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Jegue de aço

Seguindo sua vocação para o nicho de automóveis off-road, a Troller quer crescer vendendo jipes e picapes para o mercado corporativo

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

Quem não tem cão caça com gato. Por absoluta falta de dinheiro, durante muitos anos a Troller Veículos Especiais, do Ceará, seguiu esse dito popular. Sem condições de manter um campo de provas, a pequena fábrica de jipes 4x4 testava seus veículos na mata e nas praias cearenses tendo como pilotos clientes fanáticos que não se incomodavam em trocar os momentos de folga por batidas de frente em árvores ou corridas desembestadas pelo meio do mato. Numa dessas ocasiões, em 2001, um desses clientes camicases, o industrial cearense Haroldo Cipião, experimentava a resistência de um novo eixo. Para assistir às provas, Cipião levou um amigo: o tricampeão do mundo Nelson Piquet. Cipião subiu no jipe e, diante de um barranco de areia com 1,5 metro de altura, gritou: "Vou subir nessa barreira". Piquet duvidou. O empresário engrenou a primeira, acelerou e bateu no barranco. Nada. Repetiu uma segunda vez, uma terceira. Nada. Na quarta, a barreira começou a ceder, enquanto o jipe mostrava uma resistência de jegue nordestino. Na sexta tentativa, uma das rodas dianteiras se apoiou numa fenda cavada pelas batidas anteriores e o veículo subiu. "Eu não disse?", gritou ele, lá de cima. Depois disso, Piquet comprou um Troller também.

Os tempos de improvisação ficaram para trás. No ano passado, a Troller assinou um contrato com a T-Systems do Brasil, subsidiária da provedora de serviços de tecnologia da informação e engenharia alemã Debis Systemhause. Agora, os testes são feitos em computadores avançadíssimos numa salinha na alameda Campinas, em São Paulo, onde funciona um poderoso laboratório de realidade virtual. Mas façanhas como a de Cipião continuam sendo comuns nas conversas entre os membros de uma nova confraria: a dos troleiros. Os proprietários dos jipes Troller formam uma tribo que não pára de crescer. No ano passado eles fizeram a empresa colher um faturamento de 76,8 milhões de reais, oito vezes o obtido em 1999.

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Esse pessoal passou a prestar atenção nos modelos da Troller, principalmente depois do rali Paris Dacar de 2001, quando o carro cearense foi vice-campeão da prova. O desempenho no Paris Dacar foi o ponto alto de uma estratégia de marketing. "Precisávamos aparecer, mas, como não tínhamos muito dinheiro para publicidade, usamos as competições para passar a imagem de uma marca forte e resistente", diz o dono da montadora, Mário Araripe, um cearense de 48 anos formado em engenharia mecânica pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), e com pós-graduação em administração pela Universidade Harvard. As estatísticas consultadas por Araripe mostravam que apenas 25% dos carros inscritos chegavam ao final. "Mandamos quatro jipes para que pelo menos um deles terminasse a corrida", afirma. "Queríamos saber quantos dias os carros iriam agüentar. Foi uma grande surpresa para nós quando todos eles cruzaram a faixa de chegada, inteiros."

Hoje, existem cerca de 2 200 Trollers passeando pelo país. Para concorrer com outras marcas, a montadora não oferece apenas preços relativamente baixos -- o Troller mais barato está na faixa de 50 000 reais, metade do que se tem de desembolsar pelas boas marcas da categoria. Cinco dias depois de fechar uma venda, Clécio Elói, diretor de negócios da Troller, telefona para o cliente para saber suas impressões. As concessionárias constantemente promovem passeios e a fábrica instituiu o rali Copa Troller como forma de oferecer lazer e aventura aos troleiros. A fábrica se alimenta desse relacionamento. "Muito do desenvolvimento da Troller vem de uma inteligência formada pelos nossos compradores", diz Araripe. Em função de sugestões da clientela, o jipe sofreu diversas alterações. A posição do estepe mudou, a textura do material usado no porta-luvas também e a blindagem dos faróis foi reforçada.

A Troller nasceu em 1994 do sonho dos irmãos cearenses Rogério e Bill Farias. Ela quase morreu em 1997, quando o fôlego para investimento dos Farias acabou. Araripe, um empresário local que atuara na construção civil e era proprietário da fiação Têxtil União, no Ceará, e da tecelagem Valença Industrial, na Bahia, imaginou que pagar 600 000 reais pela fabriqueta podia se revelar um bom negócio. Ele não tinha nenhuma paixão pela coisa. Até hoje, o dono da Troller não é um troleiro. Aliás, ele quer distância das trilhas lamacentas que fazem a cabeça de seus clientes. "Gosto mesmo é de ficar sossegado com a família", diz Araripe. Nessas horas, ele aproveita a companhia de seus quatro filhos (dois adolescentes e dois universitários) e de sua mulher, Mônica, em sua casa, em Fortaleza.

