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Chega de Choro

Cinco estratégias para comprar matéria-prima e serviços que cortam custos numa pequena ou média empresa — e por que elas são bem melhores do que implorar por descontos

Marcelo César de Carvalho, sócio da Itamonte (Marcelo Correa)
DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h48.

Já se falou um bocado que controlar custos é essencial em pequenas e médias empresas em expansão — e todo empreendedor minimamente cuidadoso, pelo menos uma vez na vida, tratou de eliminar alguma despesa para não ter de aumentar seus preços ou sacrificar a rentabilidade. Nessa luta diária se encontra todo tipo de gasto candidato à tesoura, como o papel da impressora, o cafezinho ou os copos descartáveis. Mas é nas compras, onde os gastos começam, que está uma das oportunidades mais interessantes de obter reduções de custos realmente significativas. É por isso que tantos pequenos e médios empresários se preparam para, ao negociar com seus fornecedores, ter bons argumentos na ponta da língua para clamar por preços menores.

Pedir desconto é bom — muitas vezes dá certo mesmo. O problema é que o crescimento de uma empresa não pode depender disso. O presidente americano Abraham Lincoln disse que é possível enganar alguns todo o tempo e todos por algum tempo — mas não todos o tempo todo. Parafraseando-o, pode-se conseguir descontos de alguns fornecedores por todo o tempo e de todos os fornecedores por algum tempo. Mas uma pequena ou média empresa não consegue descontos de todos os fornecedores o tempo todo. A seguir, cinco empreendedores contam como conseguiram reduzir significativamente os custos fazendo compras com inteligência.

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Todo dia a administradora Fernanda Cabral, de 29 anos, acessa sites que informam a cotação do açúcar e do leite. Ela também lê boletins com a previsão do tempo e análises do mercado de commodities. "Preciso saber com antecedência se os preços estão para subir ou cair", diz ela. "Quando estão em baixa, é hora de comprar." Fernanda fala como se operasse na Bolsa Mercantil de Chicago. Ela se tornou especialista no assunto ao fazer as compras da rede paulista de milkshakerias Mr. Mix, que pertence a ela e ao marido, o administrador Clederson Cabral, de 35 anos.

No custo de um copo de milkshake da Mr. Mix, o açúcar e o leite pesam cerca de 70%. Ao estocá-los quando os preços estão mais baixos, Cabral e Fernanda conseguem manter sob controle uma parte importantíssima das despesas. "Neste ano, economizamos 10% na aquisição desses ingredientes em relação à média de preços praticada no mercado durante esse período", diz Cabral.

Sem açúcar e leite não existe milkshake. Eles vão numa mistura distribuída semanalmente para as 22 franquias da rede. Nas lojas, é transformada em sorvete, batida e servida em 40 opções de sabores, como chocolate, morango, goiaba e papaia. O preço que cada filial paga pelo concentrado não mudou desde janeiro de 2008, quando foi inaugurada a primeira franquia da Mr. Mix — de lá para cá, a cotação do açúcar quase triplicou e o leite subiu cerca de 7%. "Segurar o preço teria sido impossível sem a marcação cerrada desses mercados", diz Cabral. "Teríamos de repassar os aumentos ou então apertar a margem." Ele calcula que, sem a monitoração de Fernanda, teria sido necessário aumentar o preço da mistura em cerca de 30%.

Manter os preços dos milkshakes sempre competitivos é fundamental para o modelo de negócios que Cabral bolou para a Mr. Mix dar certo. Ele abriu a primeira loja há cinco anos, na cidade de Paulínia, no interior de São Paulo, depois de trabalhar no setor de logística da fabricante de bebidas AmBev e no departamento comercial da Müller, que faz a cachaça 51. Hoje, há unidades em cidades de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. "Nossos consumidores são pessoas simples", diz ele. "O milkshake substitui um lanche em dias de trabalho ou vira programa da família toda no fim de semana." Servido em copos de plástico nas lojinhas de rua e nos quiosques de shoppings, um milkshake da rede sai em torno de 3 reais — bem menos do que os cerca de 12 reais que se costuma pagar numa lanchonete mais sofisticada e em restaurantes que servem de tudo.

