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Ex-mascate, presidente da Videolar conta que "fez muamba" para sobreviver

Lírio Parisotto queria só encontrar um jeito de fugir da vida na roça gaúcha, onde nasceu, mas acabou se transformando em dono de uma empresa bilionária

EXAME.com (EXAME.com)
DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h39.

A trajetória de vida do presidente da Videolar, Lírio Parisotto, é cheia de rupturas. Ele foi expulso do seminário, mudou-se de cidade várias vezes e trabalhou como mascate e vendedor de toca-fitas, época em que diz ter feito "muamba" de toca-fitas para sobreviver. Anos depois, abriu a empresa da qual é proprietário até hoje, uma fabricante de CDs e DVDs com faturamento de 1,4 bilhão de reais. Em entrevista ao repórter Gustavo Poloni, ele conta como encontrou sua vocação e seu sucesso profissional.

- Onde o senhor nasceu?

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Nova Bassano, uma cidade na serra e fica perto de Caxias do Sul. Tem 10 000 habitantes. É mais ou menos a quantidade de gente que eu emprego.

- O senhor fez cursos?

Fiz alguns cursos no colégio Marister, em Brasília. O colégio cedia salas para o pessoal fazer o curso. Eu estava por aí, né? Tudo o que aparecia lá eu fazia: desenho arquitetônico, contabilidade.

- Quantos anos o senhor tinha quando foi para Brasília?

Fui para o seminário dos 13 aos 18, fiquei um ano na roça e em Brasília eu tinha 20, 21.

- Em Nova Bassano o senhor trabalhava?

Trabalhava. Mas nunca precisei ajudar na renda de casa. Nunca faltou comida em casa. Mas eles não tinham dinheiro para ter uma roupa melhor, um sapato bom. Não faltou o básico. Principalmente, o que não faltou foi formação e caráter. Aquela coisa bem família, ajudado com o seminário. Isso foi muito bom. A formação pelos padres carlistas, que são muito linha dura.

- É verdade que o senhor andava descalço para não gastar o sapato?

É verdade. Eu não tinha muitos sapatos. E também não me importava. Hoje se eu ando descalço em casa já dói a minha sola do pé. Na medida em que você começa a andar descalço você forma um cascão na sola do pé. Não entrava nem espinho. Era uma lixa, não esse pezinho liso que tenho hoje. Não fazia falta.

- O senhor guardava o sapato para ocasiões especiais?

Claro, o sapato era para domingo. Eu usava para ir para a missa, para ir ao baile. A gente tinha a roupa da roça e a roupa do domingo. Domingo era dia de ir para a capela, para a igreja.

- Em Brasília o senhor trabalhava?

Durante o dia, trabalhava na secretaria do colégio. E de noite eu estudava. Eu era auxiliar da secretaria: vendia uniforme, preenchia boletim, fazia cópia de provas com mimiógrafo. Era um colégio grande, com 5 000 alunos.

- E aí o senhor voltou para Nova Bassano?

De Brasília, meu tio foi ser diretor do colégio Nazaré, em Belém do Pará. Eu resolvi voltar para o Sul. Com esses cursos profissionalizantes que eu tinha feito comecei a ganhar um trocado fazendo declaração de imposto de renda para as pessoas.

- Quantos cursos o senhor fez em Brasília?

Diversos, mais de dez. Como era de graça, fazia o que aparecia. Eu tinha vontade de aprender. Sempre fui uma pessoa curiosa. As minhas principais características são teimosia e curiosidade. Teimosia em não desistir. Curiosidade de querer saber, de querer aprender, pedir. Quando quero saber de um assunto, vou lá e aprendo. Em Nova Bassano tinha um frigorífico de médio porte que estava precisando de um encarregado para o departamento de recursos humanos. Como eu tinha feito um curso de legislação trabalhista e sindicalista em Brasília eu me credenciei e fui admitido. Aí fiquei em Nova Bassano, morei dois anos ali. Acabei o terceiro colegial em Nova Prata, que era uma cidade do lado. Depois fiquei fazendo pré-vestibular em Passo Fundo, uma cidade a 100 quilômetros, e aí eu fazia um frete com uma Kombi. Levava uma lotação inteira. Aproveitava para estudar e fazer um troco levando essa turminha.