Convencido de sua experiência zero no ramo, Araripe procurou os antigos sócios da Puma e o empresário João Augusto Conrado do Amaral, da Gurgel, duas montadoras nacionais que acabaram se revelando inviáveis e tiveram de fechar. "Não queria repetir os mesmos erros", diz. Deles, ouviu um conselho: fazer tudo com calma, passo a passo, sem buscar resultados imediatos -- orientação que vem sendo seguida com êxito, pois até agora a Troller não deu um centavo de lucro. Dessas conversas, ficou claro para Araripe que a Troller não deveria, em hipótese alguma, tentar concorrer com as multinacionais instaladas no Brasil. "Entendi que o caminho deveria ser: escolher um nicho, me especializar num produto e fazê-lo bem feito", afirma Araripe.

No ano passado, o nicho-alvo da Troller foi formado por quase 20 000 jipes, um número ainda bem distante da sua capacidade produtiva. Instalada no município de Horizonte, a 40 quilômetros de Fortaleza, a Troller funciona num galpão de 7 300 metros quadrados e produz apenas cinco carros por dia, construídos quase que artesanalmente pelos seus 325 funcionários. A meta é chegar ao fim de 2003 com uma produção de 1 200 veículos. "Temos nosso próprio design, mas usamos com ponentes desenvolvidos para as outras montadoras", afirma o engenheiro Urias Novaes, diretor de produção da Troller. A máquina do vidro automático, por exemplo, é a do Gol. "Se o dono de um Troller estiver no Pantanal e der um problema no vidro elétrico, basta ir a uma concessionária da Volks para resolver o problema", diz Novaes. Assim, quando alguém compra um jipe Troller, leva junto um manual com códigos Troller e outro com códigos Volks, GM e Fiat. Segundo Novaes, essa "frankensteinização" é uma das vantagens competitivas do produto, pois facilita a manutenção.

A manutenção foi justamente um dos motivos que levaram a Polícia Militar de Minas Gerais a comprar 13 jipes Troller para equipar os postos da PM na região metropolitana de Belo Horizonte. "Precisávamos de veículos robustos para trafegar em condições de difícil acesso, já que os caminhos que existem nas favelas são quase trilhas", diz o coronel Ricard Gontijo, diretor de apoio logístico da PM de Minas Gerais. "O pós-venda pesou na escolha, pois, como o jipe é todo nacionalizado e o carro é simples, qualquer mecânico de bodega do interior conserta." Seguindo um raciocínio semelhante, a Polícia Federal adquiriu 15 Troller para o patrulhamento das fronteiras na região Norte.

Aquisições desse tipo fizeram Araripe acordar para a possibilidade estratégica de desenvolver veículos especiais para empresas. Um modelo especial foi produzido para ser usado no interior de minas subterrâneas da Companhia Vale do Rio Doce, onde o altíssimo grau de salinidade do ambiente deteriorava rapidamente os veículos da frota. "Compramos dois, que estão resistindo bem às condições difíceis do subsolo, e estamos estudando a aquisição de mais oito", afirma André de Oliveira Sena, gerente de suprimentos de consolidação estratégica da Vale.

Desde julho, o Exército vem testando no campo de provas de Marambaia, no Rio de Janeiro, o jipe militar lançado pela Troller durante a Latin America Defentech, a feira militar realizada no Rio de Janeiro em abril deste ano.

"Estamos apostando muito no mercado de veículos especiais", diz Elói. "Só o Exército brasileiro detém uma frota inteira que precisa ser renovada." Hoje as vendas corporativas não chegam a 5% das receitas da empresa, mas a Troller acredita muito no potencial desse mercado. "Achamos que até 2005 metade de nosso faturamento virá de vendas para empresas", diz Elói.

Para obter um crescimento tão rápido a empresa vai desenvolver novos produtos: uma picape militar e um 4x4 blindado para combate. O primeiro cliente deve ser o Exército brasileiro. Antes mesmo de esses carros serem aprovados, a Troller já recebeu consultas de exércitos de vários países, como Chile, Venezuela, Egito, Arábia Saudita e Israel. Uma nova picape tem previsão de lançamento para o próximo ano. Cerca de 5 milhões de reais foram gastos no desenvolvimento desse projeto. "Ela foi concebida para ocupar o lugar da Toyota Bandeirante, que deixou de ser produzida em 2001", diz Araripe. Para o consultor Edgard Viana, diretor da A.T. Kearney especializado em indústria automobilística, ficar focado num nicho faz sentido. "A Troller não tem a pretensão de ser grande nem de ficar criando linhas de produtos diferentes", diz Viana. "E, usando componentes que já estão no mercado, o risco e os investimentos caem muito."

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