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É tudo ou nada

Em meio a um dos piores momentos de sua história no Brasil, a Volkswagen aposta seu destino no lançamento do Fox. Mas até que ponto um carro pode acabar com a crise?

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

Vendas em queda, cinco anos de prejuízo, relações desgastadas com sindicalistas e funcionários, forte interferência da matriz. Foi em meio a um cenário conturbado -- talvez o mais conturbado dos últimos anos -- que, em meados de outubro, a subsidiária brasileira da alemã Volkswagen lançou o Fox, seu novo modelo compacto. Não se trata de um lançamento como outro qualquer. Sobre o carro -- totalmente desenvolvido no país e inicialmente batizado de projeto Tupi -- recai o destino da operação brasileira da Volks. É sobre o Fox que a cúpula da montadora coloca, abertamente, suas esperanças de recobrar a histórica liderança de mercado, perdida há dois anos, de voltar ao azul e recuperar seu status perante a matriz alemã. "No ano que vem não poderemos mais registrar perdas", afirma Peter Hartz, diretor mundial de recursos humanos da Volks e responsável pelas operações na América do Sul e na África do Sul. "Precisamos ter lucro."

O alemão Hartz, que esteve em Curitiba para o lançamento do novo carro, é o principal arauto da insatisfação cada vez mais declarada da matriz. Por muitos anos a operação brasileira ocupou o posto de maior empresa privada do país. Hoje é a quarta, segundo o anuário Melhores e Maiores, publicado por EXAME. O encolhimento se reflete no peso da empresa no grupo. Até 2001, o Brasil era o segundo país mais importante para os negócios da montadora, perdendo apenas para a Alemanha. Atualmente, Estados Unidos e China estão à frente. E, como Hartz costuma declarar, não há perspectivas de que esse quadro mude. Pode-se argumentar que todo o mercado automobilístico brasileiro se retraiu. Trata-se de um argumento legítimo -- com capacidade para produzir 3,2 milhões de automóveis, as montadoras instaladas no país devem produzir 1,8 milhão de unidades em 2003. Foi um ano de cão. Mas, entre as quatro grandes -- Fiat, GM, Volks e Ford --, a alemã foi a que mais andou para trás. Nos primeiros nove meses do ano, seu volume de vendas foi 20% inferior ao do mesmo período de 2002 -- o dobro da média da indústria (veja quadro abaixo).

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A tarefa de recuperar a liderança no mercado interno está nas mãos do executivo inglês Paul Fleming, de 43 anos de idade. Há um ano, Fleming ocupa a presidência da Volks em substituição ao austríaco Hebert Demel. (No início de outubro, Demel, então presidente da montadora austríaca de veículos especiais Magna Steyr, foi anunciado como novo presidente mundial da combalida Fiat Auto.) "Meu trabalho está mais difícil do que imaginei que seria", afirmou Fleming, entre goles de prosecco, durante o coquetel de apresentação do Fox. Ele se referia a fatores externos às paredes das linhas de montagem -- principalmente à variação do dólar e à alta taxa de juro, que têm impacto direto em seu negócio. Mas é provável que esses problemas -- fora de seu campo de controle -- não estejam hoje entre suas principais preocupações. O conturbado projeto Autovisão, que prevê a demissão de 3 933 dos 24 800 funcionários da Volks no Brasil, transformou-se numa turbulência adicional a ser administrada. Anunciado em julho, o projeto -- que pretende transferir mão-de-obra para outras empresas -- provocou protestos inflamados e greves entre os metalúrgicos da montadora. O relacionamento entre a Volks e seus funcionários ficou tão tenso que o presidente mundial da empresa, o alemão Bernd Pischetsrieder, chegou a ameaçar demitir os empregados que cruzassem os braços nas fábricas brasileiras. Resultado: a crise se aprofundou.