- E o senhor nunca teve problemas por trabalhar e estudar?

Tive. Parece fácil, mas não é. Trabalhar durante o dia, dirigir, estudar e tal. Às vezes no meu emprego eu ia dormir. No frigorífico tinha um fiscal residente da Secretaria da Inspeção Federal que morava no frigorífico. Como éramos amigos eu ia na casa dele para dormir. Quando o diretor descobriu eu tomei um pé na bunda.

- O senhor foi mandado embora?

Fui mandado embora de todos os empregos que eu tive. Em Brasília eu fui mandado embora porque o meu tio foi embora e eles me demitiram. E do frigorífico. E aí teve uma história que fiz o concurso do Banco do Brasil e aí eu já queria ser médico. Me disseram para ir na cidade e pedir transferência depois de seis meses e você consegue mudar para a cidade onde tem a universidade. Cheguei lá e todos os funcionários estavam esperando a mudança. Pensei comigo: não sou mais bonito que ninguém, não tenho ninguém para me ajudar e fui embora. Essa foi a decisão mais difícil da minha vida e só faltou o pessoal me internar. Meus pais, o pessoal do meu convívio. Em Nova Bassano nem tinha Banco do Brasil, mas naquela época o funcionário do banco era elite total. Quase se equiparava ao médico. Tinha um salário bom, emprego garantido. Até hoje ter um emprego no Banco do Brasil não é ruim. Mesmo assim eu abandonei.

- Quanto tempo o senhor ficou lá?

Uma semana. Fui conhecer a cidade.

- Era longe de Nova Bassano?

Uns 150 quilômetros. Voltei para Porto Alegre.

- Foi a primeira vez que o senhor morou fora de casa?

Não. A primeira cidade do seminário era chamada Casca, a 30 quilômetros de casa. Era interno, só saia de lá no final do ano. Morei dois anos em Casca, depois Guaporé ainda no seminário. Lá você fazia o seguinte: primeiro e segundo ano era em Casca. Terceiro e quarto em Guaporé. O primeiro, segundo e terceiro colegial em Passo Fundo, onde morei dois anos até me mandarem embora. Quando saí do seminário voltei para roça e, de lá, escrevi uma carta (não tinha luz, telefone nem nada) para o meu tio em Brasília para ver se tinha alguma coisa para fazer.

- O senhor foi mandado embora do seminário?

Lógico. O pior é que o reitor era meu tio, que hoje é bispo em Foz do Iguaçu. Fui mandado embora porque eu era anarquista, era aquele cara que sempre gosta de aprontar. Armava cama para o cara cair quando fosse deitar à noite, depois que desligavam a luz do dormitório. De noite, enchia o pêndulo do sino que nos acordava de meia para ele não acordar. No final de semana, ia no galinheiro do padre, puxava o pescoço e ia para o mato com dois amigos para assar a bichinha. Uma vez tudo bem. Agora, duas ou três é demais. Fiquei no colégio até 71. Estava no segundo colegial quando fui mandado embora. Saí do seminário e fui para a roça, onde fiquei um ano. E depois fui para Brasília. Eu não tinha grana, né? Tinha que trabalhar. Meu pai e minha mãe não se recusaram, mas eu saí de casa sem nada. Saí do seminário e fui para a roça porque eu não tinha para onde ir e não tinha dinheiro. Aliás, para dizer que eu não tinha onde ir eu fui pedir emprego de garçom numa churrascaria em Nova Bassano. Não tinha vaga. Estava procurando qualquer coisa porque a vida na roça é muito dura. Fui para Brasília e voltei para Nova Bassano. Fiquei dois anos no frigorífico e fui demitido. Aí eu já tinha uma graninha: fazia transporte, já tinha um carro. Já estava formando um patrimônio. Tinha uma Kombi, um carro e uma televisão. Fui para Porto Alegre e fiquei um ano estudando como um cão. Todo vestibular que eu prestava eu era muito bom em algumas matérias, mas era um fiasco em ciências exatas. Não tive física e matemática no seminário. Agora, em inglês, história, geografia eu ia bem. Fiquei um ano só batendo em cima de matemática, química e física. Fazia cursinho no vestibular Mauá. Foi nessa época que eu comecei a fazer os meus mascates. Vendia toca-fita, tinha que vir para São Paulo buscar relógio para vender e aí eu já tinha um pouco mais de flexibilidade. Aí fiz vestibular para medicina e passei em segundo lugar. Mas foi um ano ralando dia e noite. Coloquei na cabeça que era melhor ralar um ano e resolver o resto da minha vida do que pegar mais leve e ficar o resto dos meus dias lascado. Até no sábado à noite eu estudava. Foi o ano que separei para ralar no estudo. Valeu a pena.

