Empreendedores desejosos de aproveitar a oportunidade de ganhar dinheiro com maconha estão descobrindo que não é tão simples – e a história serve de lição a quem deseja apostar nesse mercado no Brasil (Bloomberg Businessweek/BLOOMBERG BUSINESSWEEK)
Da Redação
Publicado em 14 de outubro de 2021 às 06h00.
Última atualização em 18 de outubro de 2021 às 11h05.
A ideia do governo de Ontário parece simples: incentivar investidores a comprar boas terras e cultivar cannabis ao sol, repletas de compostos para deixar o usuário chapado, tratar doenças e embalar um suvenir aromático. Em seguida, permitir que abram seus portões, oferecendo aos turistas uma experiência semelhante às vinícolas do mundo inteiro.
Empreendedores desejosos de aproveitar a oportunidade estão descobrindo que não é tão simples.
A legislação que entrou em vigor em 2019 permitindo vendas diretas de fazendas é restritiva, complicada e esses projetos são ainda mais complicados pelos inúmeros regulamentos que controlam a indústria da cannabis no Canadá nos níveis municipal, provincial e federal.
A J.P. Mariwell, empresa que cultiva maconha e tenta construir um negócio de turismo, imagina os visitantes passeando por suas imensas plantações, com milhares de vasos de plantas e um guia exaltando os benefícios para a saúde das inúmeras variedades. A empresa gostaria de oferecer parte de sua colheita de maconha para venda no local, bem como esferas de banho e bebidas de outros produtores locais na bucólica região às margens do Lago Erie. O mestre cultivador da Mariwell imagina um café, com um menu exibindo seus mais espetaculares espécimes.
A maior parte desse projeto provavelmente ficará apenas como um sonho. Os regulamentos exigem que as vitrines da Mariwell sejam fechadas para que menores de idade não possam ver o que há lá dentro. Passeios nos campos não são permitidos sob regras criadas para evitar contaminação. E nem pensar em uma sala de degustação nos moldes das vinícolas das redondezas: não é permitido o consumo de cannabis no local. A própria equipe nem consegue provar o produto que cultivam. “Eu só queria que os clientes pudessem tocá-la ou cheirá-la”, diz Theresa Robert, presidente da empresa e principal investidora.
Como muitas operações de maconha autorizadas no Canadá, onde a indústria da maconha está florescendo, a Mariwell está procurando vender suas variedades meticulosamente criadas para uso medicinal e recreativo. Uma operação de turismo seria um fluxo de receita auxiliar bem-vindo. A Mariwell está otimista sobre ter seu primeiro lucro este ano — com cerca de 5.000 plantas de bom crescimento — e vendas brutas de cerca de 10 milhões de dólares canadenses (US$ 7.8 milhões).
A empresa levantou C$ 5 milhões, que gastou em terras, equipamentos, sementes, cercas e segurança — investimento inicial necessário antes que a Mariwell pudesse obter a licença para vender nas lojas, e ainda não há garantia de que o distribuidor autorizado pela província permitirá o armazenamento dos produtos. Vender em uma loja de fazenda exigiria então uma nova rodada de licenciamento. “É preciso colocar uma muito dinheiro no negócio na esperança de que seja aprovado”, diz Theresa.
A Sensi Brands abriu sua loja de fazenda em um vagão de trem em St. Thomas, Ontário, na semana passada. A empresa equipou as pequenas janelas do vagão com vidros unidirecionais para cumprir as regras que proíbem a exposição do interior. “Nós criamos uma experiência muito legal porque nossa marca é a Station House '', diz Tony Giorgi, CEO da Sensi.
A Station House é apenas um dos três pontos de venda de maconha — o que a província chama de lojas de “fazenda” — que abriram desde que a legislação foi aprovada. O morno interesse pelo negócio decorre das onerosas regras, já que investidores não desejam transpor tantos obstáculos, diz Trina Fraser, sócia da Brazeau Seller Law. “Tive vários clientes que disseram: ‘Não pensamos em criar uma loja de fazenda, não vamos fazer isso’”, diz ela.
As lojas de fazenda estão sujeitas às mesmas regras que todas as lojas de varejo de cannabis da província, diz Daffyd Roderick, porta-voz da Ontario Cannabis Store, o distribuidor estatal da província. OCS continuará a monitorar o sucesso do modelo de loja de fazenda e avaliar se futuras modificações serão necessárias.'
Embora Ontário tenha sido a primeira província a permitir lojas no local, New Brunswick, na costa do Atlântico, lançou recentemente um programa semelhante, e a Colúmbia Britânica, na costa do Pacífico, está desenvolvendo um plano.
George Smitherman, CEO do Conselho Canadense da Cannabis, grupo de lobby da indústria, diz que o turismo da maconha se expandirá à medida que os produtores encontrarem maneiras criativas de atrair os visitantes. Ele prevê que os consumidores encontrarão soluções alternativas para as restrições de consumo, como compradores que levam suas compras para parques próximos. “Há tantas pessoas criativas, corajosas e destemidas”, diz ele. “Esses são empreendedores radicais.”
O mestre cultivador da Mariwell, Brendon Ditmar, é tão radical quanto alguém consegue ser. Usuário recreativo de longa data (sua primeira experiência adolescente com cannabis foi uma variedade com gosto de refrigerante de uva. Ditmar tem o vocabulário de um botânico e a alma de um vinicultor. Sua maconha tem nomes como Orvalho da Frísia e Três Queijos. O Bolo de Abacaxi Invertido vai ser um sucesso, diz ele, apontando para uma fileira de plantas de sessenta centímetros de altura.
“Estou trabalhando agora em alguns sabores de creme de amendoim”, diz Ditmar. “Um conhecedor de vinhos se sentiria exatamente da mesma maneira que eu. Quando se vê essas características únicas tem-se o desejo de destacá-las, apresentar aquele perfil único”.
Por enquanto, os apreciadores de maconha que quiserem conferir o trabalho de Ditmar terão que se contentar com um tour virtual pelo site da Mariwell, que se orgulha de sua maconha com aroma de frutas tropicais e notas de chocolate, a localização da fazenda e uma panorâmica exibição de todas as suas variedades.
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