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Zen, da Esalq: A corrupção da carne

Camila Almeida O Brasil briga para ser o maior exportador de carne do mundo. Em 2016, só a exportação de carne bovina fez o país faturar 5,5 bilhões de dólares, com a venda de 1,4 milhão de toneladas – produção nove vezes maior do que há 20 anos. Nesta sexta-feira 17, os avanços do setor foram […]

SÉRGIO DE ZEN: “A ineficiência do sistema foi exposta”, afirma especialista sobre a fiscalização de carne no Brasil / Esalq/USP/Divulgação

SÉRGIO DE ZEN: “A ineficiência do sistema foi exposta”, afirma especialista sobre a fiscalização de carne no Brasil / Esalq/USP/Divulgação

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Da Redação

Publicado em 17 de março de 2017 às 18h39.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h14.

Camila Almeida

O Brasil briga para ser o maior exportador de carne do mundo. Em 2016, só a exportação de carne bovina fez o país faturar 5,5 bilhões de dólares, com a venda de 1,4 milhão de toneladas – produção nove vezes maior do que há 20 anos. Nesta sexta-feira 17, os avanços do setor foram postos à prova. As empresas líderes em produção de carne, JBS e BRF, são alvo da Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, que cumpre 309 mandados judiciais em 22 empresas, em seis estados e no Distrito Federal. A investigação apura o envolvimento de fiscais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em um esquema de liberação de licenças e fiscalização irregular de frigoríficos.

Para entender os gargalos da fiscalização de carne no Brasil, EXAME Hoje entrevistou o engenheiro agrônomo Sérgio de Zen, doutor em economia agrária e professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP. Para o especialista, a fiscalização e a política precisam estar dissociadas, e o atual sistema brasileiro não é transparente o bastante. Além disso, as dimensões continentais do Brasil não ajudam – cerca de 7% da carne brasileira ainda não passa por qualquer tipo de fiscalização.

Como o escândalo envolvendo as empresas JBS e BRF impacta a imagem da carne brasileira no exterior?

Causa desconfiança em relação ao sistema de fiscalização brasileiro. É uma situação que, de certa forma, o mercado não gosta. Isso não é bom. O escândalo não foi apontado em outras ocasiões. Teve situações em que um determinado governo apontou resquícios de algum produto na carne brasileira. Problema de fora para dentro. Dessa vez, foi uma fiscalização nossa, que está apontando o problema. Conseguimos identificar internamente e apontamos para fora.

O problema não foi identificado pelas empresas. Foi identificada devido a uma investigação da Polícia Federal.

O caso vai afetar as ações das empresas. E isso vai ter se ser investigado.

Mas o fato de essas empresas serem as maiores produtoras do Brasil não afeta a imagem do setor como um todo?

Lógico que sim. A ineficiência do sistema está exposta. É o momento de retomar a discussão do tipo de empresa que queremos, qual o tamanho do mercado que elas dominam, o tamanho da receita. Essa é uma discussão que temos há muitos anos. Conseguimos abrir o sistema de fiscalização para todo mundo, de modo a deixá-lo mais eficiente e garantir que a maior parte da carne seja fiscalizada. Mas a última pesquisa que fizemos mostrou que de 6 a 7% da carne bovina brasileira ainda não é fiscalizada – porque o país é grande demais, e não há o mesmo padrão em todos os estados. Temos que investir mais no sistema, para que seja mais homogêneo e transparente. 

O sistema de fiscalização como é hoje favorece a corrupção? É de conhecimento do setor que as empresas têm se aproveitado dessas brechas?

É difícil apontar isso sem ter provas. Defendo que o sistema precisa ser isolado da política do país, como é o caso de algumas agências reguladoras, com a função de serem independentes, com um corpo técnico que responda por irregularidades. O chefe da agência da defesa é nomeado pelo governo. Não segue o mesmo critério que a Anvisa ou a Anatel. O Uruguai tem um modelo mais transparente, com o chefe sendo indicado pelo governo e pela iniciativa privada. 

A carne brasileira ainda não tem acesso a muitos mercados importantes, como o Japão e o México. Só no ano passado, o país conseguiu ter a aceitação por parte dos Estados Unidos. Por que existem essas restrições à nossa carne no mercado externo?

Porque o Brasil é um país continental, e não conseguimos ter as mesmas regras em todo o território. Aqui, temos o sistema de fiscalização com zona de exclusão. O estado de Santa Catarina, por exemplo, não tem a obrigação de fazer vacinação contra a febre aftosa. Isso exigiu um controle de fronteiras muito complexo, com custo altíssimo. E não vale o estado simplesmente começar a vacinar, porque senão perde inserção em outros mercados, especialmente de carne crua. A Europa aceita esse tipo de diferenciação, outros países não. No caso dos Estados Unidos, conseguimos avançar nas negociações porque aumentou a demanda deles por carne. Estamos num processo de discutir o quanto essas restrições do mercado são por questões técnicas efetivas ou são barreiras não-tarifárias, para limitar a entrada do produto.

O Brasil se tornou um dos maiores exportadores de carne do mundo. Os avanços que o setor conquistou estão ameaçados?

O sucesso que a gente conseguiu não foi da noite para o dia. Os produtores começaram a investir lá dentro da fazenda, ainda na década de 1970. A pecuária de corte é um dos únicos setores da economia que não recebe investimento direto do governo ou incentivo de preço. O apoio é na criação e difusão de tecnologia, com pesquisa, apresentação de novas variedades de capim e sistemas de manejo, melhoramento genético. O que atrasou muito esse processo, principalmente na década de 1980, foi a hiperinflação. A carne é um bem de consumo de muita elasticidade, e o consumo aumenta de acordo com o aumento da renda das famílias. Na época da inflação, o boi e o bezerro se tornaram grandes bens de especulação. Quando veio o plano real, isso mudou, e a valorização do produto depende diretamente da produtividade. O Brasil está ali, brigando pela liderança na exportação de carne e com potencial para se tornar o primeiro do mundo. Ainda é possível avançar muito na produção, sem ter que avançar em área, e o setor está buscando atingir o patamar de produtividade que já se alcança em outros mercados.

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