- Em que universidade o senhor passou?

Em Caxias do Sul. Fui para lá em 1976. Fazia o possível para pagar a faculdade, os livros e estar de bem com a vida. Era divertido. Acontece que sempre fui de natureza curiosa.

- O senhor estudava e continuava a fazer o mascate?

Nessa época, era muito difícil os carros virem equipados com toca-fitas. Tinha muita loja onde as pessoas instalavam equipamentos de som. Eu deixava o rádio, ele instalava, vendia e ia me pagando. Só que os donos da loja começaram a me dever dinheiro. O meu pequeno capital de giro começou a ficar comprometido porque eles me deviam 10, 15 toca-fitas. Acabava a faculdade, 5,6 da tarde e eu ia cobrar a dívida. Grana que é bom ele não tinha. Até que um dia ele me perguntou se eu não queria ficar com a loja dele. Eu pensei: que loja, que nada! Quero ser médico. Aquilo ali era para me sustentar. Como vi que não ia receber o que ele me devia, acabei ficando com a loja. A entrada foi o valor dos toca-fitas e o resto em 24 vezes. Veja bem: quando falamos de loja estamos falando de uma pequena instaladora de rádio com apenas dois funcionários. Além disso, fazia som ambiente.

- Esse foi o seu primeiro negócio?

Foi. Estava no quarto ano da faculdade e convidei um amigo, que era DJ, e pedi que ele cuidasse da loja. A essa altura eu já tinha viajado para os Estados Unidos, tinha visto filme. Em 1978, numa das viagens que fiz a Nova York, vi uma loja na região da Broadway, já tinha videocassete, alguns filmes de shows que estavam rolando na Broadway e uns gravadores de mesa onde você ligava a câmera e saía na rua para fazer imagens. Dava para rebobinar, gravar em cima. Eu que conhecia o Super 8, que gravava cinco minutos, tinha que revelar e não tinha áudio achei aquilo fantástico. Em Caxias, criei o primeiro videoclube em 1980. A gente alugou o imóvel do lado e ampliou. Colocamos som, televisão, videocassete e começamos a fazer uma coisa diferenciada. No fundo tinha o videoclube com um monte de fita pirata. Eu comecei com fita original, mas era fita americana. Eu trouxe duas malas cheias de fita lá dos Estados Unidos. Não tinha legenda, não tinha nada.

- E o que diferenciava o seu negócio dos demais?

Eu sempre defendo o diferencial competitivo. Quando você faz um negócio igual a todo o mundo é difícil. Mas se você achar um diferencial competitivo faz toda a diferença. Ao invés de continuar instalando som, coloquei uma oficina de assistência técnica do aparelho usado que a gente recebia em troca do novo. Hoje isso não funcionaria porque os preços caíram muito. Em 1984, uma TV de 20 polegadas custava 1 000 dólares. Se reajustar esse valor, a TV custava 2 000 dólares. Hoje você compra por 10% desse valor. Na época, muita gente queria trocar o usado pelo novo. Com uma assistência técnica, a gente dava uma garantia para a TV usada e trocava usado pelo novo. Isso as grandes lojas não faziam.

- Da onde o senhor trazia o equipamento?

Aí já era loja. A gente comprava da Sony, da Philco, da Gradiente. Já tinha abandonado a muamba de toca-fitas.

- Como surgiu a Videolar?

