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A Copa do Mundo já começou

Até 2014, o Mundial deve movimentar mais de 140 bilhões de reais e trazer muitas oportunidades. Veja cinco pequenas e médias empresas prepaparadas para agarrá-las

Fábio Sidney, dono da FDM (Fabiano Accorsi)
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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h48.

Na tarde daquela sexta-feira de julho, milhões de brasileiros assistiram com desgosto a Holanda eliminar o Brasil na Copa do Mundo. Eduardo Morato, de 36 anos, fundador da agência paulistana de marketing esportivo Off Field, estava no estádio de Port Elizabeth, na costa da África do Sul, e sentiu a derrota bem de perto. "Não foi minha primeira vez", diz. Quatro anos antes, ele vira a seleção ser eliminada pela França na Alemanha, em Frankfurt. Ok, esse Morato é um pé-frio — mas só no futebol, não nos negócios. Nos últimos anos, a Off Field cresceu rapidamente e, em 2010, deve faturar 7 milhões de reais fazendo campanhas de marketing para grandes empresas em jogos de futebol e outros eventos esportivos. "Vamos dobrar de tamanho", afirrma ele.

Morato não viajou à África do Sul só para torcer. Ele foi investigar como a Off Field pode aproveitar as oportunidades que a organização do Mundial no Brasil trará a muitos pequenos e médios negócios brasileiros até 2014. Morato trocou cartões com possíveis clientes e conversou com executivos do setor de marketing sobre acordos entre agências e patrocinadores do evento. Para ele, fechar contratos com patrocinadores multinacionais como Adidas, Coca-Cola, Emirates Airlines, Hyundai, Sony e Visa é importantíssimo — pelas receitas a mais e principalmente para a internacionalização da Off Field que, neste ano, abriu escritórios nos Estados Unidos e na Europa. "A expectativa é fechar contratos com essas marcas e conservá-las como clientes depois da Copa", diz. Há tratativas com a Coca-Cola, já atendida pela Off Field no Brasil. "Estamos negociando com outros patrocinadores também", afirma.

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Enquanto não se assina a papelada, tem sido a maior correria para deixar a Off Field pronta para cumprir os contratos, que devem ser fechados a partir de janeiro. "Estamos escolhendo fornecedores", diz. São empresas de pesquisa de mercado, logística, montagem de estandes, fabricantes de brindes e gráficas. "Quero acertar com todos até dezembro", diz Morato. "Na África do Sul, vi muitos perderem negócios porque não conseguiram fornecedores a tempo." Morato tem pressa, e com razão. Os jogos são daqui a quase quatro anos, mas as oportunidades estão acontecendo agora. "Governo e empresas envolvidas com o evento já estão fechando contratos", diz Robson Calil, sócio da consultoria Deloitte.

Até julho de 2014, quando o juiz apitar o encerramento da partida que definirá o novo campeão mundial, devem ser movimentados 142,4 bilhões de reais no país, segundo um estudo da consultoria Ernst & Young em parceria com a Fundação Getulio Vargas. É um monte de dinheiro — quase o triplo das vendas de produtos de beleza no país durante todo o ano passado. Na cadeia de suprimentos do Mundial, precisa-se de praticamente tudo que as pequenas e médias empresas podem oferecer — alimentos e autopeças, calçados, móveis, material de escritório, equipamentos médico-hospitalares, tradução, recrutamento de mão de obra e serviços para grandes obras. "A mobilização para a Copa começa bem cedo”, diz José Carlos Pinto, sócio da Ernst & Young. "A agilidade característica dos negócios de menor porte, em que se tomam decisões rápidas, é uma grande vantagem nessa hora."

Morato e os outros empreendedores desta reportagem não ambicionam somente um pedaço de um mercado grande, porém temporário. Eles olham lá na frente, para um crescimento permanente depois do empurrão dado pelo campeonato. Acompanhada pelo mundo inteiro e envolvendo de presidentes de países a crianças de famílias ricas e pobres, uma Copa do Mundo é uma gigantesca feira de negócios montada de quatro em quatro anos. Desta vez, a conjunção astral é particularmente favorável às pequenas e médias empresas que entrarem na órbita da Taça. O Brasil ganhou uma importância inédita no planeta (o que injeta dinheiro de fora na economia), e os brasileiros têm mais dinheiro para gastar (o que abre portas a novos negócios e ajuda os existentes a ganhar escala). "Este Mundial é um trampolim para levar pequenas e médias empresas a um patamar
de crescimento superior, mesmo quando as luzes dos estádios se apagarem", diz o economista Fernando Blumenschein, coordenador de projetos da Fundação Getulio Vargas.


