O admirável mundo novo dos empreendedores da internet
Em Brilliant, Crazy, Cocky, a americana Sarah Lacy traça um perfil dos empreendedores que mais crescem nos mercados emergentes
Da Redação
Publicado em 2 de maio de 2011 às 16h01.
De qualquer ponto de vista, o brasiliense Marco Gomes, de 23 anos, tinha pouquíssimas perspectivas de futuro na sua infância. Foi criado numa favela da cidade-satélite do Gama, no Distrito Federal, onde vivia com a mãe e o pai, um ex-viciado em drogas que gastava tudo o que tinha para sustentar o vício.
Gomes largou a escola aos 6 anos de idade e só foi aprender uma profissão na adolescência, quando trabalhou com um tio que contrabandeava computadores do Paraguai para Brasília. Foi quando ele aprendeu a programar e a fazer sites na internet.
Aos 19 anos, criou com o sócio, Marcos Tanaka, a boo-box, agência de publicidade focada em mídias sociais que já recebeu investimentos de dois fundos de capital de risco — em 2007, a empresa recebeu 300 000 dólares do Monashees e, recentemente, foi selecionada pelo americano Intel Capital como uma das 18 empresas emergentes de 11 países que vão repartir 77 milhões de dólares de investimento.
Histórias como a de Gomes atraíram a atenção da jornalista americana Sarah Lacy, que, há mais de 15 anos, escreve sobre as empresas do Vale do Silício, na Califórnia, para publicações como a revista Business Week e o site de notícias sobre tecnologia Techcrunch.
Ela queria conhecer empreendedores de países emergentes que, como o dono da boo-box, criaram com poucos recursos negócios de sucesso com grande potencial de crescimento. O resultado está no livro Brilliant, Crazy, Cocky — How the Top 1% Entrepreneurs Profit from Global Caos (“Brilhantes, loucos, convencidos — como 1% dos melhores empreendedores lucram no caos global”, numa tradução livre).
Sarah passou 40 semanas viajando por Ásia, América Latina e África em busca de boas histórias. Em Ruanda, na Indonésia, no Brasil e em outros países emergentes, ela visitou não só os centros financeiros das metrópoles como também as favelas na periferia para conversar com gente capaz de empreender e inovar em alguns dos ambientes mais hostis para quem começa um negócio. “Essas pessoas estão criando a nova riqueza do mundo”, diz Sarah.
No livro, ela reúne as histórias de alguns desses empreendedores e faz uma radiografia dos países que visitou, com sua crônica falta de infraestrutura básica, má distribuição de renda, baixo investimento em educação e excesso de violência nas ruas. Ainda assim, Sarah traça um retrato favorável dos empreendedores que conheceu e de sua capacidade de superar obstáculos.
Vê nos donos de negócios da América Latina, da Ásia e da África um tipo de vibração que estaria sendo esquecida no mundo desenvolvido.
Num momento em que as principais economias do planeta ainda tentam encontrar soluções para retomar o crescimento econômico, a autora enumera as principais vantagens de quem faz negócios nos países emergentes — entre as quais a força de economias impulsionadas por uma multidão de novos consumidores, a facilidade cada vez maior para atrair capital e conhecimento dos países mais desenvolvidos e uma força de vontade forjada nas dificuldades do cotidiano.
A primeira dessas vantagens está relacionada à transformação de países como Brasil, Rússia, China e Índia em economias robustas e dinâmicas, fortalecidas pelo poder aquisitivo crescente de enormes faixas da população. Cada um desses países vive, a seu modo, os efeitos da ascensão de uma nova classe média, de maneira bastante semelhante à ascensão da classe C brasileira.
Juntos, os novos consumidores formam um mercado poderoso, mas muitas vezes difícil de ser compreendido para quem é estrangeiro. “A verdade é que ninguém é capaz de conhecer tão profundamente um mercado quanto os empreendedores que nasceram e cresceram no local”, afirma Sarah.
Para ela, os empreendedores nos países emergentes se beneficiam de um mundo globalizado. Há legiões de jovens — principalmente asiáticos — deixando os países emergentes para trabalhar e estudar em faculdades conceituadas nos Estados Unidos e na Europa. A trajetória típica desses empreendedores é parecida com a do chinês Robin Li, criador do site de buscas Baidu, uma espécie de Google da China.
Filho de operários chineses, ele saiu de Pequim na juventude para estudar ciências da computação nos Estados Unidos e trabalhou em empresas de informática em Nova York e na Califórnia antes de voltar para casa e abrir o próprio negócio, hoje com receitas superiores a 330 milhões de dólares ao ano.