Vamos lembrar que eu ainda estou na faculdade, no quarto ano. Então no quinto e no sexto anos quem tocava o negócio era o meu sócio. Eu ia lá no final de semana, metia um pouco o bedelho mas quem tocava era o meu sócio. Quando fui me formar fiz um estágio em Porto Alegre, em oftalmologia. Fiquei em dúvida se fazia residência ou não. Sou médico formado, mas acabei não fazendo residência. Tive oportunidade de fazer, tinha uma vaga garantida com um médico. Falei com ele e disse: não estou esnobando a Medicina e nem o instituto. Gostaria de ficar aqui, mas tenho uma lojinha em Caxias do Sul e resolvi me dar um tempo. Quero tentar por dois anos. Pode ser que eu chegue à conclusão de que não é a minha. Se eu voltar, não me mande embora. Sair do Banco do Brasil para não fazer nada é um downsizing. Sair da medicina para ser comerciante também. Mas era um desafio. Voltei para Caxias do Sul e toquei a loja. A gente cresceu muito rápido. Viramos a loja que mais vendia TV na cidade. Era o único que tinha videoclube. Cresceu muito rápido por ter achado um nicho de mercado, de bom poder aquisitivo.

- Mas e a Videolar?

Em 1985, como eu vendia muita fita betamax no país fui convidado pela Sony do Brasil para viajar para uma convenção mundial da empresa em Tóquio. Das 400 pessoas, cinco eram brasileiras. Eu era uma delas. Caxias do Sul é uma cidade com bom poder aquisitivo. A Sony é uma empresa muito diversificada. Tem a Sony Music, a Sony Electronics, equipamentos, Sony Pictures. Pedi para o diretor comercial, um japonês aqui no Brasil, e descobri que a Sony tinha um braço chamado PCL (Photo, Chemical, Laboratories). A empresa fazia telecinagem, legendagem e gravação de filmes. Quando descobri isso perguntei se eu poderia visitar unidade, queria ver como era a operação. Enquanto a turma foi visitar os templos eu fui visitar as máquinas dele. Para a minha surpresa, vi que o processo não era muito difícil. Em segundo lugar, uma coisa que me impressionou muito foi que o pessoal não tinha fita pronta. Tinha estoque de cassetes vazios e pizzas enormes de mídia virgem. A medida que entrava um pedido de 85 minutos, por exemplo, eles bobinavam 85 minutos mais dois, três minutos de segurança. Se entrasse um pedido de 120 minutos, eles bobinavam 124. A fita sempre foi o produto mais caro. Existia uma economia importante. Naquela época, você encontrava basicamente três tipos de fita no mercado: 60, 120 e 160 minutos. Todas as gravações que não se enquadrassem ali era um desperdício. Se precisasse gravar 10 minutos tinha que comprar uma fita de 60 minutos. Descobri as máquinas que faziam isso, quem eram os fornecedores. Na volta ao Brasil, resolvi mudar de atividade. O comércio tinha ficado grande, mas aquela operação como eu tinha dava para uma loja, e não para uma rede. Fora isso, todos os competidores em Caxias do Sul vendiam abaixo do custo para dar tráfego na loja. Em 1988, comecei a gravar as primeiras fitas de vídeo.

- Com quanto dinheiro o senhor começou a Videolar?

Com quatro milhões de dólares. Dois milhões de dólares em dinheiro.

- O senhor juntou dois milhões de dólares na loja?

A loja começou em 1980. Em 1986, tinha mês que a loja vendia 600, 700 000 dólares. Era líder na cidade. Em vídeo, não tinha para ninguém. Tinha mês que eu vendia 100, 200 máquinas. Os outros dois milhões tinha que ter financiamento externo para conseguir a guia de importação. Conseguimos um financiamento de um banco japonês, que me ajudou a importar máquinas da Sony e da JVC.

- O que o senhor gravava?

Filmes. Vendia para os estúdios de cinema no país.

- Começou só com VHS?

Sim, era o que tinha. Em 1990, abrimos a fábrica em Manaus.

- E foi um sucesso instantâneo?

Não. O coração falou mais alto do que a razão. Nunca deveria ter montado o negócio em Caxias do Sul. Nunca tive um cliente no Rio Grande do Sul. Os estúdios de filmes estavam em São Paulo. Fazia a tradução e a legendagem aqui em São Paulo e mandava a matriz para Caxias do Sul, que gravava e mandava para cá de novo. Só um pirado para fazer isso. Ficamos assim mais ou menos um ano e meio. Mudamos a parte de Caxias para São Paulo e abrimos uma nova operação em Manaus. Você vai vendo a história e vamos introduzindo novos produtos, como cassete gravado, virgem, áudio cassete, áudio cassete virgem, disquete, disco.

