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Casa América faturou 10 milhões de reais com enxovais

Como o armazém Casa América, fundado há mais de 50 anos na cidade mineira de Itajubá, virou uma rede de lojas de enxovais que cresce cerca de 30% ao ano, compete com grandes redes na região e agora chegou à internet


	Carlos Eduardo Alves: "Sabia que deveria fazer algumas mudanças na Casa América, mas não podia deixar de oferecer alguns dos benefícios que os clientes já recebiam — senão eles certamente passariam a comprar muito menos"
 (Fabiano Accorsi / EXAME PME)

Carlos Eduardo Alves: "Sabia que deveria fazer algumas mudanças na Casa América, mas não podia deixar de oferecer alguns dos benefícios que os clientes já recebiam — senão eles certamente passariam a comprar muito menos" (Fabiano Accorsi / EXAME PME)

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Da Redação

Publicado em 4 de abril de 2013 às 06h00.

Itajubá - Afachada da matriz da rede de lojas de enxovais Casa América, na cidade mineira de Itajubá, guarda um pequeno segredo. Localizado na pacata praça Wenceslau Braz, bem ao lado da casa onde morou o ex-presidente da República que dá nome ao local, o imóvel é coberto por placas verdes, numa tentativa de modernizar a decoração da loja, fundada em 1959.

Debaixo das placas estão as marcas do passado — camelos esculpidos nas paredes homenageiam o Líbano, terra natal do fundador da empresa, Hanna Nakle El Mohallem, de 82 anos, conhecido em Itajubá como "seu Jean". Em 2002, ele vendeu a Casa América para o engenheiro Carlos Eduardo Alves, de 37 anos, marido de sua sobrinha Fernanda. Mas impôs uma condição. "Tive de prometer que não tiraria os camelos dali nunca", afirma Alves. 

A história dos camelos ajuda a entender um pouco o que aconteceu com a Casa América nos últimos anos. Alves fez questão de preservar algumas das marcas da administração de seu Jean — como a clientela fiel, o atendimento atencioso e a boa reputação da marca. E também trabalhou para modernizar a empresa, torná-la mais eficiente e menos vulnerável à concorrência, que nos últimos anos se acirrou bastante na região.

Itajubá é uma cidade de 90.000 habitantes, localizada no sul de Minas Gerais, que funciona como uma espécie de polo de outros 14 pequenos municípios — habitantes das outras cidades trabalham ali ou costumam fazer compras no comércio itajubense.

Assim como ocorreu na maioria das cidades do interior do Brasil, a renda e o potencial de consumo da população de Itajubá também aumentaram nos últimos anos, o que atraiu grandes empresas para lá.

Um mercado que até poucos anos atrás era considerado pequeno para comportar grandes varejistas passou a chamar a atenção de redes como Pernambucanas, Magazine Luiza e Seller, que instalaram lojas na cidade. Essas empresas vendem roupas ou artigos de enxoval. São, portanto, concorrentes diretas da Casa América. "Mesmo assim, nossas receitas têm crescido 30% ao ano”, diz Alves. “Faturamos 10 milhões de reais em 2012."


Alves nasceu em Pouso Alegre (a 70 quilômetros de Itajubá) e conheceu Fernanda na faculdade de engenharia. Já formado, mudou-se para São Paulo, onde trabalhou numa multinacional e se especializou em comércio exterior. Mas ele e Fernanda tinham planos de casar e criar os filhos em Itajubá.

Desenhos feitos por seus filhos, Livia, de 6 anos, e Lucas, de 3, hoje cobrem as paredes de seu escritório, ao lado de dezenas de fotografias da família. Como seu Jean cogitava parar de trabalhar, comprar a Casa América pareceu a Alves ser uma boa maneira de realizar o sonho de viver no interior. Seu Jean, já abatido pela idade, agora acompanha de longe as mudanças no negócio.

Quando o fundador da empresa entregou o negócio nas mãos de Alves, a Casa América tinha uma loja, 12 funcionários e faturamento anual de 1 milhão de reais. O armazém vendia de roupas e sapatos a queijos e tomates.

Como encontravam de tudo um pouco por ali, os consumidores costumavam visitar a loja toda semana. Para agradar aos fregueses que mais compravam, seu Jean dava descontos ou oferecia queijos como brinde. A maioria comprava fiado. As dívidas eram anotadas num caderninho velho, e não havia muito controle sobre quem pagava ou deixava de pagar.

A variedade, os descontos e o fiado ajudavam a cativar a clientela e aumentar as vendas, mas engoliam os lucros do negócio. "Muitas empresas que se destacaram em cidades do interior conseguiram conquistar a clientela ao oferecer um bom atendimento e produtos de qualidade", afirma Eugênio Foganholo, especialista em varejo da consultoria Mixxer. "Mas, num mercado cada vez mais competitivo, essas características já não são suficientes. É preciso eficiência."

Para oferecer uma variedade grande de produtos, a Casa América tinha de arcar com um estoque grande, sortido e com muitos itens perecíveis. Tudo isso representava um custo alto, que era repassado aos preços e impedia a empresa de se tornar mais competitiva. Descontos e brindes eram duas práticas que também faziam mal ao caixa.

