Vila Olímpica: um encalhe monumental
Em dezembro de 2008, o empresário Carlos Carvalho, dono da construtora Carvalho Hosken, fez uma aposta incomum para o setor imobiliário: começou a construir a Vila Olímpica sem antes vender uma única unidade do empreendimento. A operação era uma exigência do comitê de candidatura do Brasil aos Jogos Olímpicos, que pressionava Carvalho a ceder o terreno […]
Da Redação
Publicado em 8 de julho de 2016 às 21h03.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h04.
Em dezembro de 2008, o empresário Carlos Carvalho, dono da construtora Carvalho Hosken, fez uma aposta incomum para o setor imobiliário: começou a construir a Vila Olímpica sem antes vender uma única unidade do empreendimento. A operação era uma exigência do comitê de candidatura do Brasil aos Jogos Olímpicos, que pressionava Carvalho a ceder o terreno onde hoje está o condomínio Ilha Pura – como será chamado depois dos Jogos – para abrigar os atletas. Oito anos depois, às vésperas dos Jogos Olímpicos, apenas 6% das 3.606 unidades foram vendidas. É um encalhe digno de medalha.
O ritmo fraco de negociações levanta dúvidas sobre o futuro do empreendimento, um condomínio do tamanho de um bairro, com 800.000 metros quadrados e 31 torres de 17 andares com apartamentos de alto padrão de 2, 3 e 4 quartos. Segundo analistas do setor imobiliário, a venda está muito aquém do esperado, mas não há motivo para desespero – as unidades devem ser negociadas ao longo dos próximos cinco anos. Ou seja, para Carvalho, o ciclo olímpico que importa é o de Tóquio, em 2020. Para representantes da Carvalho Hosken, a crise econômica dificultou o negócio. “Não tem prejuízo. Talvez tenhamos um lucro menor”, diz Henrique Caban, diretor de marketing da Carvalho Hosken e braço-direito de Carlos Carvalho.
A obra, iniciada em 2010 e finalizada em 2014, foi realizada pela Carvalho Hosken em sociedade com a Odebrecht Realizações Imobiliárias. Juntas, contraíram um empréstimo de 2,9 bilhões de reais com a Caixa. Como entrou com o terreno, a Carvalho Hosken ficou com 20% do total do empreendimento e os 80% restantes foram divididos com a empreiteira baiana.
Na época em que a operação foi pensada, o setor imobiliário era um dos motores da expansão econômica brasileira. Hoje, o país passa por dois anos consecutivos de recessão e o mercado de construção civil desmoronou. No caso do Rio, cujo metro quadrado valorizou 35% entre 2011 e 2015 e é o mais caro do país, a queda foi mais acentuada. A alta taxa de juros também é outro fator que dificulta o financiamento na compra dos imóveis.
Hoje, há um estoque de ao menos 20.000 apartamentos encalhados na cidade. Entre eles, a Vila Olímpica. A Associação de Dirigentes do Mercado Imobiliário do Rio (Ademi) levantou que entre janeiro e março de 2016 foram lançados 765 novas unidades na cidade. No mesmo período do ano passado, foram 1.367 – uma queda de 44%. Em todo o ano de 2014, foram lançado 10.518 apartamentos em 2014. Em 2015, apenas 4.405.
O “dono da Barra”
Estima-se que Carlos Carvalho tenha mais de seis milhões de metros quadrados de terras na Zona Oeste do Rio de Janeiro, região onde a expansão urbana acontece nos últimos 30 anos. A pujança lhe rendeu o apelido de “dono da Barra”. Ele foi um dos pioneiros a transformar a área, um areal pantanoso na década de 80, na “Miami carioca” pela semelhança urbana com a cidade norte-americana.
O Ilha Pura foi um dos projetos mais arriscados. Pressionado pelo comitê olímpico, que queria o terreno para a Vila Olímpica e exigia um contrato sem quaisquer contrapartidas sobre o risco, o empresário optou pela aventura. Em novembro de 2014, cinco após o início das obras, o primeiro lote de 700 apartamentos foi colocados à venda. O resultado desanimou: apenas 250 foram vendidos. Agora, os executivos da Carvalho Hosken tentam reverter o resultado negativo. Eles elencam diversos motivos para a baixa negociação dos imóveis, como o fato de que, em 2014, o comprador não poderia utilizar o apartamento antes dos Jogos e as obras no entorno do condomínio, que dificultavam o acesso ao local.
