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A vida é bela

Com 49,9 bilhões de reais em receitas, o mercado de beleza não para de crescer no Brasil- e de gerar oportunidades para as pequenas e médias empresas

Filipe Tomazelli Sabará, sócio da Beraca (Fabiano Accorsi/EXAME PME)

Filipe Tomazelli Sabará, sócio da Beraca (Fabiano Accorsi/EXAME PME)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h48.

São incontáveis as receitas de beleza em livros de boticários e de médicos ao longo da história. Algumas recomendações encontradas em registros do século 16 beiram a tortura: açoitar o corpo e aplicar pó de giz nas feridas para emagrecer, colocar sanguessugas na nuca e na face para deixar a pele mais viçosa e engolir uma mistura preparada com sangue de galo retirado recentemente das asas para amenizar manchas no rosto. Não há provas de que tais técnicas tenham sido populares, mas sua menção dá boas pistas sobre quais são os limites — ou a falta deles — de alguém em busca de uma aparência exuberante. Desde então, os tratamentos evoluíram um bocado, e a noção de que é preciso fazer certos tipos de sacrifício em nome da vaidade foi em parte amenizada. Mas a obsessão pela beleza permanece em alta. No Brasil, as vendas de vidrinhos de cremes antirrugas, potes de xampu, estojos de maquiagem e outros produtos para melhorar o visual movimentaram no ano passado 49,4 bilhões de reais, o triplo de uma década atrás. Entre 2006 e 2009, o gasto médio dos brasileiros com produtos de beleza e higiene pessoal dobrou, chegando a 256 reais por pessoa. "Poucos setores da economia exibem há tanto tempo um crescimento tão grande", diz Marcel Motta, gerente de pesquisas da consultoria Euromonitor.

Nesse cenário, existe espaço para a expansão de pequenas e médias empresas em praticamente todos os pontos da cadeia de produção. Há oportunidades para fabricantes de matérias-primas que fornecem diretamente a indústrias e também para atacadistas que fazem a distribuição de produtos a supermercados, farmácias, bares, mercearias e lojinhas espalhadas pelo país. Redes de salão de beleza, clínicas de estética, academias de ginástica e spas que atendem diretamente o consumidor também estão com o caminho livre para crescer.

A estabilidade na economia e o aumento no poder aquisitivo dos brasileiros são algumas das forças que movem o setor. Mas é provável que nada tenha sido mais determinante do que o aumento na renda das mulheres nos últimos dez anos. Dados do IBGE mostram que a massa salarial feminina aumentou 42,3% de 2001 a 2008. A protagonista dessa geração de mulheres com mais dinheiro na bolsa precisa se virar para cumprir simultaneamente os papéis de profissional em ascensão, dona de casa, namorada, esposa, mãe — tudo isso equilibrada num
salto agulha e de batom retocado.

Esse é o perfil típico das clientes que vêm procurando os spas da rede Mais Vida, de Belo Horizonte, em Minas Gerais, que oferece limpeza de pele, banhos de ofurô, drenagem linfática, massagens e outros serviços que permitem a uma mulher ocupada ter seu momento de Cleópatra sem se afastar do trabalho por mais de 1 ou 2 horas.

Fundada em 1998 pela empreendedora Renata de Abreu, de 35 anos, a rede Mais Vida é um daqueles pequenos e médios negócios que surgem de uma ideia simples e depois florescem em razão de uma demanda forte. Filha de uma professora de ioga, Renata começou atendendo clientes mineiras que procuravam por sessões de shiatsu e acupuntura. Com a agenda cheia, dois anos depois ela vendeu seu apartamento para investir 500 000 reais na construção, em Belo Horizonte, de um spa urbano parecido com o tipo de estabelecimento que havia conhecido na Europa, onde passou uma temporada fazendo cursos de aromaterapia e massagens. Esses spas costumam ficar nas grandes cidades e são uma espécie de versão reduzida dos centros de estética e emagrecimento localizados em estâncias ou fazendas. "Os spas urbanos estão em expansão por todas as regiões do país", diz Gustavo Albanesi, presidente da Associação Brasileira de Clínicas e Spas. Estimativas de mercado dão conta de que cerca de 60% dos spas hoje no país são urbanos.

Atualmente, a rede Mais Vida tem cinco filiais, incluindo unidades nos hotéis Fasano de São Paulo e do Rio de Janeiro. No ano que vem, Renata pretende acelerar a expansão da rede por meio de franquias. Vai também lançar uma linha própria de cosméticos e produtos para banho. Sua previsão é obter um faturamento de 8 milhões de reais em 2011, o dobro deste ano. Para atingir suas metas, um dos desafios de Renata é encontrar profissionais capacitados para o trabalho. "Preciso de pessoas que saibam lidar com o público de alto poder aquisitivo", diz ela.

