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"Eu queria estar no Brasil há muitos anos", diz fundador do Carlyle

Em entrevista exclusiva a EXAME, David Rubenstein fala sobre o interesse do maior fundo de private equity do mundo pelo mercado brasileiro

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h39.

David Rubenstein é a força motriz por trás do sucesso do maior fundo de private equity do mundo, o Carlyle. Aos 58 anos, Rubenstein não pára. Em seu jato Gulfstream 450, passa 260 dias a cada ano viajando por mais de 50 países em busca de investimentos. Quando concedeu entrevista a EXAME, tinha voltado de um roteiro que incluiu Marselha, Cairo, Istambul, Zurique, Dubai, Genebra, Roterdã, Pequim, Seul, Cingapura, Bombaim e Abu Dhabi --- em duas semanas. Nessas viagens, encontra-se com as famílias mais ricas do planeta, investidores instucionais, presidentes de empresas, chefes de Estado. O bastante para dar a Rubenstein ares de "mestre do universo", apelido dado no mercado financeiro americano ao grupo de indivíduos mais poderosos de seu tempo (o título já foi dos banqueiros de investimento do Vale do Silício nos 90. Hoje, é dos donos de fundos de private equity).

Pois é exatamente isso que Rubenstein evita a todo custo. Não há nada em seu escritório que lembre o quartel-general de um "mestre do universo" responsável por administrar 75,6 bilhões de dólares e comprar uma empresa a cada três dias. As mesas estão repletas de livros empilhados, e os quadros, espalhados pelo chão. Os visitantes bebem água no gargalo. Reflexo da persona de Rubenstein, um multibilionário que se orgulha de ter comprado seu relógio na Índia por 10 dólares e propagandeia o sabor da comida vendida em máquinas de rua (um de seus maiores rivais, Stephen Schwarzman, do Blackstone, é conhecido por adorar patas de caranguejo de 400 dólares). Rubenstein, que há 20 anos fundou o Carlyle ao lado de Daniel D'Aniello e Bill Conway, concedeu a seguinte entrevista a EXAME.

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EXAME - Por que investir no Brasil agora?

Rubenstein - Eu queria estar no Brasil há muitos anos. Você sabe que o país atraiu muita gente no passado, e o que se seguiu foi um colapso terrível. Agora, o mercado está voltando: ficou claro que alguns dos problemas dos anos 80 e 90 foram resolvidos, especialmente a alta inflação e o baixo crescimento. Está claro também que há, hoje, uma talentosa e bem treinada geração de profissionais de private equity. E, claro, não se pode deixar de mencionar o tamanho da economia. Se você analisar os chamados "BRICs", a Rússia é um país complicado, não estamos procurando nada lá. Já os outros três são extremamente atraentes. Nós provavelmente usaremos o Brasil como um centro para negócios na América Latina. Meu objetivo é ter uma presença sólida no Brasil antes que meus concorrentes o façam. Logo, todos estarão lá.

EXAME - Que tipo de negócio o Carlyle fará no Brasil?

Rubenstein - Estamos interessados em compras de controle, participações minoritárias e privatizações.

EXAME - Em algum setor específico?

Rubenstein - Sim. O segmento de serviços financeiros será importante, já que o Brasil está ficando mais rico e mais pessoas precisarão de serviços financeiros. Telecomunicações será uma área de crescimento. Em energia, o Brasil provavelmente construirá uma gigantesca infra-estrutura em torno do etanol. E bens de consumo, em razão do tamanho da população.

EXAME - O senhor já esteve no Brasil?

Rubenstein - Sim, diversas vezes, pelo menos três neste ano. Fui recrutar executivos e me encontrar com potenciais investidores.

EXAME - Por que o senhor decidiu entrar no mercado de private equity, vinte anos atrás?

Rubenstein - Eu era um advogado, e não acho que era um grande advogado. Ninguém tentou me convencer a seguir na profissão... Eu concluí que a advocacia era menos uma profissão e mais um negócio. Todas reuniões eram sobre quanto dinheiro íamos ganhar, então decidi que, se era para fazer negócios, eu deveria entrar num negócio mais rentável.

EXAME - Qual era seu cenário mais otimista?

Rubenstein - Não havia cenário otimista. Eu deixei claro que não queria que a empresa tivesse mais de dez funcionários. Tínhamos expectativas modestas: se fizéssemos duas transações por ano, tudo bem. Ninguém esperava que isso se transformasse numa empresa global.

EXAME - Quais foram os momentos mais difíceis?

Rubenstein - Foi muito difícil convencer as pessoas a nos dar dinheiro, já que não tínhamos histórico algum. Também era difícil convencer as pessoas a nos vender empresas, porque ninguém sabia quem éramos. Foi problemático

EXAME - O senhor perdeu muito dinheiro?

Rubenstein - Perdemos na Cater Air, empresa que teve o atual presidente Bush como conselheiro de administração. Ficamos tão obcecados com não perder dinheiro que nossa taxa de insucesso é de 3,5% do capital investido, provavelmente a menor do mundo do private equity.

EXAME - Como o senhor levanta dinheiro?

Rubenstein - Leva tempo. Tenho que me encontrar pessoalmente com nossos 1200 investidores em 70 países. Como temos mais de 50 fundos, faço uma apresentação diferente para cada um. Viajo 260 dias por ano por isso.

