Para onde vai o lixo que foi multiplicado pelas enchentes no Rio Grande do Sul?
A CRVR, empresa que faz a gestão de aterros sanitários, está diante do maior desafio do estado neste momento pós-enchente: o destino dos resíduos; veja como a população está enfrentando esse problema que pode impactar a saúde pública
Repórter
Publicado em 19 de junho de 2024 às 10h56.
Última atualização em 19 de junho de 2024 às 16h57.
A situação de calamidade do Rio Grande do Sul não acabou com a baixa das águas. Após as enchentes, é possível ver os estragos que as cheias causaram nas cidades. Entre casas, veículos e pessoas, apenas uma coisa se multiplicou neste cenário: o lixo.
“Parece um cenário de guerra. Tem montanhas de móveis e objetos acumulados nas ruas. Há também muitas residências destruídas e um cheiro ruim muito forte. Dá uma tristeza imensa ver isso, porque aqui está a comprovação e o reflexo de toda essa tragédia”, afirma Cíntia Motta, jornalista que moradora da cidade de Canoas, RS.
Esse cenário torna a destinação do lixo como um dos desafios a ser enfrentado pela população gaúcha, masa situação poderia ser pior se o estado não contasse com aterros sanitários, afirma Leomyr Girondi, CEO da Companhia Rio Grandense de Valorização de Resíduos (CRVR), que é engenheiro civil e tem mais de 20 anos com gestão de aterros sanitários.
“A situação de lixo no Rio Grande do Sul poderia ser pior, isso porque o estado possui uma alta taxa de destinação adequada de resíduos, com 95% sendo encaminhados para aterros sanitários”, afirma o empresário que reforça que o estado contém seis aterros sanitários que normalmente estão localizados em regiões altas.
Apesar do investimento neste formato de destino de resíduos, os impactos da enchente ainda continuam no estado, afirma a jornalista Motta.
“A prefeitura, que é a responsável por recolher os lixos das ruas, tem utilizado caminhões e retroescavadeiras para retirar o lixo acumulado, mas é tanto volume que não dão conta. Na rua atrás do meu condomínio eu vi o caminhão ficar dois dias tirando o lixo, mas se você olhar lá agora, parece que não fez diferença, porque é tanto volume, tem tanta coisa, que eles não vencem”, diz a moradora de Canoas.
“Aliás, é uma injustiça chamar tudo aquilo de 'lixo'. Viraram lixo de forma não consentida, são bens adquiridos com muito trabalho, conquistas de uma vida inteira, coisas que ninguém estava preparado para perder ou para ver virar lixo”.
A capacidade dos aterros não é suficiente
A CRVR foi criada em 1992 e na época recebeu o nome de Sil Soluções Ambientais, em Minas do Leão. Em 2011, foi constituída como CRVR, logo após a criação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010, que buscava acabar com o fim dos lixões no Brasil.
“Uma das medidas dessa política nacional era ser aplicada por região, ou seja, a melhor saída para se eliminar os lixões seria todos os municípios do Brasil terem aterros sanitários. Naquela época, entendemos que poderíamos atender de forma rápida essa demanda e por isso criamos a CRVR”, afirma Girondi que informa que no mesmo ano, a companhia foi vendida para o Grupo Solví, empresa de engenharia e meio ambiente.
Os primeiros aterros sanitários da companhia gaúcha foram nos municípios de Santa Maria e Jiruá. Logo depois a empresa fez a aquisição de um aterro em Minas do Leão, que é o maior hoje do estado do Rio Grande do Sul, e consequentemente o mais atingido pelas enchentes de maio, porque é o que mais recebeu resíduos.
“A capacidade atual dos aterros no estado não é suficiente para lidar com todo o lixo gerado pelas enchentes; a geração de resíduos aumentou em torno de 12%, sendo a região metropolitana e de Porto Alegre a mais atingida por acúmulo de resíduos”, afirma o executivo.
A companhia atende hoje cerca de 75% da população do Rio Grande do Sul, cobre aproximadamente 318 municípios e recebe normalmente de 6.000 a 6.500 toneladas de resíduos por dia. Com as enchentes, o empresário lembra que foi preciso a companhia atuar para além dos esforços diários.
“Ajudamos na retirada de resíduos das casas e cidades, e pegamos os nossos maquinários, como retroescavadeiras, que eram usados na operação de resgate e no assoreamento dos córregos, o que ajudou com que em muitas regiões não fossem alagadas”.
Apesar dos esforços, o maior desafio para o setor ainda está por vir, segundo Girondi.“Foi necessário que os municípios escolhessem áreas temporárias para o destino dos resíduos, e sabemos que elas vão ter que ser tratadas em breve para não prejudicar o solo e não causar danos à saúde pública,” diz. "Cuidar dessas áreas temporárias será um dos maiores desafios".
Aterros não são lixões
Diferente dos lixões que são terrenos que tem lixo a céu aberto, os aterros são obras de engenharia planejadas para durar 20 a 25 anos. Incluem sistemas de proteção do solo, extração de gás, tratamento de chorume e processos de reciclagem.
“Nos aterros, a reciclagem e a triagem de resíduos são realizadas em pavilhões específicos, separados dos aterros. Aqui os funcionários usam EPIs, tem um limite de horário e há uma linha de produção industrial que ajuda os funcionários a não terem contato com o lixo”, diz o executivo.
O lixo que vira energia
Para buscar atender às metas de sustentabilidade, em 2015 a CRVR criou a empresa Biotérmica Energia para extração e venda de gás dos aterros, transformando o lixo em energia elétrica.
Outro projeto sustentável da companhia é o desenvolvimento de projetos de venda de biometano. “Vamos implantar no final deste ano a primeira planta de biometano no estado do Rio Grande do Sul, em Minas do Leão, para vender gás comprimido”, diz o executivo que reforça que as medidas buscam neutralizar os gases do efeito estufa.
Os impactos do lixo na economia
A CRVR faturou no último ano cerca de 300 milhões de reais, mas existe uma expectativa de redução do faturamento este ano por causa das enchentes. Segundo Girondi, o lixo é impactado diretamente pela economia local, e por isso as expectativas dos negócios no estado não são as melhores.
“Para cada 1% que sobe ou desce o PIB existe um aumento na geração de 2 a 3% da quantidade de resíduos. Como a economia do estado foi afetada pelas enchentes, porque as pessoas foram impactadas em seus negócios e em seus empregos, eles tendem a consumir menos e a gerar menos resíduos”, diz. "Apesar dessa expectativa, sabemos que o mais importante no momento é reestabelecer os serviços nos municípios e garantir que toda a cadeia possa voltar a operar normalmente para atender as necessidades da população".
Negócios em Luta
A série de reportagensNegócios em Lutaé uma iniciativa da EXAME para dar visibilidade ao empreendedorismo do Rio Grande do Sul num dos momentos mais desafiadores na história do estado. Cerca de 700 mil micro e pequenas empresas gaúchas foram impactadas pelas enchentes que assolaram o estado no mês de maio.
São negócios de todos os setores que, de um dia para o outro, viram a água das chuvas inundar projetos de uma vida inteira. As cheias atingiram 80% da atividade econômica do estado, de acordo com estimativa da Fiergs, a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul.
Os textos doNegócios em Lutamostram como os negócios gaúchos foram impactados pela enchente histórica e, mais do que isso, de que forma eles serão uma força vital na reconstrução do Rio Grande do Sul daqui para frente. Tem uma história? Mande paranegociosemluta@exame.com.