Por que a própria Petrobras diz que não dá para investir mais
Em entrevista a EXAME.com, presidente da estatal diz que o desafio, agora, é a capacidade de entrega dos projetos
Da Redação
Publicado em 27 de julho de 2011 às 10h54.
São Paulo - A capacidade de a Petrobras investir bateu no teto. E não por causa de seu limite de endividamento, ou da falta de oferta de recursos. O problema, agora, é prático: esperar que os projetos em curso amadureçam, junto com os fornecedores brasileiros, de cuja capacidade o mercado desconfia.
“A revisão do plano de investimentos é uma questão de escala”, afirmou José Sergio Gabrielli em entrevista a EXAME.com, da qual também participou o diretor financeiro da estatal, Almir Barbassa. A empresa vai investir 224,7 bilhões de dólares entre 2011 e 2015, praticamente o mesmo do previsto no plano anterior. Os executivos também falaram do plano de desinvestimento de 13,6 bilhões de dólares. Leia, a seguir, os principais trechos da conversa:
EXAME.com - Alguns projetos da Petrobras sofreram forte pressão política. É possível dizer que a revisão do plano de investimentos é também o momento em que a empresa está colocando as coisas nos seus devidos lugares?
José Sergio Gabrielli – Não acho. A revisão é o resultado do amadurecimento que tivemos. Nos últimos oito anos, a Petrobras dobrou o volume de investimentos a cada dois anos. Por volta de 2002, a companhia investia 5 bilhões de dólares por ano. Nós investimos 70 bilhões de dólares há um ou dois anos. É um crescimento absolutamente extraordinário. Então, a revisão é uma questão de escala, de capacidade de entrega de projetos.
EXAME.com - Mas alguns dos projetos que estão sendo postergados, como a refinaria premium do Maranhão, geraram muita controvérsia...
Gabrielli – Se você pegar a demanda do Nordeste, Norte e Centro-Oeste, nós temos, hoje, um déficit diário de 464.000 barris de derivados. Se você pegar o Sudeste, a demanda e a oferta são equilibradas. Por isso, o investimento nessas regiões precisa ser feito. Não tem jeito. O problema é que nós, agora, concluímos o processo de redesign desta refinaria para reduzir custos e padronizar o projeto. Teremos um projeto menos customizado. Isso atrasou o início da obra, para que tenhamos, na fase de execução, um projeto de menor custo.
EXAME.com - A Petrobras não está arcando com um custo extra para bancar o índice de nacionalização dos projetos, num momento em que a própria empresa admite que o maior risco é a capacidade de entrega dos fornecedores, sobretudo os nacionais?
Gabrielli – Vou contar uma história. Por volta de 2007, nós tínhamos apenas duas ou três sondas e estávamos desesperados. Os preços das sondas subiram e chegaram a 700.000 dólares por dia de aluguel. Nós tentamos contratar sondas e não conseguimos. Neste momento, vimos que era necessário criar capacidade adicional de construção de sondas, porque a Petrobras vai precisar de muitas daqui para frente. E isso fez com que avançássemos na questão da nacionalização. Segundo ponto: no mundo inteiro, o sistema de produção de plataformas flutuantes envolve a conversão de navios antigos em plataformas. Por isso, cada casco é diferente do outro. Nós vamos precisar de 30. Então, é possível revolucionar e construir cascos em série, por causa de nossa escala.
EXAME.com - Mas já estão ocorrendo atrasos...
Gabrielli – Claro que tem atraso, por causa do processo de aprendizado. O primeiro navio encomendado ao estaleiro Atlântico Sul, em Pernambuco, foi construído simultaneamente à instalação do estaleiro.
EXAME.com - A Petrobras está disposta a bancar o custo de aprendizado da indústria nacional?
Gabrielli – Sim, porque estrategicamente é melhor. Nós temos mais vantagens no longo prazo com isso. Não podemos ficar com a visão de curto prazo, de que é mais barato produzir fora, porque, no longo prazo, nós vamos ficar dependentes de outros países. E sabemos que vamos precisar de muitas encomendas.
EXAME.com - Então, a Petrobras aposta que, no futuro, esse custo vai se reverter em benefícios?
Gabrielli – Com certeza. Se não fosse isso, não teria sentido.
Almir Barbassa – Há outra questão que é a escala. Quando se encomendam sete sondas, o custo médio é plenamente competitivo. Elas saíram por 660 milhões de dólares cada, o que, convertido para a taxa diária de locação, deu 450.000 dólares. Isso é amplamente competitivo com qualquer empresa internacional. Então, não estamos pagando um preço maior.
Gabrielli – O problema da escala é fundamental. Nós contratamos grandes volumes; de batelada.
EXAME.com - O mercado acredita que a Petrobras está muito otimista quanto ao ritmo de crescimento da produção de petróleo no plano de investimentos. O senhor concorda?
