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Os melhores da América do Sul

A minúscula argentina Achaval Ferrer e o conglomerado chileno Concha y Toro disputam o posto de a melhor vinícola do continente

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DR

Da Redação

Publicado em 12 de outubro de 2010 às 18h13.

Até dez anos atrás, o vinho da América do Sul era um ilustre desconhecido entre os bebedores mais sofisticados. Embora produzissem em larga escala, as vinícolas locais, especialmente as da Argentina, vendiam basicamente para seu mercado interno -- e o padrão dos vinhos era considerado indigesto pelo resto do mundo. Recentemente, porém, dois produtores da região atingiram um nível de qualidade comparável ao das mais tradicionais vinícolas européias e elaboraram vinhos considerados os melhores da história do continente. Os vinhos são o Finca Altamira 2003, da argentina Achaval Ferrer, e o Don Melchor 2003, da chilena Concha y Toro (eles podem ser comprados no Brasil por cerca de 300 e 500 reais, respectivamente). Ambos conseguiram o que muitos consideravam impensável: receberam 96 pontos (de um total de 100) da revista Wine Spectator, espécie de bíblia do setor. O Don Melchor 2003 foi considerado pela publicação americana o quarto melhor vinho do planeta. "Pouca gente acreditava que produziríamos um vinho de tamanha qualidade", diz Francisco Torres, diretor da Concha y Toro. "Mas, à custa de muito investimento, conseguimos."

Os dois protagonistas da disputa pela posição de melhor vinícola da América do Sul são empresas completamente diferentes. Em muitos aspectos, uma é exatamente o oposto da outra. A maior diferença é o tamanho. A Concha y Toro é um gigante. Nos últimos anos, tornou-se a maior produtora de vinhos do continente e é uma das líderes do mundo -- fatura quase 400 milhões de dólares anuais e tem ações listadas na bolsa de Nova York. Sua tradição remonta a 1883, ano em que foi fundada pelo advogado don Melchor de Concha y Toro. Hoje a empresa produz nove rótulos, em diferentes faixas de preço. No Brasil, o mais barato custa cerca de 20 reais. A Achaval Ferrer tem outra concepção. Seu faturamento não passa de 1,5 milhão de dólares, e a empresa só produz cinco rótulos, todos com preços superiores a 80 reais. A companhia tampouco tem tradição no setor. Foi criada do zero, em 1998, por quatro amigos, todos por volta dos 45 anos de idade -- que a projetaram com o espírito romântico de quem foge da vida na cidade para construir uma pousada na praia. Santiago Achaval e Manuel Ferrer lideraram o projeto e logo foram seguidos por dois colegas italianos, Roberto Cipresso e Tiziano Siviero. Há dois anos, outros dois amigos se associaram à vinícola: Marcelo Victoria e Diego Rosso.

DESCOBERTA POR ACASO
A empreitada dos quatro amigos tinha tudo para dar errado. Com exceção de Cipresso, dono de uma pequena vinícola na Itália, nenhum deles tinha experiência na produção de vinhos. A especialidade da turma era se encontrar para beber. Achaval era diretor financeiro de uma fábrica de cimento localizada na província de Córdoba, no norte da Argentina. Ferrer trabalhava na mesma empresa, como diretor jurídico. Siviero, um aficionado de esportes, só visitava a Argentina uma vez por ano para participar de um rali pela região. "Conhecíamos bastante a teoria, mas nada da prática", afirmou Achaval a EXAME RESERVA. Ele e Cipresso ficaram com a parte mais complexa do projeto. Os dois passaram meses vagando por Mendoza à procura do local ideal para iniciar a experiência. Depois de esquadrinhar a região, adquiriram a Finca Bella Vista, atualmente sede da Achaval Ferrer, com vista para os Andes. "O terreno estava em excelentes condições. Muitas das vinhas que temos aqui têm mais de 80 anos", diz Achaval.

Foi no final de 1998, porém, que os amigos deram o passo decisivo para entrar para a elite do vinho mundial. Enquanto perambulava por Mendoza, Cipresso encontrou um terreno abandonado com videiras malcuidadas e soterradas num amontoado de lixo. Mesmo com o cenário desolador, o italiano decidiu provar as uvas do cacho. Quase caiu para trás. Imediatamente, ligou para seu amigo Achaval, que estava em Córdoba. "Temos de comprar essa vinha imediatamente", disse ele. "Ela produz as melhores uvas que já provei." Achaval, que àquela altura já tinha exaurido todas as suas reservas financeiras (ele foi o principal financiador do projeto), acabou dando o sinal verde. "Tive de confiar inteiramente nele", diz. A Finca Altamira desde então produz apenas vinhos acima de 90 pontos. "Até aquelas uvas maltratadas geraram bom vinho", afirma.

