welle para imprimir nas embalagens um selo contra falsificações. 

As boas perspectivas de negócios geradas pela exploração de petróleo e gás na faixa geo­lógica do pré-sal da costa brasileira também fizeram os irmãos Bottós iniciar o desenvolvimento de tecnologias de soldagem a laser para o setor petrolífero.

"Os novos contratos com clientes na cadeia do petróleo vão nos ajudar a fechar 2011 com o triplo do faturamento do ano passado", diz Rafael Bottós.Quanto ao aumento nas receitas e à conquista de bons clientes, a Welle Laser avança em ritmo acelerado. Mas há um aspecto importantíssimo de seu desenvolvimento em que a Welle Laser está muito, muito atrasada. 

Desde 2008, a empresa já requereu o registro de três patentes relacionadas a invenções ou a novos usos que seus profissionais descobriram para tecnologias já existentes. Mas o processo não vai para a frente de jeito nenhum. No Brasil, a espera por uma patente é de oito anos — mais do que o dobro dos Estados Unidos.

Como esse número é uma média, pode ser que os irmãos tenham de esperar bem mais para saber se terão os direitos requeridos. “É um absurdo”, diz Bottós. "Eu não ficaria surpreso se, nesse tempo todo, alguém nos copiasse." 


Há hoje uma montanha de processos em andamento (se é que é apropriado esse termo para algo que não anda ou só anda com muita dificuldade) com pedidos de registro de patente. A patente — esse, sim, um documento importante — existe em qualquer país sério e tem a finalidade de garantir a empresas e pessoas a propriedade intelectual de suas inovações, de forma que elas possam se defender de quem as piratear.

São mais de 150.000 processos congestionados no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) — órgão do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior responsável pelo registro de patentes — quase cinco vezes o que entra a cada ano.

Uma causa dessa situação deplorável está no atraso tecnológico. Parece mentira que, num órgão especializado justamente em inovação, os processos estejam arquivados em pastas de papel, que ficam zanzando de um lugar para outro.

"Perdemos muito tempo com a falta de um sistema automatizado, que permita acessar nossas próprias informações rapidamente", diz Júlio César Moreira, diretor de patentes do Inpi. "Os investimentos em informatização estão sendo feitos agora, e devemos ficar mais ágeis a partir do próximo ano."

Outro motivo está na falta de gente. No Brasil, há 564 processos de registro de patente para cada funcionário — nos Estados Unidos, a proporção é de 139 para cada um. Moreira tem planos de contratar 400 técnicos e analistas, o que dobraria o quadro atual. "Acredito que em quatro anos será possível reduzir o prazo de espera à metade", afirma. 


Indefinição e riscos

Interpretações conflitantes que podem resultar em multas 

Nem o mais bem-intencionado dos empreendedores pode dizer, com total certeza, que paga todos os impostos corretamente, cumpre todas as normas trabalhistas, recolhe todas as taxas devidas e está, portanto, a salvo de ser multado.

"Há tantas regras e muitas são tão confusas que é quase impossível não interpretar alguma do jeito errado", diz Cid Pirondi, sócio da consultoria Blue Numbers, especializada em gestão financeira para pequenas e médias empresas. 

Foi esse tipo de perigo que fez o gaúcho Donald dos Reis, de 46 anos, mudar completamente o rumo da Constat, empresa de soft­ware que ele e três sócios fundaram há 20 anos em Porto Alegre. No começo, o negócio da Constat era prestar serviços de tecnologia, como manutenção de computadores, servidores, softwares e sistemas para outras empresas.

Até 2003, a Constat vinha fechando contratos com grandes empresas do Rio Grande do Sul. O passo seguinte seria entrar no mercado paulista. Mas algo a deteve. 

Para abrir novos mercados e conquistar mais clientes, uma empresa do porte da Constat teria de contar com muita gente terceirizada. "A legislação permite terceirizar serviços que não sejam a atividade principal", afirma Reis. "Em empresas de tecnologia, a discussão de onde fica a linha que separa a atividade principal das outras ainda não tem uma conclusão definitiva."

Por isso, Reis e seus sócios decidiram transformar o modelo de negócios da Constat. Hoje, a empresa também produz softwares para sistemas de relacionamento com consumidores, usados por grandes empresas. No ano passado, a Constat faturou 18 milhões de reais — 25% mais do que em 2009. "Prestar serviços permitiria crescer bem mais rápido", afirma Reis. "Mas preferimos levar a empresa para bem longe de onde a burocracia impera." 

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