Fusão no varejo entre gigantes preocupa agroindústria
Representantes de fornecedores de leite longa vida, trigo, carne bovina e café torrado e moído consideram que a alta concentração do varejo é negativa em termos de negociação
Da Redação
Publicado em 29 de junho de 2011 às 17h59.
São Paulo - Setores agroindustriais estão preocupados com a possível fusão entre o Grupo Pão de Açúcar e a operação brasileira do Carrefour. Representantes de fornecedores de leite longa vida, trigo, carne bovina e café torrado e moído consideram que a alta concentração do varejo é negativa em termos de negociação, por causa da perda do poder de barganha. Também pode ser ruim para o consumidor final, na avaliação desses setores, pois a concentração nem sempre representa preços mais baixos nas prateleiras dos supermercados.
De acordo com dados da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), a mercearia seca (cereais, farináceos, grãos, etc) representa a principal seção em termos de faturamento, com 23,4% do total em 2010. Os perecíveis (frios, laticínios, congelados) estão na sequência, com 13,8% de importância. Com análise separada dos demais perecíveis, o açougue teve 7,6% de participação e a seção de frutas, legumes e verduras ficou com 6,1% de representatividade. Outra área de peso para o setor foi a mercearia líquida, com participação de 12,2%.
O diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), Nathan Herszkowicz, disse que a concentração no setor varejista é sempre danosa para os fornecedores, de maneira geral, e não deve ser diferente no caso da negociação de fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour no Brasil. Os varejistas aumentam seu "poder de negociação, o que pode significar pressão sobre os preços, contratos comerciais que se tornam difíceis de serem cumpridos pelo fornecedor, entre outros. Pior: esse tipo de movimento não significa que os preços dos produtos vão baixar ao consumidor", disse.
Nathan considera, no entanto, que o movimento é inevitável por causa da forte concorrência no varejo. "O que se teme é o efeito de desigualdade de negociação, fazendo com que pequenas e médias empresas principalmente se tornem inviáveis como fornecedoras para as grandes redes", acrescentou. Conforme dados da Abic, os supermercados são o principal canal de distribuição do café, representando cerca de 70% de todo o produto vendido no País. Em 2010, o consumo de café no Brasil alcançou cerca de 19 milhões de sacas de 60 kg.
O diretor executivo explicou que a negociação hoje com as redes varejistas já é muito complicada. "Os contratos apresentam diversos níveis de exigências, que muitas vezes o fornecedor não tem condições de arcar", garantiu. Ele citou, por exemplo, descontos impositivos, menor preço em comparação com a concorrência e o chamado 'enxoval', que são mercadorias gratuitas para inauguração de novas lojas.
Pequenas
Segundo Nathan, essa situação dificulta a participação de pequenas e médias empresas no grande varejo. "Hoje o número de marcas de café já é muito pequeno, cerca de 5 ou 6, nas grandes redes supermercadistas. Tempos atrás havia mais marcas, inclusive regionais, mas ocorreu uma seleção de fornecedores", concluiu.
De acordo com dados da Abras, o grupo das 50 maiores empresas do setor foi responsável pelo faturamento de R$ 128,8 bilhões em 2010. Juntas, somaram 6.041 mil lojas e empregaram cerca de 500 mil pessoas. O grupo das 50 maiores saltou de uma representatividade de 60% em 2009 para 64% no faturamento do setor em 2010.
Lácteos
A concentração também preocupa o segmento de lácteos, uma das cinco categorias mais vendidas nas redes do varejo de alimentos, considerou Nilson Muniz, diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Leite Longa Vida (ABLV). "A indústria é penalizada. O processo beneficia mais o lado que está concentrado e gera uma relação desigual", afirmou. Toda a cadeia será pressionada, diz. "O comércio é o elo de ligação entre o produtor e o consumidor. E, no caso do leite, isso atinge mais diretamente o produtor. Não há milagres".
A entidade também vê com preocupação a possibilidade de ampliação das marcas próprias de leite da rede resultante da fusão. "Isso inibe a inovação, desenvolvimento de novos produtos", opina. De acordo com dados da entidade, a produção de longa vida deverá alcançar 5,7 bilhões de litros em 2011, com faturamento de R$ 10 bilhões. As redes de supermercados são o principal canal de vendas do segmento.