- Hoje a empresa tem quantos produtos?

Os principais produtos são os ópticos todos. Tem a parte que produz poliestireno e discos gravados e virgens.

- Quanto fatura a empresa?

Um bilhão e quatrocentos milhões de reais.

- E tem quantos funcionários?

Dois mil e quinhentos.

- Numa das idas e vindas de Nova Bassano o senhor achou que chegaria onde está hoje?

Na verdade, nunca coloquei como objetivo de vida onde chegar. Porque eu não sei onde estou, se cheguei a algum lugar. Acho que estou começando, me sinto um eterno iniciante. Agora que eu resolvi dar uma parada para começar uma segunda parte da minha vida. A partir de primeiro de janeiro de 2008 a empresa vai ter um novo presidente. Estou saindo da companhia e vou estudar em Nova York.

- Vai estudar o quê?

Primeiro vou estudar o relacionamento humano. Trabalhar com pessoas é a coisa mais difícil que existe. Quero fazer algumas coisas que envolvam relacionamento com pessoas, governança corporativa. Quero voltar para os livros. Ainda vou descobrir o que vou estudar.

- Então o senhor ainda não tem um plano.

Ainda não. Quero parar. Mas será uma coisa ligada a humanas.

- O senhor quer abrir um outro negócio?

Não. Hoje eu tenho como investimentos pessoais uma carteira importante que eu administro. Quero entender melhor governança corporativa, faço parte do conselho de administração de duas empresas, a Celesp e Eternit. Tenho um pé no mercado de capitais. Hoje o patrimônio que tenho no mercado de capitais é maior do que o da Videolar. E também quero ajudar o novo presidente numa nova estratégica. Criar novos produtos na medida que os produtos gravados perdem mercado para o contrabando ou pirataria.

- O senhor não vai se desligar totalmente, então?

Não vou estar aqui no dia-a-dia. Vou ser presidente do conselho, vou estar aqui uma vez por mês. Mas sem o dia-a-dia, que tem um desgaste muito grande.

- Já decidiu quanto tempo vai ficar em Nova York?

Um ou dois anos.

- A que características pessoais o senhor atribui essa virada?

No meu caso, eu não sabia onde eu queria chegar. Eu sabia o que eu não queria: ficar na roça. É um calor danado, quando dá uma safra boa não tem preço, quando tem preço não tem uma safra, terra cheia de morro. Na região da Serra Gaúcha tem minifúndios onde se pratica agricultura de subsistência.

- O senhor lembra o tamanho da propriedade da família?

É uma colônia, que são 34 hectares ou 240 000 metros quadrados. É muito pequeno. Não dá para viver bem, ainda mais porque sou o mais velho de 10 filhos. Não tem lugar para todos. As terras boas da região os alemães tomaram todos. Para os imigrantes italianos sobrou a serra. Lá é bom para parreiras, hortifruti. A gente tinha uma pequena criação de suínos, de galinhas e gados. Mas era tudo pequeno. O que sobrava vendia para manter a turma vestida e para comprar remédio. A melhor definição é subsistência.

- Mas o que te tirou da roça, então?

Sabendo o que eu não queria e que a família não tinha condições financeiras para pagar o meu estudo. Meu pai sempre falava do futuro, que era bom estudar. Isso ele sempre falava. Mas as safras, o dinheiro que entrava na família não era suficiente para mim e muito menos para os outros nove. Tanto é assim que quem tirou os outros irmãos da roça fui eu. Todos eles têm curso superior. Paguei de todos eles.

- Eles se formaram no quê?