EXAME - Por que ter 50 fundos em vez de meia dúzia, como seus concorrentes?

Rubenstein - Historicamente, a indústria de private equity e venture capital é local. À medida que os grupos foram se tornando maiores e mais conhecidos, tivemos a idéia de levantar dinheiro fora dos Estados Unidos. Desenvolvemos um modelo em que criamos diversos fundos espalhados pelo mundo. As outras empresas, tradicionalmente, tinham apenas um fundo: nós escolhemos ter muitos fundos em muitas disciplinas, como mercado imobiliário, aquisições e venture capital, específicos para uma região. Foi assim que crescemos.

EXAME - Você é repetidamente chamado de asceta. O que isso quer dizer?

Rubenstein - Depende da sua definição de ascetismo. Não acho que esteja competindo com o Dalai Lama. Mas não bebo, não fumo, não jogo golfe, não vou à praia, não velejo. Gosto de trabalhar mais que qualquer outra coisa.

EXAME - Em algum momento da sua vida o senhor trabalhou mais do que hoje?

Rubenstein - Quando eu trabalhei na Casa Branca (Rubenstein foi assessor de política doméstica do governo Jimmy Carter), eu achava que trabalhava muito. Mas agora a agenda é mais intensa, porque eu viajo muito. Temos os 1200 investidores em 70 países, então sempre há alguém para encontrar. Estou sempre procurando empresas para investir, então me encontro com seus presidentes. Faço muitos discursos sobre private equity, 75 por ano. E também recruto executivos. Eu não tinha a responsabilidade que tenho hoje. Tento me manter informado sobre o que acontece no mundo. Leio de quatro a seis livros por semana, de oito a dez jornais por dia.

EXAME - E o senhor agüenta?

Rubenstein - Você sempre ouve essas estrelas de Hollywood reclamando de como suas vidas estão sendo invadidas, que as pessoas não as deixam em paz. Mas o que eles achavam que entrar nessa vida significava? Eu não reclamo de nada. Meu trabalho demanda muita viagem, muitas horas de dedicação e, você poderia dizer, muito stress. Mas escolhi isso, quero fazer isso e isso não significa stress nenhum. Stress é ficar sentado na praia sem saber o que acontece no mundo.

EXAME - O senhor costuma dizer que um dia as grandes firmas de private equity serão empresas abertas. Por quê?

Rubenstein - Estamos passando pelo mesmo fenômeno por que os grandes bancos de investimento passaram nos anos 70 e 80, quando eles perceberam que, para crescer por todo o mundo, precisariam de mais capital. E ir à bolsa lhes deu mais capital. Também deu uma moeda para reter seus funcionários e para fazer aquisições. Ainda mais importante, os fundadores das firmas de private equity estão agora atingindo os 60 anos e percebem que, alguma hora, deveriam se beneficiar daquilo que construíram. Se esperarem até os 80 anos, eles podem já não estar mais no controle das firmas ou não ter mais capacidade e vontade de gastar dinheiro.

EXAME - E o Carlyle vai abrir o capital?

Rubenstein - Não temos planos. Estudamos a idéia e estamos olhando o desempenho das outras firmas que já abriram o capital. Precisamos nos manter competitivos.

EXAME - As teorias da conspiração incomodam?

Rubenstein - É desagradável quando dizem inverdades sobre você. Ainda mais quando isso pode ter impacto sobre o negócio: os investidores podem ficar nervosos, alguns podem não querer fazer transações com você. Logo, não ficamos felizes. É muito difícil convencê-las de que as conspirações não existem. No caso do Carlyle, nós não temos envolvimento com governo e não influenciamos sua política. Ex-membros de governos trabalharam na firma, mas sua função era basicamente discursar para investidores, e não fazer lobby ou transações. Creio que alguns dos temores sobre nós tenham algo a ver com o Oriente Médio, e acho que em muitos lugares há a noção de que tudo que vem do Oriente Médio é perigoso. Não ficamos felizes com isso, tentamos expor os fatos e, em boa medida, a coisa acabou. O problema é que, com a internet, você lê textos escritos anos atrás, então isso tudo demora mais a desaparecer do que nós gostaríamos.

EXAME - Isso fez o senhor mudar o Carlyle?

Rubenstein - Estamos muito mais sensíveis à opinião pública. Antes não ficávamos muito tempo falando com repórteres. Nós provavelmente evitamos trazer mais ex-membros de governos, embora nossos concorrentes o façam. Decidimos ser mais transparentes sobre o que a firma faz, o que nossas empresas fazem e de onde vem nosso dinheiro.

EXAME - Quando o senhor pretende se aposentar?

Rubenstein - Ficaria maluco se me aposentasse. Adoro o que faço. As pessoas se aposentam se querem fazer outra coisa. Mas eu ficaria louco, e isso não seria bom. Eu nunca vou me aposentar. Em algum momento, posso fazer outra coisa.

EXAME - Voltar ao serviço público?

Rubenstein - Bem, é possível que eu volte ao governo, mas lembre-se que, quando eu estava lá, o núcleo da inflação atingiu 21%. Então talvez não haja uma grande demanda por meus serviços.

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