Como a Mr. Mix consegue cobrar um quarto do preço dos outros? Além da política de compras, há a vantagem da especialização. A empresa só faz esse tipo de produto, o que permite comprar caldas, chocolates, canudinhos e copos em grandes volumes — e com bons preços. Esse poder está prestes a aumentar — em 2011, deverão ser abertas mais 23 lojas, o que pode fazer o faturamento chegar a 12 milhões de reais, o dobro deste ano.


Peneira na turma

Até o início do ano passado, o empreendedor Antonio Carlos Viegas Filho, de 40 anos, fazia as compras da sua empresa — a rede paulistana Moldura Minuto, que vende e emoldura quadros e pôsteres — em quantidades enormes para aproveitar descontos. Havia um depósito na sede, em São Paulo, para guardar até 40 tipos diferentes de materiais, entre molduras de vários tamanhos, fitas adesivas, sacolas plásticas, grampos, papel e fita para pacotes de presente. Os fornecedores os entregavam em grandes fardos. Seus conteúdos depois eram separados e organizados pelos funcionários da Moldura Minuto em lotes menores, que eram, enfim, entregues em cada uma das 60 lojas da rede em 29 cidades do país. Esse processo todo poderia levar até 20 dias para terminar — sobretudo no caso das lojas mais distantes, como as de Manaus e Belém.

Conforme a Moldura Minuto foi crescendo, a operação ficou cara. Da primeira loja de molduras que Viegas abriu num shopping da zona oeste de São Paulo à rede que vai terminar 2010 com um faturamento de quase 30 milhões de reais já se passaram 11 anos. De lá para cá, o espaço reservado ao estoque ficou pequeno. "Havia caixas empilhadas por todo lado, inclusive na minha sala", diz Viegas. "Certa vez, tivemos de usar um caminhão como armazém porque não cabia mais nada em lugar nenhum." Os custos de trabalhar dessa forma foram aumentando com o tempo até que começaram a não compensar os benefícios trazidos pelos descontos. "Mais cedo ou mais tarde tería mos de aumentar os preços, apertar as margens e depois ainda fazer as duas coisas", diz Viegas. "Era preciso mudar tudo."

Viegas bolou um sistema que exigiu dele passar o primeiro trimestre de 2009 empenhado numa tarefa difícil e de resultado incerto. Ele se sentou com cada um de seus 15 fornecedores para pedir que as encomendas passassem a ser entregues em volumes menores e diretamente nas lojas — mas sem que o serviço extra fosse cobrado. O novo sistema era ótimo para a Moldura Minuto, mas não parecia trazer a menor vantagem para o outro lado. "Era de esperar que alguns fornecedores simplesmente não aceitassem", diz Viegas.

Ficou evidente a necessidade de trabalhar com um cenário, altamente provável, no qual os russos não iriam colaborar. Numa versão às avessas da técnica do orçamento base zero — aquela em que se cortam custos a partir da hipótese de que a empresa abriu as portas agora — Viegas imaginou como seria a vida se a primeira compra da Moldura Minuto fosse hoje e os fornecedores atuais nem existissem. "Procurei gente nova no mercado e encontrei vários fornecedores que aceitavam trabalhar do jeito que eu queria", diz ele. "Em alguns casos, fizemos pequenas encomendas para testar a capacidade de entrega."

Em abril, quando a peregrinação das negociações acabou, a maior parte dos fornecedores antigos tinha fechado novos contratos com a Moldura Minuto. E, como algumas encomendas terminaram sendo remanejadas, não foi necessário substituir todos os que desistiram. "Nossos custos aumentaram um pouco por causa da distribuição pulverizada", diz Andréia Moura de Almeida, supervisora de vendas da fabricante de sacolas Pincelli, que vende para a rede há seis anos. "Mas compensou, pois o volume aumentou."

Resumo da ópera: os custos das compras da Moldura Minuto caíram 35%.