Para as pequenas e médias empresas entrarem em campo, há duas facilidades concretas. Uma são as linhas de crédito do BNDES específicas para setores relacionados aos preparativos. Para expansão e adequação da rede hoteleira, por exemplo, há 1 bilhão de reais à disposição em empréstimos. Aos estádios estão reservados 4,8 bilhões de reais. Outra vantagem está na legislação, que manda destinar ao menos 30% dos gastos com obras públicas a negócios de pequeno e médio porte. Com um certo atraso, algumas dessas obras começaram ou estão por começar.
"Muitas grandes companhias estão prospectando e cadastrando pequenas e médias empresas como fornecedores", diz José Carlos Pinto. É o caso das construtoras OAS, Odebrecht e Andrade Gutierrez e de empresas de diferentes setores como Oi, IBM, Siemens, Dow, DuPont e GE.

Há tudo isso a favor, mas quem ficar parado esperando corre o risco de não ser convocado. Em tempos normais, o administrador Roberto Gomide, de 42 anos, costuma fazer negócios com clubes de futebol como São Paulo, Palmeiras e Santos, que possuem estádios ou campos de treinamento, para fornecer e manter gramados. Sua empresa, a paulistana World Sports, deve faturar 10 milhões de reais neste ano. O próximo Mundial o levou a buscar trabalho num mundo diferente. Gomide procurou as prefeituras das 12 cidades onde acontecerão as partidas e perguntou como seriam as licitações de construção e reformas de estádios. "Fiquei sabendo que os editais seriam feitos por escritórios de arquitetura contratados pelos comitês organizadores", diz. "Fui atrás desses arquitetos." Deu certo, e a World Sports foi chamada para planejar o gramado e definir especificações técnicas para editais de cinco estádios que serão erguidos em Manaus, Natal, Cuiabá, Fortaleza e Porto Alegre.

Agora começa o segundo tempo. As construtoras vencedoras das licitações têm de seguir as recomendações técnicas, mas não há nenhuma obrigação de chamar a World Sports para fazer o serviço. "O desafio maior é conquistá-las", diz Gomide. A favor da World Sports está o fato evidente de conhecer cada detalhe dos campos que ajudou a especificar. Além disso, no currículo da empresa há os gramados de três edições da Copa América — na Colômbia, na Bolívia e no Paraguai. O fornecimento de grama é uma etapa crucial na estratégia de crescimento da World Sports. "Queremos instalar os gramados e depois fazer a manutenção deles", diz Gomide. Esse tipo de serviço pode fazer as receitas da World Sports crescerem 40% ao ano a partir de 2014, em vez dos 30% atuais.

Gomide, bem como Morato, da Off Field, tem a missão de honrar amanhã compromissos firmados hoje. Assim é com todas as pequenas e médias empresas de setores que prestam serviços para a organização do evento, como segurança, limpeza e transporte. Hotéis, restaurantes, agências de viagem e varejistas também precisam planejar como aproveitar o potencial de consumo de 600.000 estrangeiros que visitarão o país durante o Mundial, fora as multidões de brasileiros que viajarão entre os estados para torcer. "A procura por fornecedores está quente em toda a cadeia de suprimentos da Copa", diz José Carlos Pinto. "Quem deixar para a última hora pode nem encontrar mão de obra." O quesito pessoas merece cuidado especial. Nos próximos quatro anos, devem ser abertos 3,6 milhões de postos de trabalho temporário em atividades ligadas direta ou indiretamente ao Mundial. "É um volume considerável de contratações quando já há um apagão de mão de obra", diz Blumenschein.

Essa preocupação levou o engenheiro Marco Juliani, de 57 anos, sócio da paulistana Ieme, que deve faturar 20 milhões de reais neste ano fiscalizando e inspecionando grandes obras como as do metrô de São Paulo, a submeter seus funcionários a um treinamento especial para a Copa. Desde julho, 35 engenheiros e técnicos da Ieme estão se especializando em engenharia de estádios. "Não existe no Brasil um curso desses", diz Juliani. Por isso, ele mandou alguns de seus profissionais mais experientes à Itália e a Portugal para tomar aulas de tecnologias de segurança em estádios. "Agora, eles estão repassando o aprendizado ao resto da equipe", diz.