Não é tão fácil encontrar quem seja capaz de agradar a uma clientela já bastante habituada a ser muito bem tratada. Há algum tempo, Renata chegou a alugar uma perua para levar esteticistas da rede até Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, para atender algumas clientes mineiras que estavam em férias por lá. "Há tratamentos estéticos que não podem ser interrompidos", diz Renata.Atualmente, o spa Mais Vida mantém
a própria escola para formação de profissionais, em São Paulo.


Enquanto empreendedores como Renata avançam com serviços voltados para o consumidor final, há também os que encontraram
oportunidades no outro extremo da cadeia — o do fornecimento de matérias-primas à indústria de cosméticos. É o caso de Filipe Tomazelli Sabará, de 27 anos, formado em relações internacionais e sócio da paulista Beraca, que fornece insumos extraídos de plantas da Floresta Amazônica e do cerrado a empresas como as brasileiras Natura e Boticário e às multinacionais francesas L’Oréal e L’Occitane. Até dez anos atrás, o principal negócio de Sabará era vender insumos para companhias de saneamento e tratamento de água e para empresas do setor de alimentos. Apenas uma parte pequena das receitas vinha de fabricantes de cosméticos, a quem ele fornecia matérias-primas como o óleo de melaleuca, um antibactericida importado da Austrália.

Foi só em 2000 que a Beraca começou a investir mais no mercado da beleza. Na época, muitas companhias internacionais de vários setores estavam usando ingredientes supostamente vindos da Amazônia e de outras reservas naturais para manter a imagem de empresa que não usa componentes químicos que agridem o meio ambiente. Havia um nicho promissor a explorar — o de matérias-primas extraídas de plantas e frutos do Brasil para a indústria de cosméticos. "Lá fora, as grandes marcas estavam lançando cada vez mais produtos com apelo ambiental", diz Sabará. "A enorme biodiversidade brasileira poderia tornar a Beraca um fornecedor importante." A estratégia funcionou. Desde então, a divisão de cosméticos responde pela maior parte do crescimento da empresa — em 2009, o faturamento da Beraca foi de 105 milhões de reais, 14% mais do que no ano anterior

Boa parte das empresas que incluem agentes naturais nas fórmulas de seus produtos gosta de alardear isso nas embalagens e nas campanhas publicitárias — e faz questão também de mostrar que não houve extração irregular ou trabalho ilegal ao longo da cadeia. “Tenho de provar que as matérias-primas que vendemos foram obtidas de maneira sustentável”, diz Sabará. "Sem isso, nem dá para sentar à mesa para negociar com as marcas mundiais."

A Beraca construiu uma fábrica em Belém, nas franjas da Floresta Amazônica, de onde são retiradas matérias-primas como açaí, buriti, babaçu e andiroba. Sabará também afirmou parcerias com comunidades indígenas e ribeirinhas — são essas pessoas que, na maior parte das vezes, se embrenham nas matas para coletar as folhas e os frutos dos quais mais tarde os técnicos da Beraca vão extrair seus princípios ativos.

Cosméticos feitos com componentes naturais e de maneira a causar o menor impacto no meio ambiente fazem parte de um nicho articularmente promissor no mercado de beleza. O aumento na procura por produtos de beleza ambientalmente corretos está na base do crescimento da Chamma da Amazônia, marca paraense de óleos de banho, sabonetes e cremes fabricados com frutos e plantas da Floresta Amazônica que deve faturar neste ano 9,7 milhões de reais, 21% mais do que em 2009.
 

No comando da empresa está a advogada Fátima Chamma, de 55 anos. Ela não sabia nada sobre botânica até tomar a frente dos negócios da família depois da morte de seu pai, no final dos anos 90. Para conseguir desenvolver produtos à base de ativos naturais, Fátima fez cursos para aprimorar o olfato e passou quatro anos na incubadora da Universidade Federal do Pará, onde aprendeu a usar tecnologias para extrair
óleos de frutos, como a castanha, e de plantas, como a andiroba, utilizados na fabricação dos cosméticos. "No início eu nem sabia a diferença entre as sementes das plantas", diz Fátima. Hoje, a Chamma da Amazônia tem 15 lojas e lança novos produtos quase todos os meses. O mais recente é uma linha de banhos com óleo à base de açaí e hidratante de argila. "Inovar é fundamental nesse setor", diz Fátima.


