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À procura da sua empresa

Quem são e como pensam os empreendedores que injetam dinheiro em pequenos e médios negócios em crescimento - e o que fazer para atraí-los

José Carlos Semenzato: fundador da Microlins, rede de escolas de informática e ensino profissionalizante (Daniela Toviansky/EXAME PME)
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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h48.

O empreendedor José Carlos Semenzato, de 42 anos, lembra um pouco aqueles vendedores que aparecem na televisão fazendo comercial de bugigangas. Semenzato veste roupas bem cortadas, está um pouco acima do peso e tem a lábia de quem cresceu vendendo coxinhas nas ruas de Lins, no interior paulista. Em seu escritório, na zona sul de São Paulo, começa a elogiar, uma a uma, oito pequenas e médias empresas nas quais pôs dinheiro desde o começo deste ano. A rede de sorveterias Casa do Sorvete Jundiá, de Jundiaí ("uma delícia esses picolés!"), é uma delas. Os restaurantes Donna, de São Paulo ("você precisa provar a comida!"), também merecem uma exclamação, assim como a NS Water Holding, de Belo Horizonte, fabricante de uma máquina que retira umidade do ar para produzir água potável ("um produto revolucionário!"). Em breve, Semenzato pode precisar de fôlego extra se quiser continuar apregoando todos os negócios em que pretende investir. Ele planeja colocar 20 milhões de reais em empresas emergentes. Parte do dinheiro é oriunda da recente venda da rede de escolas de informática e de cursos profissionalizantes Microlins, que ele fundou em 1991, para o grupo educacional Multi. Os negócios que mais o atraem são os que podem crescer por meio de franquias, sistema que ele conheceu nos anos 90 e impulsionou a expansão da Microlins a um faturamento de 300 milhões de reais em 2009. "Recebo por semana quase uma centena de e-mails e telefonemas de gente que me quer como sócio", diz Semenzato. "Acredito que me procuram não só pelo dinheiro, mas por causa do carisma e da competência."

Quem consegue atrair sua atenção acaba sendo convidado para uma conversa mais detalhada. "Em 1 hora de reunião, consigo ter uma ideia bem clara se devo ir em frente ou não", diz ele. Em caso positivo, o assunto é encaminhado a seus assessores, que analisam a compra de até metade do negócio. No começo de agosto, Semenzato estudava a possibilidade de investir numa rede de clínicas odontológicas do interior paulista.

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Semenzato é representante de uma nova geração de investidores brasileiros - interessados em negócios nascentes ou em expansão. "Há cada vez mais empreendedores experientes com dinheiro e vontade de investir em negócios emergentes", diz Marcos Piccini, da consultoria Piccini & Fumis, que dá assessoria a pequenas e médias empresas em busca de recursos de fundos e de investidores. Em comum, eles estão ou estiveram à frente de negócios bem-sucedidos e que foram, um dia, tão promissores quanto as pequenas e médias empresas que procuram agora. Quase sempre, o que os move vai além do objetivo de ganhar dinheiro - há também o desejo de repartir com outros empreendedores a experiência acumulada e reencontrar as sensações de quando conduziam os próprios negócios nos momentos mais desafiadores. "Ajudar pequenas e médias companhias a crescer me faz sentir como nos primeiros anos da Microlins", diz Semenzato. "É um tipo de agitação revigorante."

É comum encontrar esses investidores em fóruns e rodadas de negócios promovidas para que empreendedores apresentem suas empresas a clientes, fornecedores e fundos de investimento. A Finep, agência de fomento ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, promove esse tipo de evento pelo menos duas vezes por ano em várias cidades do Brasil. "Há sempre muitos empreendedores que vão a nossos fóruns para prospectar negócios", diz Patrícia Freitas, superintendente da área de investimentos da Finep. No mais recente, realizado no final de agosto em São José dos Campos, no interior de São Paulo, 13 pequenos e médios empresários falaram das perspectivas de seus negócios e de suas necessidades de capital. Uma semana depois, metade deles já havia sido procurada por donos de empresas maiores dispostos a discutir detalhes de um possível aporte.