Juliani está preparando a Ieme para conquistar contratos de análise estrutural nos ginásios novos ou reformados nas cidades-sede. "Nosso trabalho é simular a vibração da torcida nas arquibancadas e avaliar a segurança", diz ele. Seu objetivo é aumentar de 5% para 20% a participação de estádios nas receitas da Ieme após 2014. O cálculo considera que, quando a Copa acabar, será preciso monitorá-los constantemente para evitar riscos em grandes espetáculos, como shows de rock.

Um golaço Juliani já marcou — garantiu contrato com o Maracanã, palco da partida final da Copa no Brasil. Juliani também espera controlar a segurança dos 31 centros de treinamento onde ficarão alojadas as seleções estrangeiras. "Estamos em contato com as prefeituras dos municípios com maior probabilidade de ser escolhidos como subsedes", diz Juliani.


O Mundial é uma boa oportunidade para melhorar a infraestrutura — principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Além dos investimentos em estádios, estão previstos recursos para reurbanização, transporte público e adequação de aeroportos e rodovias — o que representa uma chance para muitas pequenas e médias empresas ampliarem a atuação geográfica. É o caso da paulistana FDM, que deve
faturar 9 milhões de reais neste ano com instalação e manutenção de redes de dados. Para poder implantar as redes usadas por empresas de telefonia e emissoras de TV e rádio durante o Mundial, o administrador Fábio Sidney, de 38 anos, fundador da FDM, está construindo uma central de distribuição em Taboão da Serra, na Grande São Paulo. Ele também deve abrir novas unidades em oito cidades-sede — três até o fim do ano e as outras até 2012.

Sidney acredita que a FDM pode duplicar as receitas após a Copa ao utilizar essas redes para atender empresas em expansão graças ao desenvolvimento de várias dessas cidades.  Todas as semanas, ele discute detalhes dessa estratégia com seus funcionários. Nas reuniões, Sidney definiu onde era prioritário ter filiais da FDM. Foram considerados critérios como atuação de concorrentes, qualidade das redes existentes e a presença de possíveis clientes — como hotéis interessados em oferecer conexões Wi-Fi e banda larga aos hóspedes. "Também preferimos os lugares onde temos clientes", diz Sidney. São empresas como Marisa e Riachuelo. "Elas já demonstraram interesse em utilizar nossas
novas redes no futuro", diz

Entre as muitas exigências da Fifa estão planos de contingência para garantir a realização dos jogos mesmo em situações adversas. Tem de haver, por exemplo, uma estrutura de emergência para o caso de panes no fornecimento de energia elétrica — justamente o negócio do engenheiro Wilson Poit, de 51 anos, fundador da Poit Energia, que faturou 80 milhões de reais em 2009 com aluguel de geradores para empresas e eventos.

Poit enxerga uma demanda por seus equipamentos além da necessária ao plano B exigido pela Fifa. "Emissoras de rádio e TV do mundo todo não podem correr riscos", diz ele. "Elas vão buscar fornecedores locais de geradores, o que deve acontecer a partir de 2012." Como ele sabe? Durante os preparativos dos africanos para o Mundial de 2010, Poit abriu um escritório em Johannesburgo, para onde despachou dois funcionários. "Fizemos uma espécie de estágio para entender a dinâmica dos negócios num evento dessa magnitude", diz ele.

Uma vantagem que Poit acredita ter em relação aos concorrentes está relacionada à meta da Fifa de fazer desta Copa a primeira ecologicamente correta. Neste ano, seus técnicos desenvolveram um gerador movido a biocombustível, mais econômico e menos poluente. Pelas contas dele, será possível fornecer cerca de 300 dessas máquinas durante o evento. Os motores da empresa já estão ligados para alimentar torres de iluminação nas obras dos ginásios Verdão, em Cuiabá, Mineirão, em Belo Horizonte, e Mané Garrincha, em Brasília. "Participar dessa enorme cadeia de fornecedores nos deve garantir um crescimento médio de 40% ao ano até 2014", diz Poit. "Para mim, a próxima Copa começou faz tempo."

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