Gabrielli – Olhando para trás, nos últimos 30 anos, a produção cresceu a uma taxa anual de 10%. Esse crescimento não foi linear, porque a gente só cresce quando descobre novas fronteiras de exploração ou uma nova tecnologia. Os campos novos são mais potentes. Vivemos hoje uma nova fronteira, que é o pré-sal.
EXAME.com - Mas ninguém vai extrair petróleo se não houver demanda. Haverá mercado para esse volume de produção?
Gabrielli – A demanda não será problema. Não temos nenhuma dúvida. Os campos já em operação, no mundo todo, declinam de produção naturalmente a uma taxa de 7% ao ano. Essa queda precisa ser reposta por uma produção nova. E só a demanda para repor essa queda já é maior do que nossa capacidade de atender.
EXAME.com - Que tipos de ativos poderão ser vendidos no plano de desinvestimento?
Gabrielli – Faz parte de qualquer farm-out [jargão da indústria petrolífera para a venda de concessões] vender participações em campos de produção e exploração.
EXAME.com - E qual é o perfil dos ativos que a Petrobras estuda vender?
Barbassa – Depende. Pode ser uma unidade pouco integrada à operação. Uma unidade isolada. Às vezes, uma unidade que não faz mais sentido para o portfólio. Algo que hoje já não integra o nosso core business, e que veio no meio de outra operação.
EXAME.com - Regiões nas quais vocês tiveram problemas, no passado, podem ser alvo de desinvestimento?
Gabrielli – Temos contratos muito estáveis hoje, se você está pensando na Bolívia, por exemplo. E mantivemos nossos planos para esse país.
EXAME.com - A Petrobras gosta muito da costa africana e do Golfo do México. Estas seriam regiões preservadas do desinvestimento?
Gabrielli – Nós atuamos em 27 países, e estamos olhando tudo. E nem tudo será desinvestimento operacional. Uma parte disso será desinvestimento financeiro.
Barbassa – Será uma revisão da nossa alocação de capital. Em vez de colocar dinheiro em uma garantia, por exemplo, eu posso usar outra ferramenta financeira e liberar esses recursos para investimento.
EXAME.com - Então, desses 13,6 bilhões de dólares, quanto virá de venda de ativos e quanto virá de revisão financeira?
Barbassa – Dá mais ou menos meio-a-meio.
EXAME.com - E qual é o prazo para a execução desse desinvestimento?
Gabrielli – Nós temos um prazo de dois anos para executar a maioria disso, pelo menos.
EXAME.com - A Petrobras vai fazer um anúncio oficial do programa de desinvestimento?
Gabrielli – Não necessariamente. Talvez nem seja preciso. A gente vai fazendo aos poucos e anunciando aos poucos.
São Paulo - A capacidade de a Petrobras investir bateu no teto. E não por causa de seu limite de endividamento, ou da falta de oferta de recursos. O problema, agora, é prático: esperar que os projetos em curso amadureçam, junto com os fornecedores brasileiros, de cuja capacidade o mercado desconfia.
“A revisão do plano de investimentos é uma questão de escala”, afirmou José Sergio Gabrielli em entrevista a EXAME.com, da qual também participou o diretor financeiro da estatal, Almir Barbassa. A empresa vai investir 224,7 bilhões de dólares entre 2011 e 2015, praticamente o mesmo do previsto no plano anterior. Os executivos também falaram do plano de desinvestimento de 13,6 bilhões de dólares. Leia, a seguir, os principais trechos da conversa:
EXAME.com - Alguns projetos da Petrobras sofreram forte pressão política. É possível dizer que a revisão do plano de investimentos é também o momento em que a empresa está colocando as coisas nos seus devidos lugares?
José Sergio Gabrielli – Não acho. A revisão é o resultado do amadurecimento que tivemos. Nos últimos oito anos, a Petrobras dobrou o volume de investimentos a cada dois anos. Por volta de 2002, a companhia investia 5 bilhões de dólares por ano. Nós investimos 70 bilhões de dólares há um ou dois anos. É um crescimento absolutamente extraordinário. Então, a revisão é uma questão de escala, de capacidade de entrega de projetos.
EXAME.com - Mas alguns dos projetos que estão sendo postergados, como a refinaria premium do Maranhão, geraram muita controvérsia...
Gabrielli – Se você pegar a demanda do Nordeste, Norte e Centro-Oeste, nós temos, hoje, um déficit diário de 464.000 barris de derivados. Se você pegar o Sudeste, a demanda e a oferta são equilibradas. Por isso, o investimento nessas regiões precisa ser feito. Não tem jeito. O problema é que nós, agora, concluímos o processo de redesign desta refinaria para reduzir custos e padronizar o projeto. Teremos um projeto menos customizado. Isso atrasou o início da obra, para que tenhamos, na fase de execução, um projeto de menor custo.
EXAME.com - A Petrobras não está arcando com um custo extra para bancar o índice de nacionalização dos projetos, num momento em que a própria empresa admite que o maior risco é a capacidade de entrega dos fornecedores, sobretudo os nacionais?