Trigo
Para um executivo do setor moageiro, se hoje a indústria de farinha de trigo já arca com custos expressivos para colocar seu produto em destaque nos supermercados, ou tê-lo em iguais condições entre as demais marcas, a prática ficará ainda mais onerosa com a junção dos dois grandes varejistas. Nas palavras desse empresário, a economia perde com o que chamou de "ditadura do varejo", pois são os pequenos e médios comerciantes - os que mais contratam mão-de-obra - os maiores prejudicados pela concentração, já que terão dificuldade para negociar.
Além da indústria, também o consumidor será prejudicado, disse a fonte, considerando que em algumas regiões a concorrência entre as duas empresas, que hoje faz diferença no preço, deixará de existir. Para o executivo, outra discrepância é a participação do BNDES na operação. "Por que o uso de dinheiro público nesta transação?", questionou.
No setor de carnes a apreensão é a mesma. "Estou preocupado há muito tempo com a concentração no varejo. É ruim para o consumidor e para as diversas cadeias do agronegócio", disse o presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), Péricles Salazar. Para ele, as margens do varejo vão ficar ainda maiores do que já estão. Já o superintendente da Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), Luciano Vacari, considerou que processos de concentração são irreversíveis, mas ressaltou a importância de haver regras que protejam o consumidor.
Uma pesquisa realizada pela Acrimat, junto com o Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea), mostrou que, nos últimos cinco anos, enquanto a arroba do boi gordo se valorizou 85%, as peças comercializadas no varejo aumentaram 142%. "Alguém precisa ficar de olho nisso", alertou Vacari.
Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs), Pedro de Camargo Neto, a fusão não faz sentido. "Acho absurda essa concentração no varejo e ainda mais com a ajuda do BNDES. Espero que os órgãos públicos responsáveis por avaliar a operação ajam olhando o impacto sobre a agroindústria e o consumidor. Ainda não entendi a lógica da fusão", declarou.
O executivo de uma grande fabricante de bebidas, que preferiu não se identificar, declarou que "toda concentração no varejo é ruim para o setor industrial. Podemos perder nosso poder de negociação". "Mas vamos esperar o que vai acontecer, porque ainda há a briga entre os acionistas do Pão de Açúcar", completou.
São Paulo - Setores agroindustriais estão preocupados com a possível fusão entre o Grupo Pão de Açúcar e a operação brasileira do Carrefour. Representantes de fornecedores de leite longa vida, trigo, carne bovina e café torrado e moído consideram que a alta concentração do varejo é negativa em termos de negociação, por causa da perda do poder de barganha. Também pode ser ruim para o consumidor final, na avaliação desses setores, pois a concentração nem sempre representa preços mais baixos nas prateleiras dos supermercados.
De acordo com dados da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), a mercearia seca (cereais, farináceos, grãos, etc) representa a principal seção em termos de faturamento, com 23,4% do total em 2010. Os perecíveis (frios, laticínios, congelados) estão na sequência, com 13,8% de importância. Com análise separada dos demais perecíveis, o açougue teve 7,6% de participação e a seção de frutas, legumes e verduras ficou com 6,1% de representatividade. Outra área de peso para o setor foi a mercearia líquida, com participação de 12,2%.
O diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), Nathan Herszkowicz, disse que a concentração no setor varejista é sempre danosa para os fornecedores, de maneira geral, e não deve ser diferente no caso da negociação de fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour no Brasil. Os varejistas aumentam seu "poder de negociação, o que pode significar pressão sobre os preços, contratos comerciais que se tornam difíceis de serem cumpridos pelo fornecedor, entre outros. Pior: esse tipo de movimento não significa que os preços dos produtos vão baixar ao consumidor", disse.
Nathan considera, no entanto, que o movimento é inevitável por causa da forte concorrência no varejo. "O que se teme é o efeito de desigualdade de negociação, fazendo com que pequenas e médias empresas principalmente se tornem inviáveis como fornecedoras para as grandes redes", acrescentou. Conforme dados da Abic, os supermercados são o principal canal de distribuição do café, representando cerca de 70% de todo o produto vendido no País. Em 2010, o consumo de café no Brasil alcançou cerca de 19 milhões de sacas de 60 kg.