Tem um que é médico, tem um agrônomo. A roça não rendia. Mais tarde ele ficou um pouco melhor. A minha mãe mora lá até hoje. Os valores, as coisas importantes para ela estão lá. Se ela pedisse para sair, ótimo. Mas nunca pediu. Ela tá feliz lá. Eu sabia o que eu não tinha: não tinha rádio, não tinha energia elétrica em casa. Eu não queria ficar na roça e sabia que o dinheiro era muito curto. Lá em casa não precisava comprar nada, só café e açúcar. O resto era tudo produzido ali: queijo, salame, galinha, ovo. A primeira coisa foi o seminário. Passavam os padres vocacionais e resolvi ir para o seminário. A família era muito religiosa, rezava o terço todo dia. No seminário cheguei à conclusão de que não tinha vocação. Aí voltei para a roça, mas lá eu não queria. Para ter dinheiro, consegui o trabalho em Brasília. Ou seja: sou teimoso, não me entrego. Afora isso, sempre gostei... No seminário, tomei o hábito de ler muito. Não assisto TV, mas leio no mínimo um livro por semana. Tenho sempre três ou quatro na cabeceira.

- Qual foi o último grande livro que o senhor leu?

A última bíblia chama-se O Investidor Inteligente, do Benjamin Graham. É a bíblia do investidor. Quem quer investir tem que ler. Foi escrito originalmente em 1949, foi revisado por ele em 1971, 72. É o livro de cabeceira do Waren Buffet. E foi revisado novamente em 2003. Por ler muito, sempre descobri as coisas boas da vida. Peguei gosto. Sou um devorador de jornais e revistas. Semanalmente é uma braçada. Aprendi coisas boas que descobri lendo. É o caso de um bom vinho, boa comida, bom carro, bom restaurante. Descobri que para isso você precisa de grana. Quanto mais exigente, mais caro custa. Eu sempre fiz o que eu gostava. Acho que eu tive a felicidade... A Videolar é uma decorrência da loja. Entrei na Videolar sabendo o que era o vídeo, e não porque sonhei de noite. Isso começou em 1978, apesar da empresa ter começado em 1988. Tive a felicidade de estar em Nova York e, ao invés de reclamar da comida, ir lá na loja, ver o livro, me interessar. Tive a felicidade de ser apresentado ao vídeo no lugar certo, na hora certa e ir atrás do negócio. Eu queria ter as minhas necessidades básicas atendidas. Poder usufruir coisa de qualidade, mas sem esnobação. Não tenho nada disso, pelo contrário. Sou low profile.

- O senhor casou?

Uma vez. Casei em 1992 e tenho uma filha de 15 anos.

- Quando o senhor mudou para São Paulo?

Quando começou a Videolar. A empresa ficou em Caxias do Sul e eu negociava aqui com os estúdios. Inicialmente comecei com gente independente e depois fui conseguindo coisas maiores. Moro perto do Colégio Dante Alighieri, nos Jardins.

- O senhor acha que teria chance de dar essa virada se tivesse nascido num país que não o Brasil?

Boa pergunta. Como curioso que sou, bato perna pelo mundo agora. E gosto de ver como são as coisas. Eu acho que o Brasil, por mais que a gente reclame, por mais problemas que nós tenhamos, tem oportunidades demais. Não adianta ter uma boa idéia, ter dinheiro na Alemanha, Japão ou Estados Unidos. São países que têm dinheiro e idéias de sobra. Os mercados estão ocupados. É claro que tem gente que consegue se diferenciar. Só para citar países grandes. O Brasil é cheio de oportunidades. É um país rico em recursos naturais de tudo que é gênero. Temos que agradecer a Deus por ter nascido no Brasil, não reclamar. Agora, não podemos ficar passivos e não aceitar certas barbaridades que acontecem no governo e no dia-a-dia. A gente reclama do governo, mas e o cara que está roubando o direito autoral? Tenho uma teoria sobre Brasília: é um reflexo da sociedade. Quando dizem que todo político é safado, então todo mundo é safado. Da onde sai o político? Temos que fazer o mea-culpa. Se todo mundo fizer a sua parte a coisa melhora. Tem que parar com esse negócio de que o culpado é sempre o outro. Temos que baixar um pouco a guarda e ver o que podemos fazer melhor para nós, para nossa família, nosso estado e para o país. Se eu teria conseguido? Pergunta difícil. Conheço razoavelmente bem outros países. O Brasil tem o tamanho certo para o empreendedor. Tem uma grande área, recursos naturais, o clima e tem um povo bom. Tem uma miscigenação ótima, não tem problema com várias línguas, religiões. Tem o problema da violência, que é fruto da impunidade. O que precisa mesmo é de um Giuliani aqui. Tolerância zero. Tem que ter disciplina.

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