Não havia controle sobre os produtos que eram doados. A redução de preço, feita de forma aleatória, não premiava necessariamente os melhores clientes. O que mais complicava as finanças da empresa era o fiado — a inadimplência era de 13% ao ano. "Eu sabia que deveria fazer algumas mudanças, mas não podia deixar de oferecer benefícios aos clientes, porque senão eles passariam a comprar muito menos", diz Alves.

A primeira medida tomada por Alves foi parar de vender alimentos. "Precisávamos ter foco", afirma Alves. Sobraram dois tipos de produto no estoque: calçados e roupas. A loja matriz passou a vender só roupas e a Casa América abriu uma nova unidade só para vender sapatos. "Mantivemos certa variedade, só que com cada coisa em seu lugar", diz Alves.


O custo do estoque caiu pela metade, e as vendas de roupas e sapatos cresceram. Depois vieram mais duas lojas, que vendem enxovais.

O fim da venda de alimentos teve seu lado negativo — a frequência de compra dos clientes diminuiu. Para estimular as pessoas a ir às lojas mais vezes e, ao mesmo tempo, acabar com o fiado, a Casa América começou a financiar as compras em até dez vezes no carnê — o que força o freguês a ir à loja todo mês para pagar a parcela.

A cobrança de juros, com taxas que chegam a 9% ao mês, próximas às cobradas pelas operadoras de cartão de crédito, virou uma nova fonte de receitas para a empresa.

A concessão de crédito, que sempre foi uma prática usual na Casa América, foi informatizada e se tornou uma ferramenta inteligente para gestão das vendas e relacionamento. Depois de receber a informação de qual é a profissão do cliente, o sistema calcula a renda média de sua categoria profissional e estipula que ele pode comprometer no máximo 20% desse valor com as prestações em todas as lojas da rede. 

Com a ferramenta, descontos e parcelamentos são definidos de forma impessoal, evitando constrangimento entre vendedores e clientes. "Se uma compra não é aprovada, o funcionário simplesmente coloca a culpa no sistema. Quando descobrimos que o consumidor está com o nome sujo na praça, criamos alguma burocracia que dificulte a compra", afirma Alves.

"Já chegamos a pedir até um Certificado de Reservista como condição para aprovar o crédito." A inadimplência caiu drasticamente — de 13% em 2002 para 3% no ano passado.

Os bons pagadores ganharam vantagens. A prestação quitada em dia rende pontos, que são convertidos em vale-compras para o consumidor gastar nas lojas. A dona de casa Maria Helena Silva Pereira, de 57 anos, é uma cliente fiel da Casa América. Visita as lojas toda semana e sempre compra roupas, calçados, lençóis ou mantas para ela ou alguém da família — e paga tudo em dia.


"Juntei 1 000 pontos e isso me dá direito a levar 500 reais em produtos", diz Maria Helena. "Por causa desses benefícios, prefiro comprar aqui do que em outras redes, mesmo quando o preço é um pouco mais alto."

Recentemente, Alves decidiu fazer com que os produtos da Casa América chegassem a consumidores que moram longe de Itajubá. No fim de 2012, a empresa estreou no comércio eletrônico e levou para a internet o atendimento e as condições de pagamento que fizeram o negócio ganhar força no interior.

O comércio eletrônico já responde por 3% do faturamento, mas Alves continua preocupado. "Somos uma empresa pequena, de uma cidade pequena, e isso pode gerar desconfiança nas pessoas que quiserem comprar pelo site", diz Alves. "Por isso, a principal meta é dar credibilidade à nossa marca na internet."

Na área "Quem somos" do site, a Casa América está descrita assim: "Se tivéssemos de comparar a empresa com uma pessoa, seríamos um velhinho de quase 60 anos, respeitado e cheio de amigos por onde passa". Há também um programa de fidelidade para os clientes virtuais. Quem acumula 1.000 ­reais em compras ganha, para sempre, 10% de desconto em qualquer produto.   

Ao fazer uma compra, o consumidor recebe e-mails com detalhes sobre a situação do pedido. Na mensagem, sempre em tom informal, há uma informação curiosa — o telefone de três gerentes de agências de grandes bancos instalados em Itajubá. "As pessoas não conhecem a Casa América, mas conhecem os bancos", afirma Alves.

"Então, quem duvida de que a empresa existe ou é idônea pode telefonar para o funcionário de uma grande instituição financeira para confirmar." Cheyenne de Mello Magalhães, de 24 anos, gerente da agência itajubense do banco Bradesco, é uma das pessoas indicadas no site para falar sobre a Casa América. Ela conta que, até hoje, ninguém ligou para pedir referências.

"Mas, se telefonar, eu vou dizer que a Casa América é confiável e vai entregar tudo direitinho, no prazo certo", afirma Cheyenne. "Aqui no interior, uma empresa que não respeita o cliente não consegue sobreviver, porque todo mundo se conhece."

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