Assim como os capitalistas dos fundos de risco, há algumas premissas para que esses empreendedores se disponham a colocar recursos e tempo nos negócios dos outros. Pequenas e médias empresas em setores com forte potencial de expansão têm meio caminho andado. Também ganha pontos quem tiver produtos ou serviços capazes de promover a competitividade de uma cadeia produtiva. Daí por diante, as regras podem depender de critérios bastante pessoais. Muitos só querem saber de setores em que acumularam experiência ou que guardem alguma afinidade com seus antigos negócios. Outros escolhem pequenas e médias empresas que possam ajudar a desenvolver determinada cidade ou região que lhes pareça merecer incentivos. E nenhum quer a companhia de alguém que, mesmo sem motivo aparente, não lhe inspire confiança e simpatia.

Às vezes, entram na lista motivos que podem parecer pouco relevantes para quem vê de fora. É o caso do paulista Marcelo Amorim, de 48 anos, que hoje vive em Florianópolis, em Santa Catarina. Desde o início do ano, ele coordena o Jacard, um grupo com mais três investidores. Ao definir as características dos negócios que seriam aceitos, Amorim considerou quanto tempo gastaria no trajeto de casa até o escritório da empresa quando fosse preciso comparecer a uma reunião. "Decidi que não quero nada a mais de 1 hora de avião da minha casa", diz Amorim. "Por isso, limitei as alternativas a Florianópolis, São Paulo e Campinas, para onde há voo direto."

Estão no foco da Jacard empresas com até dois anos de operação nas áreas de tecnologia, biotecnologia e energia renovável. Amorim compreende bem as necessidades de um negócio emergente em setores também emergentes, em que o sucesso depende de altas taxas de inovação e agilidade. Nos últimos 15 anos, ele criou quatro empresas de tecnologia - e vendeu todas depois que se valorizaram. O último de seus negócios foi a Orbium, fabricante paulista de softwares para relacionamento com clientes, comprada em 2007 por um concorrente maior. "Depois de sair da Orbium, passei uma temporada nos Estados Unidos entendendo como atuam os investidores americanos de empresas iniciantes", diz ele. "Voltei para tentar repetir aqui o que eles fazem lá." Recentemente, Amorim fechou seu primeiro investimento na paulistana Skedo, que desenvolve um software de gestão de marketing para micro e pequenas empresas.

Nos Estados Unidos, gente com esse perfil desempenha um papel fundamental no crescimento de pequenos e médios negócios. Segundo o Centro de Pesquisa em Venture Capital da Universidade de New Hampshire, aproximadamente 260 000 investidores puseram 17,6 bilhões de dólares em cerca de 57 000 pequenas e médias empresas de setores como software, saúde, energia, varejo e biotecnologia no ano passado - mesmo quando boa parte do mercado estava paralisada devido à crise econômica.

Boa parte desse dinheiro pertence a empreendedores denominados anjos. Normalmente, eles se juntam em grupos, como no caso da Jacard, para pulverizar o capital em diversas empresas a fim de diluir riscos. Os anjos passaram a ser chamados assim devido à maneira como se comportam nas empresas em que investem. Além do dinheiro, eles dão aos empreendedores mais jovens um amplo resguardo - que costuma incluir ajuda para escolher funcionários, conselhos sobre como se vestir e se portar diante de um grande cliente, consolo para horas difíceis e broncas quando o protegido faz algo errado. "Empreendedores nos primeiros estágios de desenvolvimento precisam desse apoio, seja no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo", diz o professor Cláudio Furtado, do Centro de Estudos em Private Equity da Fundação Getulio Vargas. "Uma característica das pequenas e médias empresas é que, às vezes, o dinheiro é menos importante do que a experiência que o sócio pode trazer."

Um investidor que se encaixa na definição de anjo é o médico Ewaldo Russo, de 61 anos. Desde julho de 2009, Russo está empenhado em reformular o plano de negócios de uma fabricante de bebidas isotônicas na qual ele e outros sete investidores injetaram 700 000 reais. Uma de suas recomendações já seguidas foi abandonar os planos de uma fábrica própria e terceirizar a produção. "Além de reduzir a necessidade de capital, teremos mais flexibilidade para fazer lotes menores", diz.