Futuro antecipado

No final do ano passado, o dentista Cléber Soares, de 34 anos, juntou uma porção de planilhas e gráficos para montar um relatório com previsões de crescimento de sua empresa, a rede paulistana de clínicas odontológicas Sorridents. Havia informações como evolução das receitas, estimativas de faturamento até 2013, investimentos programados e os planos para novos consultórios. Parecia até que ele estava para se apresentar diante de uma plateia de investidores. Mas não — ele se preparava para negociar com fornecedores de implantes dentários. "Fui pedir um desconto com base no aumento de encomendas que a Sorridents vai fazer nos próximos anos", diz Soares. "Consegui um abatimento de 35%."

Soares colocou na mesa um argumento poderoso e à disposição de qualquer pequena ou média empresa em expansão — a própria expansão. Com 150 milhões de faturamento, a Sorridents vai terminar o ano 50% maior do que quando começou. "Até 2013, vamos dobrar de tamanho", diz Soares. Para os fornecedores isso significa que a Sorridents pode comprar cada vez mais deles. No caso dos implantes, será o triplo.

Grandes volumes, grandes descontos. Os números impressionaram os representantes da Sin Implantes, um dos três fornecedores com que Soares negociou. "Fizemos acordo porque a Sorridents é estratégica para nós", diz Martha Penna, presidente da Sin Implantes. "As compras da rede vêm aumentando 50% ao ano e em breve a empresa deverá estar entre nossos cinco maiores clientes."

Grandes descontos, grandes poderes. O bom desconto deu à Sorridents superpoderes imediatos para tornar seus tratamentos com implantes muito mais competitivos. Hoje, um implante sai em média por 1.000 reais, metade do que era cobrado — impacto impossível se Soares ocupasse a mente só com coisas como substituir o tipo de papel usado no bloquinho do recibo entregue aos pacientes. "Com isso, fizemos 50% mais implantes em relação a 2009", diz Soares.

Baixar o custo dos materiais está na essência da Sorridents. A rede começou 15 anos atrás, quando a dentista Carla Renata Sarni, hoje com 37 anos e casada com Soares, abriu um modesto consultório na periferia de São Paulo. Carla ficou assustada com os altos preços cobrados pelos fabricantes de materiais, que a impediam de oferecer tratamentos mais acessíveis aos moradores da região.  Mas, diferentemente de outros dentistas, ela não se conformou. "Se milhares de dentistas se unissem, o mundo seria diferente", diz Carla. "Daria para conseguir descontos, repassar parte para os preços e trazer um monte de gente para os consultórios." E assim foi.


Compra programada

Vamos supor que você tenha 10 reais para comprar um bom sanduíche e só existam duas lanchonetes. Na primeira, o dono determina os preços com lances de dados. Se sair o lado com o número 1, o sanduíche custa 1 real. Se sair o número 6, sobe para 10 reais. E se der um resultado intermediário, o preço varia de 2 a 9 reais. Na segunda lanchonete, o preço nunca é tão bom nem tão ruim — custa sempre 5 reais. Em qual delas você iria?

Era mais ou menos essa a situação do contador Faber Lobo, de 43 anos, sócio da empresa paulista de uniformes e brindes ArtCor Brasil, na cidade de Poá, quando decidiu que passaria a fabricar internamente as camisetas que seus clientes compram para distribuir aos clientes deles. Elas são o principal produto da ArtCor, sendo responsáveis por 80% das vendas. "Em se tratando da nossa maior fonte de receitas, achei que valia a pena verticalizar", diz Lobo.

Fabricando o próprio tecido, raciocinou Lobo, a ArtCor poderia crescer rapidamente. "Daria para programar melhor a entrega de altos volumes de camisetas para conquistar clientes importantes”, diz Lobo. Na época, o único realmente grande era a Lojas Pernambucanas. Para atingir esse objetivo, Lobo achava fundamental proteger a empresa das oscilações do preço do fio de algodão, matéria-prima que pesa 40% no custo das camisetas. "Além disso, eu queria ter certeza de que sempre encontraria fio para comprar”, diz ele.