AJUDA DE FORA
A proliferação de vinhos chilenos e argentinos de boa qualidade é, em grande parte, resultado da associação entre produtores locais e estrangeiros. Entre as décadas de 80 e 90, esses dois países receberam uma enxurrada de investimentos provenientes sobretudo de vinícolas européias. O clima da região -- com forte oscilação de temperatura durante o dia e escassez de chuvas -- tornou o setor atraente ao capital europeu, interessado na produção de vinhos de bom custo-benefício. Na Argentina, a paridade cambial viabilizou pesados investimentos em tecnologia e desenvolvimento de novas cepas. Estima-se que, no total, o país tenha recebido mais de 1 bilhão de dólares em investimentos somente no setor vinícola. No caso da Achaval Ferrer e da Concha y Toro, os europeus não entraram com dinheiro, mas com experiência. Os chilenos fizeram, em 1997, uma parceria com a tradicional vinícola francesa Baron Philippe de Rothschild (que produz o lendário Château Lafitte-Rotschild) e, com isso, inauguraram uma nova fase na produção de vinhos na América do Sul. O fruto dessa associação é o Almaviva -- outro distinto representante do grupo dos melhores vinhos do continente.

Achaval Ferrer
Ano de fundação
1998
Faturamento em 2005
1,5 milhão de dólares
Produção anual
160 000 garrafas
Quantos rótulos produz
5
Aposta
Vinhos de alta qualidade
Melhor vinho
Finca Altamira 2003 (96 pontos na Wine Spectator)
Importadora
Enoteca Fasano
Preço
300 reais
Concha y Toro
Ano de fundação
1883
Faturamento em 2005
393 milhões de dólares
Produção anual
200 milhões de garrafas
Quantos rótulos produz
9
Aposta
Vinhos em diferentes faixas de preço
Melhor vinho
Don Melchor 2003 (96 pontos na Wine Spectator)
Importadora
Expand
Preço
500 reais(1) (1) Estimativa

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Até dez anos atrás, o vinho da América do Sul era um ilustre desconhecido entre os bebedores mais sofisticados. Embora produzissem em larga escala, as vinícolas locais, especialmente as da Argentina, vendiam basicamente para seu mercado interno -- e o padrão dos vinhos era considerado indigesto pelo resto do mundo. Recentemente, porém, dois produtores da região atingiram um nível de qualidade comparável ao das mais tradicionais vinícolas européias e elaboraram vinhos considerados os melhores da história do continente. Os vinhos são o Finca Altamira 2003, da argentina Achaval Ferrer, e o Don Melchor 2003, da chilena Concha y Toro (eles podem ser comprados no Brasil por cerca de 300 e 500 reais, respectivamente). Ambos conseguiram o que muitos consideravam impensável: receberam 96 pontos (de um total de 100) da revista Wine Spectator, espécie de bíblia do setor. O Don Melchor 2003 foi considerado pela publicação americana o quarto melhor vinho do planeta. "Pouca gente acreditava que produziríamos um vinho de tamanha qualidade", diz Francisco Torres, diretor da Concha y Toro. "Mas, à custa de muito investimento, conseguimos."

Os dois protagonistas da disputa pela posição de melhor vinícola da América do Sul são empresas completamente diferentes. Em muitos aspectos, uma é exatamente o oposto da outra. A maior diferença é o tamanho. A Concha y Toro é um gigante. Nos últimos anos, tornou-se a maior produtora de vinhos do continente e é uma das líderes do mundo -- fatura quase 400 milhões de dólares anuais e tem ações listadas na bolsa de Nova York. Sua tradição remonta a 1883, ano em que foi fundada pelo advogado don Melchor de Concha y Toro. Hoje a empresa produz nove rótulos, em diferentes faixas de preço. No Brasil, o mais barato custa cerca de 20 reais. A Achaval Ferrer tem outra concepção. Seu faturamento não passa de 1,5 milhão de dólares, e a empresa só produz cinco rótulos, todos com preços superiores a 80 reais. A companhia tampouco tem tradição no setor. Foi criada do zero, em 1998, por quatro amigos, todos por volta dos 45 anos de idade -- que a projetaram com o espírito romântico de quem foge da vida na cidade para construir uma pousada na praia. Santiago Achaval e Manuel Ferrer lideraram o projeto e logo foram seguidos por dois colegas italianos, Roberto Cipresso e Tiziano Siviero. Há dois anos, outros dois amigos se associaram à vinícola: Marcelo Victoria e Diego Rosso.

