Os oásis das montadoras?
Michele Loureiro O mercado de carros, e isso não é novidade, sentiu como poucos o impacto da crise. No acumulado do ano até julho, o volume de automóveis e comerciais leves vendidos caiu 24,4% na comparação com o mesmo período de 2015. Quando a análise chega ao nível municipal, a crise fica ainda mais séria. […]
Da Redação
Publicado em 22 de agosto de 2016 às 14h35.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h09.
Michele Loureiro
O mercado de carros, e isso não é novidade, sentiu como poucos o impacto da crise. No acumulado do ano até julho, o volume de automóveis e comerciais leves vendidos caiu 24,4% na comparação com o mesmo período de 2015. Quando a análise chega ao nível municipal, a crise fica ainda mais séria. Em apenas cinco das 5.570 cidades brasileiras a venda de automóveis aumentou em 2016, de acordo com um levantamento realizado pela consultoria Jato Dynamics a pedido de EXAME Hoje.
Belo Horizonte é um desses oásis para a indústria automotiva. A cidade já registra 99.525 emplacamentos neste ano, um volume 2,1% maior na comparação com o mesmo intervalo de 2015. Segundo Milad Kalume Neto, gerente de desenvolvimento de negócios da Jato Dynamics, a cidade conta com as vendas diretas a seu favor. Os carros da Localiza, companhia de aluguel de veículos, são emplacados na cidade. “Isso ajuda a engordar as estatísticas”, diz. Neste mercado, a crise até ajuda, já que a Localiza consegue melhores condições de negociação com as montadoras. Apenas em 2016, a companhia já adquiriu 30.000 unidades e pretende comprar outros 30.000 veículos até o fim do ano.
São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, é outro raro terreno positivo. Por lá foram comercializados 3.722 veículos este ano, volume 0,6% maior que no mesmo período de 2015. Alguns fatores ajudam a explicar porque a venda de carros não acompanhou a tendência de queda observada no país: a cidade de 160.000 habitantes possui o maior IDH, índice que mede a qualidade de vida, e uma renda média per capita acima de 2.000 reais, praticamente o dobro do restante do País. “Além disso, a cidade é sede da General Motors há oito décadas e nutre uma relação muito próxima com a montadora, que lidera as vendas por lá”, afirma Kalume Neto. As liquidações feitas pela montadora na própria fábrica também podem ter ajudado.
O pós-crise
Como se vê, não há uma narrativa comum entre as cidades no azul. Na verdade, elas tendem a estar bem por causa da crise, e não apesar dela. A lista fica completa com municípios dos estados de São Paulo, Pará e Goiás, todos com menos de 100.000 habitantes. Normalmente são cidades vinculadas a um pólo maior, que vive um bom momento econômico. Ou, em alguns casos, os volumes são tão pequenos que qualquer casal que decida trocar de carro pode distorcer as estatísticas.
Com 85.000 habitantes, Avaré (SP), viu o volume de emplacamentos subir 15,1% neste ano, para 680 unidades. Já a pequena Santo Antônio do Descoberto (GO), com 67.000 habitantes, emplacou 14 veículos, o suficiente para as vendas subirem 7,7%. Para finalizar, os 99.000 habitantes de Breves (PA) compraram 29 carros até julho, uma alta de 3,6% ante igual período de 2015.
Mas, por trás desses números, há uma leitura mais profunda a ser feita. Por possuírem as menores taxa de motorização do país, as regiões Norte e Nordeste, e as cidades com menos de 100.000 habitantes, são a grande aposta das montadoras para o momento da retomada – em algum momento, afinal, ele há de vir.
Por enquanto, como a crise costuma chegar primeiro às camadas mais pobres da população, essas regiões foram fortemente impactadas. Enquanto o País possui uma média de um carro para cada cinco habitantes, no Norte a relação é de 13,7 pessoas por carro e no Nordeste, de 12,1. O potencial das regiões chamou atenção das montadoras, que abriram unidades e concessionárias nas regiões no auge da indústria. Mas o aumento do desemprego, a queda do poder aquisitivo e a restrição de crédito nos últimos anos comprometeram a arrancada.
A região Norte acumula a maior queda de vendas do Brasil, com 31,4% ante janeiro a julho de 2015. Foram comercializados 55.000 carros por lá. Enquanto isso, o Nordeste detém o segundo pior desempenho, com retração de 30% e 178.000 unidades emplacadas.
Na sequência aparece a região Centro-Oeste, com recuo de 29,4% e 109.000 unidades, seguida por Sul, em queda de 23,6% e 209 600 veículos vendidos até julho. O Sudeste foi a região que caiu menos, 20,9%, e manteve-se como o maior mercado do País, com 574.650 unidades comercializadas nos sete meses de 2016.
Ampliando um pouco mais a análise, é possível notar que apenas quatro estados caíram menos que a média nacional. São eles: Minas Gerais (-11,9%), Santa Catarina (-21,7%), São Paulo (-22,9%) e Paraná (-23,9%). Não por acaso, alguns dos estados mais ricos do país. Em contrapartida, Acre e Maranhão tiveram as maiores retrações, de 39,2% e 34,6%, respectivamente.
Segundo Antonio Megale, presidente da Anfavea, associação que representa as montadoras, as vendas devem retomar fôlego a partir de 2017. “Não vamos para o nível dos EUA, que é de um carro para cada habitante, mas podemos seguir o rumo da Europa ocidental, com dois habitantes para cada veículo. Precisaríamos adicionar 60 milhões de veículos para atingir o nível europeu. Há muito potencial”, diz. O desafio, para as montadoras, é ficar de pé até lá.