Russo é um dos integrantes da São Paulo Anjos, associação formada nos moldes das redes de investidores-anjo dos Estados Unidos. No Brasil, além de em São Paulo, existem grupos semelhantes em cidades como Florianópolis, Salvador e Rio de Janeiro. Outros investidores com perfil semelhante preferem atuar por meio de fundos de capital-semente, como são chamados os fundos que também colocam dinheiro em pequenas e médias empresas.

Em 2007, o gaúcho Juliano Graff , de 36 anos, criou um fundo de investimento, o Master Minds, que investe em pequenas e médias empresas. O Master Minds tem 100 milhões de reais, entre capital próprio e de outros investidores, para aplicar em negócios de tecnologia, imobiliários e logística - como a Suriana, uma pequena exportadora paulista de alimentos naturais que recebeu aporte em 2009. Para entrar nessa turma, não basta o dinheiro. "Procuro quem possa contribuir para enfrentar os desafios típicos de uma pequena ou média empresa em crescimento", diz Graff . "Já recusamos pessoas que não fariam nada além de assinar um cheque."

O esboço do Master Minds começou a ser traçado há pouco mais de quatro anos. Na época, Graff negociava a venda de parte da Logimasters, operadora paulista de logística de comércio exterior da qual era sócio. Dois fundos e um concorrente alemão estavam na disputa. "Os fundos pagariam mais, mas os alemães trariam um bocado de conhecimento e clientes", diz ele. "Fechei com os alemães e jamais me arrependi." Foi assim, por experiência própria, que Graff começou a imaginar um fundo que fizesse por outras pequenas e médias empresas o que os alemães fizeram pela Logimasters.

Uma contribuição valiosa que um investidor pode oferecer é uma boa rede de contatos, como a que os catarinenses Paulo Sérgio Caputo, de 50 anos, e Jorge Steffens, de 45, formaram ao longo dos anos. Até 2008, eles eram sócios da Datasul, fabricante de softwares de gestão com sede em Joinville, de onde saíram após a fusão com a Totvs. Hoje, Caputo e Steffens controlam um fundo de investimento em empresas emergentes. "Sabemos o que fazer para ter acesso a quem toma decisões nas grandes companhias", diz Caputo. "E disso pode depender o primeiro contrato para o negócio decolar."

O primeiro empreendimento a receber recursos de Caputo e Steffens foi a Chaordic, de Florianópolis. O aporte de capital, cujo valor não revelam nem sob tortura (está aí outra regra que costuma ser obedecida por todos eles), serviu para que seu fundador, o catarinense João Bernartt, de 30 anos, concluísse um software que identifica perfis de consumo em sites de comércio eletrônico para descobrir quais produtos oferecer a quem. Com a ajuda dos sócios investidores, Bernartt conseguiu explicar a tecnologia aos responsáveis de alguns dos principais sites de compras online no país. Um deles está em negociação para implantar o sistema a partir de outubro. "Meus sócios abriram portas que normalmente estariam fechadas para mim", diz Bernartt.

Depois de se tornarem investidores em tempo integral, Caputo e Steffens compraram uma participação na DLM Invista, gestora de recursos com sede em São Paulo, onde estão criando um fundo de investimento em empresas emergentes. Seu objetivo é captar até 200 milhões de reais em recursos de fundos de pensão e grandes investidores. "Com todo esse dinheiro e o nosso conhecimento, acreditamos que somos capazes de ajudar bons pequenos e médios negócios a crescer", diz Caputo.

Dinheiro e conhecimento de empreendedores mais experientes deram suporte aos primeiros passos de negócios que se tornaram ícones mundiais em seus setores. Eles estiveram por trás dos primeiros computadores da Apple, das primeiras remessas de livros da Amazon e dos primeiros cafés servidos na Starbucks, só para citar alguns exemplos. É também verdade que há um sem-número de pequenos e médios negócios que, mesmo com um empurrão, não puderam ir muito longe. Como todo pequeno ou médio empresário sabe, esse tipo de coisa não vem com certificado de garantia - mas é ótimo que, no Brasil de hoje, esteja ficando mais fácil encontrar companhia para não ter de enfrentar todos os desafios do crescimento sozinho.

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