Gabrielli – Vou contar uma história. Por volta de 2007, nós tínhamos apenas duas ou três sondas e estávamos desesperados. Os preços das sondas subiram e chegaram a 700.000 dólares por dia de aluguel. Nós tentamos contratar sondas e não conseguimos. Neste momento, vimos que era necessário criar capacidade adicional de construção de sondas, porque a Petrobras vai precisar de muitas daqui para frente. E isso fez com que avançássemos na questão da nacionalização. Segundo ponto: no mundo inteiro, o sistema de produção de plataformas flutuantes envolve a conversão de navios antigos em plataformas. Por isso, cada casco é diferente do outro. Nós vamos precisar de 30. Então, é possível revolucionar e construir cascos em série, por causa de nossa escala.
EXAME.com - Mas já estão ocorrendo atrasos...
Gabrielli – Claro que tem atraso, por causa do processo de aprendizado. O primeiro navio encomendado ao estaleiro Atlântico Sul, em Pernambuco, foi construído simultaneamente à instalação do estaleiro.
EXAME.com - A Petrobras está disposta a bancar o custo de aprendizado da indústria nacional?
Gabrielli – Sim, porque estrategicamente é melhor. Nós temos mais vantagens no longo prazo com isso. Não podemos ficar com a visão de curto prazo, de que é mais barato produzir fora, porque, no longo prazo, nós vamos ficar dependentes de outros países. E sabemos que vamos precisar de muitas encomendas.
EXAME.com - Então, a Petrobras aposta que, no futuro, esse custo vai se reverter em benefícios?
Gabrielli – Com certeza. Se não fosse isso, não teria sentido.
Almir Barbassa – Há outra questão que é a escala. Quando se encomendam sete sondas, o custo médio é plenamente competitivo. Elas saíram por 660 milhões de dólares cada, o que, convertido para a taxa diária de locação, deu 450.000 dólares. Isso é amplamente competitivo com qualquer empresa internacional. Então, não estamos pagando um preço maior.
Gabrielli – O problema da escala é fundamental. Nós contratamos grandes volumes; de batelada.
EXAME.com - O mercado acredita que a Petrobras está muito otimista quanto ao ritmo de crescimento da produção de petróleo no plano de investimentos. O senhor concorda?
Gabrielli – Olhando para trás, nos últimos 30 anos, a produção cresceu a uma taxa anual de 10%. Esse crescimento não foi linear, porque a gente só cresce quando descobre novas fronteiras de exploração ou uma nova tecnologia. Os campos novos são mais potentes. Vivemos hoje uma nova fronteira, que é o pré-sal.
EXAME.com - Mas ninguém vai extrair petróleo se não houver demanda. Haverá mercado para esse volume de produção?
Gabrielli – A demanda não será problema. Não temos nenhuma dúvida. Os campos já em operação, no mundo todo, declinam de produção naturalmente a uma taxa de 7% ao ano. Essa queda precisa ser reposta por uma produção nova. E só a demanda para repor essa queda já é maior do que nossa capacidade de atender.
EXAME.com - Que tipos de ativos poderão ser vendidos no plano de desinvestimento?
Gabrielli – Faz parte de qualquer farm-out [jargão da indústria petrolífera para a venda de concessões] vender participações em campos de produção e exploração.
EXAME.com - E qual é o perfil dos ativos que a Petrobras estuda vender?
Barbassa – Depende. Pode ser uma unidade pouco integrada à operação. Uma unidade isolada. Às vezes, uma unidade que não faz mais sentido para o portfólio. Algo que hoje já não integra o nosso core business, e que veio no meio de outra operação.
EXAME.com - Regiões nas quais vocês tiveram problemas, no passado, podem ser alvo de desinvestimento?
Gabrielli – Temos contratos muito estáveis hoje, se você está pensando na Bolívia, por exemplo. E mantivemos nossos planos para esse país.
EXAME.com - A Petrobras gosta muito da costa africana e do Golfo do México. Estas seriam regiões preservadas do desinvestimento?
Gabrielli – Nós atuamos em 27 países, e estamos olhando tudo. E nem tudo será desinvestimento operacional. Uma parte disso será desinvestimento financeiro.
Barbassa – Será uma revisão da nossa alocação de capital. Em vez de colocar dinheiro em uma garantia, por exemplo, eu posso usar outra ferramenta financeira e liberar esses recursos para investimento.
EXAME.com - Então, desses 13,6 bilhões de dólares, quanto virá de venda de ativos e quanto virá de revisão financeira?
Barbassa – Dá mais ou menos meio-a-meio.
EXAME.com - E qual é o prazo para a execução desse desinvestimento?
Gabrielli – Nós temos um prazo de dois anos para executar a maioria disso, pelo menos.
EXAME.com - A Petrobras vai fazer um anúncio oficial do programa de desinvestimento?
Gabrielli – Não necessariamente. Talvez nem seja preciso. A gente vai fazendo aos poucos e anunciando aos poucos.