DESCOBERTA POR ACASO
A empreitada dos quatro amigos tinha tudo para dar errado. Com exceção de Cipresso, dono de uma pequena vinícola na Itália, nenhum deles tinha experiência na produção de vinhos. A especialidade da turma era se encontrar para beber. Achaval era diretor financeiro de uma fábrica de cimento localizada na província de Córdoba, no norte da Argentina. Ferrer trabalhava na mesma empresa, como diretor jurídico. Siviero, um aficionado de esportes, só visitava a Argentina uma vez por ano para participar de um rali pela região. "Conhecíamos bastante a teoria, mas nada da prática", afirmou Achaval a EXAME RESERVA. Ele e Cipresso ficaram com a parte mais complexa do projeto. Os dois passaram meses vagando por Mendoza à procura do local ideal para iniciar a experiência. Depois de esquadrinhar a região, adquiriram a Finca Bella Vista, atualmente sede da Achaval Ferrer, com vista para os Andes. "O terreno estava em excelentes condições. Muitas das vinhas que temos aqui têm mais de 80 anos", diz Achaval.

Foi no final de 1998, porém, que os amigos deram o passo decisivo para entrar para a elite do vinho mundial. Enquanto perambulava por Mendoza, Cipresso encontrou um terreno abandonado com videiras malcuidadas e soterradas num amontoado de lixo. Mesmo com o cenário desolador, o italiano decidiu provar as uvas do cacho. Quase caiu para trás. Imediatamente, ligou para seu amigo Achaval, que estava em Córdoba. "Temos de comprar essa vinha imediatamente", disse ele. "Ela produz as melhores uvas que já provei." Achaval, que àquela altura já tinha exaurido todas as suas reservas financeiras (ele foi o principal financiador do projeto), acabou dando o sinal verde. "Tive de confiar inteiramente nele", diz. A Finca Altamira desde então produz apenas vinhos acima de 90 pontos. "Até aquelas uvas maltratadas geraram bom vinho", afirma.

AJUDA DE FORA
A proliferação de vinhos chilenos e argentinos de boa qualidade é, em grande parte, resultado da associação entre produtores locais e estrangeiros. Entre as décadas de 80 e 90, esses dois países receberam uma enxurrada de investimentos provenientes sobretudo de vinícolas européias. O clima da região -- com forte oscilação de temperatura durante o dia e escassez de chuvas -- tornou o setor atraente ao capital europeu, interessado na produção de vinhos de bom custo-benefício. Na Argentina, a paridade cambial viabilizou pesados investimentos em tecnologia e desenvolvimento de novas cepas. Estima-se que, no total, o país tenha recebido mais de 1 bilhão de dólares em investimentos somente no setor vinícola. No caso da Achaval Ferrer e da Concha y Toro, os europeus não entraram com dinheiro, mas com experiência. Os chilenos fizeram, em 1997, uma parceria com a tradicional vinícola francesa Baron Philippe de Rothschild (que produz o lendário Château Lafitte-Rotschild) e, com isso, inauguraram uma nova fase na produção de vinhos na América do Sul. O fruto dessa associação é o Almaviva -- outro distinto representante do grupo dos melhores vinhos do continente.

Achaval Ferrer
Ano de fundação
1998
Faturamento em 2005
1,5 milhão de dólares
Produção anual
160 000 garrafas
Quantos rótulos produz
5
Aposta
Vinhos de alta qualidade
Melhor vinho
Finca Altamira 2003 (96 pontos na Wine Spectator)
Importadora
Enoteca Fasano
Preço
300 reais
Concha y Toro
Ano de fundação
1883
Faturamento em 2005
393 milhões de dólares
Produção anual
200 milhões de garrafas
Quantos rótulos produz
9
Aposta
Vinhos em diferentes faixas de preço
Melhor vinho
Don Melchor 2003 (96 pontos na Wine Spectator)
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