O humor dos executivos de Wolfsburg, QG mundial da montadora, piorou também por outra razão. Desde 1999, a Volks brasileira vem operando no vermelho. Neste ano, o resultado não será diferente. E Pischetsrieder, pressionado pelos acionistas, passou a exigir melhores resultados. Isso levou a uma interferência maior da matriz nos negócios brasileiros. Um exemplo prático: em janeiro, Fleming decidiu afastar o alemão Berthold Krüger do comando da área de vendas internas e substituí-lo pelo paulista Marcos Vinícius Moya, que vinha do banco Volkswagen. Há dois meses, Krüger voltou ao seu antigo posto e Moya foi transferido para uma recém-criada área de desenvolvimento da rede de concessionários (ainda desconhecida pelos revendedores ouvidos por EXAME). Ofi cialmente, ninguém confirma, mas a decisão da troca teria partido da matriz.

A pressão respinga na rede de concessionários. "Em setembro, a Volks nos orientou a emplacar os carros que estavam em estoque", afirma o dono de uma grande concessionária de São Paulo. "É a primeira vez que isso acontece desde a chegada de Fleming." O que isso significa na prática? Como atualmente o número de veículos licenciados é que determina o ranking das montadoras, ao emplacar automóveis que ainda não foram comprados pelo consumidor, os números ficam distorcidos -- para cima. Vale dizer que no mercado esse tipo de prática é atribuído também a outras montadoras.

Hoje, o principal elo dos executivos de Wolfsburg com o Brasil é o brasileiro Lauro Alcântara. Há vários anos na montadora, Alcântara trabalhava na Alemanha e veio para o Brasil na mesma época que Fleming. Ele é uma espécie de eminência parda, um executivo de grande influência, que jamais se expõe ao público. Oficialmente, ocupa a vice-presidência de estratégia na subsidiária -- um cargo criado especialmente para acolhê-lo, já que até então a área estava sob a responsabilidade do vice-presidente financeiro. Alcântara é o homem de confiança de Hartz (o superior direto de Fleming) e costuma ser sua companhia mais freqüente quando o executivo alemão está em visita ao Brasil. Ao término da entrevista coletiva de lançamento do Fox, Hartz e Alcântara, acompanhados de Dirk Grosse-Leege, diretor de comunicação mundial da companhia, deixaram o local no mesmo carro. Fleming foi sozinho, no carro de trás. Todos seguiram em direção ao mesmo hotel.

É nesse cenário tumultuado que o Fox é apresentado pela alta direção da Volks como uma esperança de redenção. "Se o lançamento não der certo, teremos problemas", afirma Grosse-Leege. Depender de um novo produto para sair da crise é, no mínimo, uma estratégia arriscada. Por isso, desde que chegou ao Brasil, Fleming tem dedicado boa parte de seu tempo ao modelo. Uma de suas primeiras medidas foi antecipar o lançamento do carro, inicialmente previsto para acontecer apenas em 2004. O Fox passa a disputar um mercado até então relegado pela Volks -- o de automóveis na faixa de 20 000 a 30 000 reais, que respondem por algo entre 15% e 17% de todo o volume comercializado no país. O Gol, apesar de ser o carro mais vendido na história -- em 23 anos de existência, bateu a marca dos 4 milhões de unidades vendidas --, não conseguia competir nesse segmento, dominado por modelos como o novo Fiesta, da Ford, o Corsa, da GM, e o Peugeot 206. "Nosso objetivo é ficar com pelo menos um terço desse mercado, o que nos garantiria um aumento total de participação de 2% e nos devolveria a liderança", afirma Paulo Sérgio Kakinoff, diretor de marketing e vendas da Volkswagen.

Para acomodar o Fox em seu portfólio, a montadora precisou mudar o posicionamento de mercado do Gol e do Polo -- os modelos que estão respectivamente abaixo e acima do Fox. O primeiro sofreu uma espécie de "rebaixamento". Não se encontram mais versões sofisticadas, que faziam o modelo alcançar o preço de 42 000 reais. Hoje, o Gol mais equipado custa por volta de 26 000 reais. Na outra ponta, eliminou-se a versão mais barata do Polo, o 1.0 16V. Mesmo assim, espera-se que ocorra alguma canibalização entre os modelos. "É difícil prever como será essa substituição", diz Fleming.