Quando alguém como Li retorna ao lar e abre um negócio com potencial de crescimento, é bem provável que seja acompanhado de perto pelos gestores de fundos de capital de risco, que têm cada vez mais recursos para investir nos mercados emergentes.
A última vantagem de quem abre um negócio em um país emergente é, para Sarah, a mais difícil de quantificar. Nos países menos desenvolvidos, encontram-se empreendedores que não têm nada a perder e, por isso, estariam mais dispostos a ousar e arriscar mais. Para muitas dessas pessoas, abrir o próprio negócio é a principal chance de subir na vida.
Talvez por isso a maioria das empresas selecionadas por Sarah para entrar no livro tenha sido construída por jovens com uma infância difícil no currículo, como é o caso de Marco Gomes. Alguns têm histórias de vida dramáticas, como o indonésio Ciputra (ele só usa um nome, como muitos habitantes da Indonésia).
Hoje com quase 90 anos, Ciputra ficou conhecido como o “Walt Disney da Indonésia” por ter construído um parque de diversões que deu origem a um dos maiores conglomerados empresariais da Indonésia, com negócios que vão da indústria do entretenimento ao sistema financeiro e ao mercado imobiliário.
Os pais de Ciputra foram mortos durante a ocupação japonesa na Segunda Guerra Mundial. Mantido prisioneiro num campo de concentração, era torturado frequentemente pelos carcereiros.
Ciputra projetou seu grande parque de diversões quando ainda estava na faculdade. Na época, decidiu enviar uma carta a Walt Disney propondo uma sociedade. Disney remete-lhe uma resposta de duas linhas, nas quais dizia que jamais investiria em Jacarta e pedia ao empreendedor que não copiasse seu nome no parque que estava projetando.
Mesmo diante da negativa, Ciputra não desanimou. Construiu o parque de diversões sozinho, do jeito que foi capaz. Hoje, ele trabalha num projeto para desenvolver a cultura de empreendedorismo entre os jovens indonésios.
Outra história inspiradora é a do empreendedor Jean de Dieu Kagabo, de Ruanda. Órfão, ele ficou sem dinheiro quando seus dois irmãos desperdiçaram parte dos bens da família. Kagabo tinha 18 anos ao decidir que teria o próprio negócio. Foi então que começou a fabricar produtos básicos, como papel higiênico, até então importados.
Ele aprendeu mandarim sozinho e foi para a China procurar equipamentos de fabricação. Com um começo assim, Kagabo construiu um dos principais fabricantes de bens de consumo da África.
De qualquer ponto de vista, o brasiliense Marco Gomes, de 23 anos, tinha pouquíssimas perspectivas de futuro na sua infância. Foi criado numa favela da cidade-satélite do Gama, no Distrito Federal, onde vivia com a mãe e o pai, um ex-viciado em drogas que gastava tudo o que tinha para sustentar o vício.
Gomes largou a escola aos 6 anos de idade e só foi aprender uma profissão na adolescência, quando trabalhou com um tio que contrabandeava computadores do Paraguai para Brasília. Foi quando ele aprendeu a programar e a fazer sites na internet.
Aos 19 anos, criou com o sócio, Marcos Tanaka, a boo-box, agência de publicidade focada em mídias sociais que já recebeu investimentos de dois fundos de capital de risco — em 2007, a empresa recebeu 300 000 dólares do Monashees e, recentemente, foi selecionada pelo americano Intel Capital como uma das 18 empresas emergentes de 11 países que vão repartir 77 milhões de dólares de investimento.
Histórias como a de Gomes atraíram a atenção da jornalista americana Sarah Lacy, que, há mais de 15 anos, escreve sobre as empresas do Vale do Silício, na Califórnia, para publicações como a revista Business Week e o site de notícias sobre tecnologia Techcrunch.
Ela queria conhecer empreendedores de países emergentes que, como o dono da boo-box, criaram com poucos recursos negócios de sucesso com grande potencial de crescimento. O resultado está no livro Brilliant, Crazy, Cocky — How the Top 1% Entrepreneurs Profit from Global Caos (“Brilhantes, loucos, convencidos — como 1% dos melhores empreendedores lucram no caos global”, numa tradução livre).
Sarah passou 40 semanas viajando por Ásia, América Latina e África em busca de boas histórias. Em Ruanda, na Indonésia, no Brasil e em outros países emergentes, ela visitou não só os centros financeiros das metrópoles como também as favelas na periferia para conversar com gente capaz de empreender e inovar em alguns dos ambientes mais hostis para quem começa um negócio. “Essas pessoas estão criando a nova riqueza do mundo”, diz Sarah.