Para garantir volumes e alguma estabilidade nos preços, Lobo encontrou um fabricante disposto a fazer um acordo. Uma vez por ano os dois se reúnem e Lobo informa quanto pretende comprar de fio de algodão a cada mês a fim de que o fornecedor se organize para garantir a mercadoria. Depois, eles definem a que preço o fio será negociado durante os três meses seguintes. "Acho melhor assim do que comprar mês a mês no escuro, sem saber direito de quem e a quanto", diz Lobo. "Pelo menos mantenho a empresa protegida das fortes variações que podem ocorrer nesse mercado durante três meses." Ao final do trimestre, eles se sentam de novo para definir o preço que valerá nos trimestres seguintes — e assim por diante até o ano acabar.

Funciona dessa forma há cinco anos, período em que a ArtCor progrediu muito. Neste ano, o faturamento vai chegar a 10 milhões de reais — mais que o dobro de 2006. A previsão de Lobo se realizou. Com mais controle da produção, ele se sentiu seguro para fechar contratos com grandes clientes, como Shell e MasterCard, que compram grandes volumes de camisetas para uniformes. "Eu viveria nervoso sabendo que tenho de honrar contratos mesmo com o risco de perder dinheiro por causa da incerteza do mercado", diz Lobo.

Sem a proteção das compras programadas, a aflição teria sido tremenda neste ano. Segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção, de janeiro a novembro os fornecedores brasileiros de fio de algodão reajustaram seus preços em 40% — reflexo das enchentes que destruíram boa parte dos campos de algodão asiáticos nos primeiros meses de 2010. "Com as compras programadas
o impacto foi metade disso", diz Lobo.


Todos por um

Varia muito a maneira como o empreendedor Marcelo César de Carvalho, de 62 anos, sócio da fabricante de bebidas Itamonte, no sul de Minas Gerais, enxerga os outros empreendedores de seu setor de atuação. Uma hora eles são seus competidores ferrenhos. Noutra, os trata quase como irmãos. Não é que Carvalho tenha algum tipo de distúrbio de personalidade — é que, de fato, eles são as duas coisas.

Em 2008, a Itamonte e 69 pequenos fabricantes de refrigerantes de vários estados deixaram as diferenças de lado e se uniram para pedir a um produtor de vasilhames de vidro que fabricasse uma garrafa exclusiva. Cada um usaria seu rótulo, mas as garrafas seriam iguais. "A padronização traria um bom custo e todos sairiam ganhando", diz Carvalho.

Como os demais fabricantes, Carvalho estava cansado das dores de cabeça que os vasilhames estavam dando. "Eles viviam quebrando, e era preciso comprar mais a toda hora", diz ele. "Dava um trabalhão e estava ficando muito caro." Um dia, numa reunião com outros fabricantes que tinham o mesmo problema, surgiu a ideia de encomendar uma garrafa única para todos do grupo. Eles procuraram a Verallia, fabricante de embalagens de vidro do grupo francês Saint-Gobain, e mostraram um esboço do que queriam. "Tudo foi resolvido", diz Carvalho.

Carvalho diz que os vasilhames retornáveis são importantes para uma empresa do porte da Itamonte. "As garrafas de plástico são muito práticas, mas o custo é alto demais para quem não compra uma quantidade gigantesca, como no nosso caso", diz. "O custo da nova garrafa de vidro cabe no nosso bolso porque pode ser diluído, já que é utilizada várias vezes." É por isso, diz Carvalho, que a Itamonte nunca desistiu do vidro ao longo dos anos. Quando estava para fazer 30 anos, Carvalho tornou-se sócio da Itamonte, fundada por seu irmão, José Marcos Carvalho, em meados da década de 70. "As garrafinhas do guaraná Mantiqueira, nosso primeiro refrigerante, saíam da fábrica nuns engradados de madeira", diz Carvalho. "Depois, eram distribuídas de carroça."

Para Carvalho, o acordo com a Verallia foi um momento histórico. Desde então, as vendas de refrigerantes em vasilhames de vidro cresceram 60% na Itamonte e vão ajudá-la a faturar 29 milhões de reais neste ano — 10% mais que em 2009, quando o acordo entrou em prática. Com o custo menor das garrafas de vidro, foi possível baixar o preço final do refrigerante em 15% — o guaraná Mantiqueira de 290 mililitros, o principal item da linha, é encontrado nos supermercados hoje por 65 centavos, em média.

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