O empreendimento é orçado em 5 bilhões de reais. O pacote inclui tudo que os endinheirados da zona oeste carioca costumam procurar, como um parque de 72.000 metros quadrados, área de lazer completa e segurança.
Outro fator a dificultar as vendas foi o fantasma da Vila do Pan. O empreendimento, tido à época como um excelente negócio, literalmente afundou. Construído em um terreno inadequado e pantanoso, o solo cedeu. Buracos e desnivelamentos de até 2,5 metros ocorrem em todo o condomínio de 17 prédios e 1.480 apartamentos, que custou 230 milhões de reais – boa parte bancada pela Caixa. Em 2005, todos os imóveis foram negociados em menos de dez horas.
O caso da Vila Olímpica é exatamente o oposto, garantem especialistas. Na operação, a Carvalho Hosken assumiu mais riscos e foi ambiciosa para realizar um dos melhores projetos de seu extenso portfólio. “São dois casos totalmente diferentes. O empreendimento está bem conceituado. Há diversas praças, o ambiente de convivência é espetacular, muito bem concebido. Será uma grande atração”, diz Rubem Vasconcelos, presidente da corretora Patrimovel, que vendeu 1.100 unidades na Vila do Pan.
A construção da Ilha Pura foi cercada de polêmicas desde o início, a começar pela presença da Carvalho Hosken. A opção por um empreendimento luxuoso gerou críticas. Em geral, empreendimentos que abrigam atletas são voltados para habitações sociais, que integrem a população local e sirvam de legado. Aconteceu assim em Londres e Barcelona, por exemplo. Em entrevista à BBC, no ano passado, Carlos Carvalho afirmou que não dava para “colocar o pobre ali”.
Menos lucro
Após os Jogos, a Carvalho prepara uma série de intervenções para tentar atrair compradores. O Comitê Olímpico terá que retirar todos os seus móveis e equipamentos e o seguro será acionado para recuperar qualquer dano que tenham acontecido com os imóveis. Depois, a construtora vai recuperar os apartamentos que foram preparados sob medida para atletas olímpicos e paralímpicos. A previsão é que esse processo se estenda até junho de 2017.
Segundo Caban, o mercado da Barra da Tijuca consegue vender, sem crise, em torno de 2.000 apartamentos por ano. No ritmo atual, levaria de três a quatro anos para vender todas as 3.600 unidades. As intervenções recentes, como as vias de ônibus expresso que interligaram pontos antes desconexos da cidade, devem fazer o interesse pela região aumentar. Com 200.000 dos 800.00 metros quadrados de área já utilizados, a empresa não descarta criar centros comerciais no restante da área. No limite, até a opção de alugar os apartamentos é aventada.
No curto prazo, a empresa tenta surfar a onda da Olimpíada para fazer negócios com investidores estrangeiros. Cerca de 300 apartamentos já estão reservados para esse público, segundo a Carvalho Hosken. O metro quadrado custará em média 10.000 reais. A média da cidade é de 10.538 reais, a mais alta do país, e chega a mais de 20.000 reais em bairros como Ipanema e Leblon, na Zona Sul. “Eles estão vendo que a situação é momentânea. Não temos problemas conjunturais de terrorismo, nossas condições climáticas são favoráveis e há uma possibilidade turística muito grande. Temos visto muitos estrangeiros interessados”, diz o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Rio, Roberto Kauffman.
A solução para muitas incorporadoras tem sido oferecer pacotes mais interessantes aos compradores. As ofertas vão desde cozinhas completas e armários embutidos a taxas de condomínio e IPTU quitadas pelo ano inteiro. Até viagem para Nova York vem sendo oferecida. Vale tudo para se livrar de um encalhe de mais de 3.000 apartamentos.
(Luciano Pádua)