No livro, ela reúne as histórias de alguns desses empreendedores e faz uma radiografia dos países que visitou, com sua crônica falta de infraestrutura básica, má distribuição de renda, baixo investimento em educação e excesso de violência nas ruas. Ainda assim, Sarah traça um retrato favorável dos empreendedores que conheceu e de sua capacidade de superar obstáculos.
Vê nos donos de negócios da América Latina, da Ásia e da África um tipo de vibração que estaria sendo esquecida no mundo desenvolvido.
Num momento em que as principais economias do planeta ainda tentam encontrar soluções para retomar o crescimento econômico, a autora enumera as principais vantagens de quem faz negócios nos países emergentes — entre as quais a força de economias impulsionadas por uma multidão de novos consumidores, a facilidade cada vez maior para atrair capital e conhecimento dos países mais desenvolvidos e uma força de vontade forjada nas dificuldades do cotidiano.
A primeira dessas vantagens está relacionada à transformação de países como Brasil, Rússia, China e Índia em economias robustas e dinâmicas, fortalecidas pelo poder aquisitivo crescente de enormes faixas da população. Cada um desses países vive, a seu modo, os efeitos da ascensão de uma nova classe média, de maneira bastante semelhante à ascensão da classe C brasileira.
Juntos, os novos consumidores formam um mercado poderoso, mas muitas vezes difícil de ser compreendido para quem é estrangeiro. “A verdade é que ninguém é capaz de conhecer tão profundamente um mercado quanto os empreendedores que nasceram e cresceram no local”, afirma Sarah.
Para ela, os empreendedores nos países emergentes se beneficiam de um mundo globalizado. Há legiões de jovens — principalmente asiáticos — deixando os países emergentes para trabalhar e estudar em faculdades conceituadas nos Estados Unidos e na Europa. A trajetória típica desses empreendedores é parecida com a do chinês Robin Li, criador do site de buscas Baidu, uma espécie de Google da China.
Filho de operários chineses, ele saiu de Pequim na juventude para estudar ciências da computação nos Estados Unidos e trabalhou em empresas de informática em Nova York e na Califórnia antes de voltar para casa e abrir o próprio negócio, hoje com receitas superiores a 330 milhões de dólares ao ano.
Quando alguém como Li retorna ao lar e abre um negócio com potencial de crescimento, é bem provável que seja acompanhado de perto pelos gestores de fundos de capital de risco, que têm cada vez mais recursos para investir nos mercados emergentes.
A última vantagem de quem abre um negócio em um país emergente é, para Sarah, a mais difícil de quantificar. Nos países menos desenvolvidos, encontram-se empreendedores que não têm nada a perder e, por isso, estariam mais dispostos a ousar e arriscar mais. Para muitas dessas pessoas, abrir o próprio negócio é a principal chance de subir na vida.
Talvez por isso a maioria das empresas selecionadas por Sarah para entrar no livro tenha sido construída por jovens com uma infância difícil no currículo, como é o caso de Marco Gomes. Alguns têm histórias de vida dramáticas, como o indonésio Ciputra (ele só usa um nome, como muitos habitantes da Indonésia).
Hoje com quase 90 anos, Ciputra ficou conhecido como o “Walt Disney da Indonésia” por ter construído um parque de diversões que deu origem a um dos maiores conglomerados empresariais da Indonésia, com negócios que vão da indústria do entretenimento ao sistema financeiro e ao mercado imobiliário.
Os pais de Ciputra foram mortos durante a ocupação japonesa na Segunda Guerra Mundial. Mantido prisioneiro num campo de concentração, era torturado frequentemente pelos carcereiros.
Ciputra projetou seu grande parque de diversões quando ainda estava na faculdade. Na época, decidiu enviar uma carta a Walt Disney propondo uma sociedade. Disney remete-lhe uma resposta de duas linhas, nas quais dizia que jamais investiria em Jacarta e pedia ao empreendedor que não copiasse seu nome no parque que estava projetando.
Mesmo diante da negativa, Ciputra não desanimou. Construiu o parque de diversões sozinho, do jeito que foi capaz. Hoje, ele trabalha num projeto para desenvolver a cultura de empreendedorismo entre os jovens indonésios.
Outra história inspiradora é a do empreendedor Jean de Dieu Kagabo, de Ruanda. Órfão, ele ficou sem dinheiro quando seus dois irmãos desperdiçaram parte dos bens da família. Kagabo tinha 18 anos ao decidir que teria o próprio negócio. Foi então que começou a fabricar produtos básicos, como papel higiênico, até então importados.
Ele aprendeu mandarim sozinho e foi para a China procurar equipamentos de fabricação. Com um começo assim, Kagabo construiu um dos principais fabricantes de bens de consumo da África.