Outra preocupação da Volks foi reduzir os custos de produção do Fox. Optou-se, por exemplo, pela utilização da plataforma do Polo, em vez de criar uma nova. Com isso, o custo de desenvolvimento do carro foi de 200 milhões de reais, ante os quase 2 bilhões de reais investidos no Polo (o valor inclui a modernização da fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, necessária para receber o novo carro). A preocupação se estendeu a detalhes como o número de cores oferecidas ao consumidor. As tonalidades berrantes -- que sempre implicam volumes reduzidos -- foram deixadas de lado. São apenas oito cores, incluindo preto, branco e três tons de cinza. "Não adianta inventar. Essas são as cores que mais vendem", afirma Luiz Veiga, gerente executivo de design da Volkswagen.

Para a matriz, é bom que os executivos brasileiros estejam certos. O sucesso do Fox e a recuperação brasileira podem ajudar a maior montadora alemã a sair da situação desconfortável em que se encontra atualmente. Com vendas anuais estacionadas em 82 bilhões de dólares e redução de lucro operacional de 12% em 2002, a Volks precisa ganhar fôlego. Recentes investidas da companhia para recuperar mercado na Europa não deram resultado. É o caso do Phaeton, um carro de luxo lançado no ano passado e que supostamente concorre com BMW e Mercedes. O investimento da fábrica alemã de Dresden, responsável pela produção do Phaeton, foi de 200 milhões de dólares. Sua capacidade foi estabelecida em 20 000 unidades anuais. Em 2003, porém, a produção não deve ultrapassar 8 000 carros. Para o bem da subsidiária brasileira e de seus executivos, espera-se que o Fox não tenha o mesmo destino.

MARCHA À R
Entre as quatro principais montadoras instaladas no país,
a Volkswagen foi a que mais perdeu terreno nos primeiros meses deste ano.
Sua queda no volume de automóveis comercializados foi o dobro da média da
indústria. Veja no quadro abaixo o comparativo das vendas (volumes em milhares
de unidades):
Jan-set/2003
Jan-set/2002
Variação (%)
GM
208
218
-4,6
Fiat
199
234
-14,7
Volkswagen
184
230
-20,1
Ford
77
72
6,2
Total da indústria
806
892
-9,7
Fonte: Anfavea
O CENTRO DA DISCÓRDIA
Por que a Volks não consegue tirar o Autovisão do papel
A teoria parece ótima: para resolver o problema de excesso de pessoal
bastaria criar uma nova empresa, transferir os funcionários excedentes para
lá, treiná-los e depois sair por aí vendendo essa mão-de-obra de alto nível
a empresas que precisassem de uma força extra. A prática, como comprova
o imbróglio que se tornou a implementação do projeto Autovisão no Brasil,
é um pouco mais complicada.

Em julho, a Volkswagen anunciou que traria para o país um modelo de realocação
de mão-de-obra já utilizado na matriz e que deverá custar 150 milhões de
dólares. Preparada para uma explosão de consumo de automóveis que nunca
se concretizou, a empresa hoje precisa reduzir custos -- mais precisamente,
3 933 dos seus 24 800 funcionários. O projeto acabou provocando discussões
intermináveis entre os executivos da montadora e sindicalistas. De concreto
até agora apenas o acordo fechado entre os trabalhadores da Volks em São
Bernardo do Campo.

Os 1 923 funcionários excedentes da fábrica poderão escolher entre três
opções: ficar em casa com licença remunerada até novembro de 2006, aderir
a um programa de demissão voluntária ou ser treinados num centro de qualificação
e depois transferidos para a Autovisão. Na fábrica de Taubaté, no interior
de São Paulo, onde trabalham os outros 2 010 empregados afetados pelo programa,
ainda não houve acerto.

Por que a dificuldade? Para o alemão Peter Hartz, diretor mundial de recursos
humanos da Volkswagen, o problema é de comunicação. "As pessoas ainda não
entenderam direito o projeto", diz Hartz. Uma das questões levantadas pelos
sindicalistas é quem vai contratar os serviços da Autovisão. Hartz afirma
que já existem 30 empresas interessadas em se tornar parceiras do projeto
no Brasil, mas não revela nomes. Para convencer os funcionários, o principal
argumento da Volks é o resultado obtido na Alemanha, onde o projeto funciona
há cinco anos e conseguiu gerar 15 000 vagas.

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