Relatório vincula Carrefour, GPA e Big a desmatamento da Amazônia; entenda motivos e o que dizem as empresas
Dados mostram que algumas unidades brasileiras das redes Carrefour, Casino Guichard-Perrachon e Grupo Big abasteceram com carne proveniente de frigoríficos que em algum momento compraram gado de fazendas desmatadas
Maria Clara Dias
Publicado em 25 de fevereiro de 2021 às 11h44.
Última atualização em 25 de fevereiro de 2021 às 11h50.
Grandes frigoríficos como JBS e Marfrig Global Foods têm arcado com o peso dos esforços de vigilância para erradicar o desmatamento ilegal no setor de carne bovina do Brasil. Mas um novo relatório foca a atenção mais abaixo na cadeia de suprimentos ao vincular o desmatamento da Amazônia às redes de supermercados francesas Carrefour e Casino Guichard-Perrachon, além do Grupo Big, controlado pela Advent International.
As descobertas da Repórter Brasil mostram que algumas unidades brasileiras das três redes se abasteceram com carne proveniente de frigoríficos que em algum momento compraram gado de fazendas desmatadas.
O projeto de seis meses começou com o envio de pesquisadores a mais de duas dezenas de supermercados em cada uma das seis maiores cidades da região amazônica, além de São Paulo. A Repórter Brasil conseguiu rastrear amostras de carne vendida nessas unidades até abatedouros específicos e, em seguida, revisou a rede de fornecedores diretos e indiretos das processadoras.
Em Manaus, um supermercado do Carrefour - que no início deste mês prometeu R$ 4 milhões por ano para preservar uma área da Amazônia - comprava carne de um abatedouro do Frizam, um frigorífico de médio porte com foco no mercado interno, de acordo com a Repórter Brasil. Pelo menos até 2019, os dados mais recentes disponíveis, o Frizam comprou gado diretamente de um pecuarista que foi multado mais de 30 vezes nos últimos 25 anos por crimes ambientais.
As amostras representam uma pequena fração das vendas do Carrefour, e não há como saber se a carne nas prateleiras foi originada em uma fazenda infratora. Ainda assim, segundo a Repórter Brasil, isso mostra que o Carrefour tem espaço para intensificar o monitoramento para ajudar no combate ao desmatamento na Amazônia.
“É muito fácil bloquear esse tipo de transação” pelos frigoríficos, disse Marcel Gomes, secretário executivo da Repórter Brasil. Os supermercados “precisam exigir transparência” de seus fornecedores.
O Carrefour disse que monitora de forma constante seus fornecedores, além de ter iniciando um projeto de análise de fornecedores indiretos, “que é um elo importante na cadeia da pecuária”. Sem abordar este caso específico, a empresa disse que já suspendeu frigoríficos no passado por irregularidades e que só retomaram o fornecimento quando comprovaram conformidade com as melhores práticas ambientais. A Bloomberg Green não conseguiu entrar em contato com o Frizam por telefone ou e-mail.
A cadeia produtiva da carne bovina do Brasil é uma das mais complexas do mundo, com 2,5 milhões de pecuaristas, 2,5 mil unidades de abate e cerca de 215 milhões de cabeças de gado. O governo tem deixado a maior parte do monitoramento dessa ampla e opaca rede nas mãos de empresas que compram dezenas de milhares de animais mensalmente. Grandes frigoríficos como a JBS já usam monitoramento por satélite para garantir que fornecedores diretos não sejam parte do problema, mas, até agora, as processadoras não mapearam fornecedores indiretos, ou seja, criadores que vendem gado para fazendas de engorda que abastecem os frigoríficos.
Fazendeiros que buscam contornar as regulamentações ambientais às vezes agem como fornecedores diretos e indiretos, o que significa que abastecerão abatedouros com fazendas “limpas”, enquanto mantêm áreas próximas desmatadas onde muitos de seus animais são realmente criados. A Repórter Brasil disse no relatório que identificou pelo menos seis casos de pecuaristas desse tipo que vendiam para frigoríficos administrados pela Marfrig, Minerva, JBS e quatro produtores nacionais da região amazônica que, por sua vez, fornecem carne para supermercados operados pelo Carrefour, Grupo Pão de Açúcar, do Casino, e Grupo Big, da Advent.
Cinco dessas empresas - Pão de Açúcar, Carrefour, Marfrig, Minerva e JBS - afirmam ter sistemas para monitorar fornecedores diretos e trabalham para tornar a checagem ainda mais rigorosa. A Minerva disse que a falta de acesso das indústrias às Guias de Trânsito Animal (GTAs) dificulta os esforços de transparência no setor, e que recentemente começou a testar a ferramenta Visipec para rastrear fornecedores indiretos, juntamente com o Grupo Pão de Açúcar e Marfrig.
A JBS, maior produtora de carnes do mundo, também apontou o sigilo das GTAs como um grande desafio e disse que busca superar o problema por meio de uma nova blockchain que seus fornecedores deverão incorporar até 2025. A empresa “não compactua nem tolera o desrespeito ao meio ambiente”, disse. Também disse que pediu à Repórter Brasil que compartilhasse os documentos para identificar fazendas e fornecedores diretos com práticas irregulares, mas que a ONG não atendeu à solicitação.
O Grupo Big disse que seu sistema de monitoramento “garante” que os produtos adquiridos e comercializados não estão relacionados ao desmatamento. A Advent não quis comentar.