O diretor executivo explicou que a negociação hoje com as redes varejistas já é muito complicada. "Os contratos apresentam diversos níveis de exigências, que muitas vezes o fornecedor não tem condições de arcar", garantiu. Ele citou, por exemplo, descontos impositivos, menor preço em comparação com a concorrência e o chamado 'enxoval', que são mercadorias gratuitas para inauguração de novas lojas.
Pequenas
Segundo Nathan, essa situação dificulta a participação de pequenas e médias empresas no grande varejo. "Hoje o número de marcas de café já é muito pequeno, cerca de 5 ou 6, nas grandes redes supermercadistas. Tempos atrás havia mais marcas, inclusive regionais, mas ocorreu uma seleção de fornecedores", concluiu.
De acordo com dados da Abras, o grupo das 50 maiores empresas do setor foi responsável pelo faturamento de R$ 128,8 bilhões em 2010. Juntas, somaram 6.041 mil lojas e empregaram cerca de 500 mil pessoas. O grupo das 50 maiores saltou de uma representatividade de 60% em 2009 para 64% no faturamento do setor em 2010.
Lácteos
A concentração também preocupa o segmento de lácteos, uma das cinco categorias mais vendidas nas redes do varejo de alimentos, considerou Nilson Muniz, diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Leite Longa Vida (ABLV). "A indústria é penalizada. O processo beneficia mais o lado que está concentrado e gera uma relação desigual", afirmou. Toda a cadeia será pressionada, diz. "O comércio é o elo de ligação entre o produtor e o consumidor. E, no caso do leite, isso atinge mais diretamente o produtor. Não há milagres".
A entidade também vê com preocupação a possibilidade de ampliação das marcas próprias de leite da rede resultante da fusão. "Isso inibe a inovação, desenvolvimento de novos produtos", opina. De acordo com dados da entidade, a produção de longa vida deverá alcançar 5,7 bilhões de litros em 2011, com faturamento de R$ 10 bilhões. As redes de supermercados são o principal canal de vendas do segmento.
Trigo
Para um executivo do setor moageiro, se hoje a indústria de farinha de trigo já arca com custos expressivos para colocar seu produto em destaque nos supermercados, ou tê-lo em iguais condições entre as demais marcas, a prática ficará ainda mais onerosa com a junção dos dois grandes varejistas. Nas palavras desse empresário, a economia perde com o que chamou de "ditadura do varejo", pois são os pequenos e médios comerciantes - os que mais contratam mão-de-obra - os maiores prejudicados pela concentração, já que terão dificuldade para negociar.
Além da indústria, também o consumidor será prejudicado, disse a fonte, considerando que em algumas regiões a concorrência entre as duas empresas, que hoje faz diferença no preço, deixará de existir. Para o executivo, outra discrepância é a participação do BNDES na operação. "Por que o uso de dinheiro público nesta transação?", questionou.
No setor de carnes a apreensão é a mesma. "Estou preocupado há muito tempo com a concentração no varejo. É ruim para o consumidor e para as diversas cadeias do agronegócio", disse o presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), Péricles Salazar. Para ele, as margens do varejo vão ficar ainda maiores do que já estão. Já o superintendente da Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), Luciano Vacari, considerou que processos de concentração são irreversíveis, mas ressaltou a importância de haver regras que protejam o consumidor.
Uma pesquisa realizada pela Acrimat, junto com o Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea), mostrou que, nos últimos cinco anos, enquanto a arroba do boi gordo se valorizou 85%, as peças comercializadas no varejo aumentaram 142%. "Alguém precisa ficar de olho nisso", alertou Vacari.
Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs), Pedro de Camargo Neto, a fusão não faz sentido. "Acho absurda essa concentração no varejo e ainda mais com a ajuda do BNDES. Espero que os órgãos públicos responsáveis por avaliar a operação ajam olhando o impacto sobre a agroindústria e o consumidor. Ainda não entendi a lógica da fusão", declarou.
O executivo de uma grande fabricante de bebidas, que preferiu não se identificar, declarou que "toda concentração no varejo é ruim para o setor industrial. Podemos perder nosso poder de negociação". "Mas vamos esperar o que vai acontecer, porque ainda há a briga entre os acionistas do Pão de Açúcar", completou.