O mercado de beleza é, de fato, movido a novidades. "Os lançamentos respondem por 30% das vendas no setor", diz João Carlos Basilio
da Silva, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos. "Pequenas e médias empresas que não investem em algo novo, seja na composição do produto, seja na embalagem, tendem a ter seu crescimento estagnado." Para os empreendedores, a boa notícia é que nunca houve tanto acesso aos recursos para inovação nesse mercado. "Hoje, é possível comprar matéria-prima de primeira qualidade e equipamentos a um custo bem menor que anos atrás", diz a empresária Cristiana Arcangeli. Aos 45 anos, ela está à frente de sua quinta empresa no setor, a Beauty’in, que produz bebidas e balas à base de colágeno, lançada no início deste ano — seu primeiro negócio foi a fabricante de cosméticos Phytoervas, criada em 1986 e vendida em 1998 ao laboratório Bristol-Myers Squibb.

O caso da fabricante de esmaltes Orion, de Mauá, na Grande São Paulo, é um bom exemplo de como a expansão dos pequenos e médios negócios relacionados a beleza depende de inovação. Até o ano passado, a empresa enfrentava dificuldades para crescer. Mesmo no país que mais consome esmaltes no mundo, as vendas da Big Universo, a principal marca da empresa, não deslanchavam. Com preços que podem ser até 30% menores que os de grandes concorrentes, a empresa só conseguia espaço nos polos de comércio popular, como os arredores da rua 25 de Março, no centro de São Paulo. "Tínhamos um bom produto e um preço adequado", diz a farmacêutica Clarissa Ezaki, de 29 anos, neta do fundador da Orion. "Mas estava difícil avançar."

Foi somente no ano passado, quando começou a colocar no mercado pelo menos duas novas cores por mês, que a Orion encontrou o caminho do crescimento. As mudanças tiveram início com o lançamento de um esmalte de efeito fosco, inspirado numa tendência que duas conceituadas marcas americanas — Essie e Orly — começavam a ditar no mundo da moda. "Foi um estouro", diz Clarissa. Depois, a Orion passou a reproduzir com maior frequência também tons da Chanel, como o verde-pistache Jade e o azul-piscina Nouvelle Vague, e não parou mais de crescer. Hoje, a marca ganhou espaço em lojas de shoppings e vem sendo distribuída no Norte e no Nordeste. "Agora, nossos esmaltes são vendidos por 3 500 distribuidores", diz Clarissa. "São 20% mais que um ano atrás." Com uma produção de 500 000 frascos neste ano, o faturamento da Orion será de 4 milhões de reais, o dobro de 2009.

Os irmãos Alexandre Serodio, de 35 anos, e Anna Paula Serodio, de 39, juntaram dois mercados em expansão — cosméticos e comércio
eletrônico — e formaram, em 2007, o Beleza na Web, uma loja virtual de produtos para cabelos que antes eram distribuídos apenas em salões. As receitas do site vêm dobrando a cada ano e devem chegar a 7,5 milhões de reais até o final de 2010. Atualmente, a empresa tem 100 000 clientes cadastrados, que podem comprar no site 1 800 tipos de produtos de 30 marcas, como as francesas L’Oréal e Redken, a italiana Alfaparf, as americanas Tigi, Paul Mitchell e Wella e a japonesa Shiseido.

Serodio e Anna Paula tiveram de montar uma estratégia que incluísse os cabeleireiros. "É muito importante para os salões contar com uma linha exclusiva de produtos para aumentar as receitas", diz Eugênio Foganholo, da Mixxer, consultoria especializada em varejo. "Seria natural que eles não gostassem desse tipo de concorrência promovida pelo site." Para minimizar as possibilidades de conflito, os irmãos Serodio tomaram alguns cuidados. Em acordo com alguns salões de São Paulo, Anna Paula e Serodio contrataram quatro cabeleireiros profissionais para prestar consultoria —eles ajudam a montar as fichas com explicações detalhadas sobre cada produto e orientações de uso, de acordo com tamanho e tipo de cabelo. Também ficam à disposição para tirar dúvidas da clientela por e-mail ou telefone. “Usamos na internet uma parte da lógica do sistema porta a porta, em que as vendedoras fazem também o papel de consultoras”, diz Anna Paula.

Os dois irmãos já tinham experiência no setor. Serodio, formado em economia, havia trabalhado como gerente de marketing em uma grande casa de fragrâncias, que tinha como clientes empresas como a Unilever. Anna Paula, que fez publicidade, foi responsável pela área de vendas diretas da Jafra, marca de cosméticos de venda porta a porta. O pai deles, Ademar Serodio, trabalhou na Avon de 1963 a 1998 e chegou à
presidência. “Crescemos ouvindo histórias sobre como vender para a mulher brasileira”, diz Anna Paula. Uma das lições que aprenderam do pai, hoje falecido, foi esta: "A mulher sempre vai ter vontade de ficar mais bonita, independentemente da classe social. O que muda é se ela vai usar os nossos produtos ou os da concorrência".

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