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Japão: desculpa é esporte nacional

O exemplo da empreiteira Andrade Gutierrez mostra que os benefícios do pedido de desculpas podem ser enorme. Por que, então, as empresas não fazem mais pedidos de desculpas? Um dos problemas é a percepção de que uma admissão de responsabilidade pode dar base a ações penais. Isso é, de fato, um risco, mas um bom […]

AKAGI NYUGYO: a empresa japonesa pediu desculpas por aumentar o preço do picolé após 25 anos / Reprodução

AKAGI NYUGYO: a empresa japonesa pediu desculpas por aumentar o preço do picolé após 25 anos / Reprodução

DR

Da Redação

Publicado em 16 de maio de 2016 às 12h30.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h08.

O exemplo da empreiteira Andrade Gutierrez mostra que os benefícios do pedido de desculpas podem ser enorme. Por que, então, as empresas não fazem mais pedidos de desculpas? Um dos problemas é a percepção de que uma admissão de responsabilidade pode dar base a ações penais. Isso é, de fato, um risco, mas um bom pedido de desculpas pode mitigar as chances de processo, em vez de aumentá-las. Durante anos, médicos eram aconselhados a não pedir desculpas por erros que tivessem provocado danos ou mesmo a morte de pacientes, para não sujeitar o hospital ou clínica ao risco de processo. Estudos recentes mostraram, no entanto, que em hospitais que incentivaram os pedidos de desculpas o número de processo caiu, conforme artigo na edição de setembro da Harvard Business Review.

Outra questão é que o pedido de desculpas é desconfortável. Às vezes, extremamente desconfortável. Por isso, é comum que ele demore. Tome-se o exemplo da Samarco. O rompimento da barragem de rejeitos do Fundão, em Mariana, Minas Gerais, deixou pelo menos 18 mortos e despejou lama no rio Doce, provocando o maior desastre ambiental da história brasileira, em novembro de 2015. O então presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, levou 17 dias para pedir desculpas, em uma entrevista no programa de TV Fantástico – depois que seu diretor de operações, numa declaração desastrada, disse que “não era o caso de desculpas, era o caso de entender o que aconteceu”. Em janeiro, ambos deixaram os cargos para se dedicar à sua defesa nos processos de crime ambiental movidos contra eles e a empresa.

A demora, em casos assim, é um erro. Especialistas afirmam que, mesmo quando ainda não se tem todos os dados em mãos, é preciso fazer algum tipo de pronunciamento, por mais genérico que seja. Entretanto, vale o ditado “antes tarde do que nunca”. A companhia de moda Hugo Boss, pediu desculpas apenas em 2011 por sua ligação com o governo nazista. Durante a Segunda Guerra, assim como várias empresas alemãs, a Boss usou trabalho forçado de perseguidos pelo regime.

“É crucial que o pedido de desculpas seja feito assim que a crise surge”, diz Takayuki Asami, um advogado especializado em gestão de crise, citado pelo Japan Times. “Talvez isso seja uma coisa japonesa, mas pedir desculpas é como um samurai vestir-se de branco antes de cometer o suicídio ritual do sepukku. Simboliza apresentar-se limpo, sem esconder nada.”

O Japão é o país onde o pedido de desculpas de empresas se tornou quase um esporte nacional. Há inúmeros livros ensinando como fazê-lo. O processo todo tem um nome específico: Hansei, algo como busca interior, ou reflexão da alma. Há quem diga, porém, que o Hansei nada mais é que um teatro Kabuki (a arte japonesa das máscaras). “É um ritual”, diz Robert Whiting, autor de vários livros sobre a cultura japonesa. “O executivo faz uma reverência profunda para pedir perdão e às vezes renuncia, mas depois volta à empresa, quando o interesse da mídia sossegar e o preço das ações voltar a subir.”

Em 2014, Yoshiki Sasai, vice-diretor de um centro de biologia no Japão, se enforcou, após ter pedido desculpas públicas quando descobriram problemas em artigos científicos em que ele tinha co-autoria. Em 1989, um dia depois de o então primeiro-ministro Noboru Takeshita renunciar, ante acusações de receber propina, seu secretário Ihei Aoki se matou. Em 2007, um ministro da agricultura se enforcou, após ser acusado de desvio de dinheiro público.

A tendência a se desculpar pode chegar a níveis ridículos. Em 2012, quando um funcionário da companhia de trens de Kyoto cochilou e a estação abriu com 15 minutos de atraso, a companhia fez um comunicado em seu site explicando-se e dizendo que o empregado receberia treinamento disciplinar para que o incidente não voltasse a ocorrer. Em abril deste ano, a fabricante de picolés Akagi Nyugyo publicou um vídeo com seus executivos pedindo desculpas pelo primeiro aumento de preços em 25 anos.

Mas não faria nada mal se, confrontados com situações de crise, os líderes brasileiros usassem um pouco mais de “Hansei”, um pouco menos de “não sei”.

(David Cohen)

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